Arquivos Bárbara Libório - Canal MyNews – Jornalismo Independente https://canalmynews.com.br/post_autor/barbara-liborio/ Nosso papel como veículo de jornalismo é ampliar o debate, dar contexto e informação de qualidade para você tomar sempre a melhor decisão. MyNews, jornalismo independente. Tue, 08 Mar 2022 15:17:26 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Como a aliança entre neoliberalismo e conservadorismo se dá no governo Bolsonaro https://canalmynews.com.br/mais/como-alianca-entre-neoliberalismo-conservadorismo-se-da-overno-bolsonaro/ Sat, 04 Sep 2021 19:26:47 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/como-alianca-entre-neoliberalismo-conservadorismo-se-da-overno-bolsonaro/ Ataques aos direitos das mulheres vêm de diversos ministérios, da presidência e do Congresso Nacional

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“Vamos unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã. Combater a ideologia de gênero, conservando nossos valores”, foi uma das primeiras falas do presidente Jair Bolsonaro, ao assumir a presidência, em seu discurso de posse. Dois anos e meio depois, as práticas adotadas pelo governo, em todas suas esferas, mostram que ele falava sério sobre a valorização da família e o conservadorismo de valores: foram ao menos 19 ações do executivo, entre portarias, cartilhas, leis, decretos e outros; 63 propostas do Congresso que partiram da sua base de apoio; e milhões de reais não usados no orçamento que caminharam neste sentido – o de valorizar e também responsabilizar a família por direitos básicos que são obrigação do Estado.

A Revista AzMina levantou toda a ação do governo relacionada a temas de valorização da família, gênero, direitos sexuais e reprodutivos, temas LGBTQIA+ e educação domiciliar. Foram analisados decretos, portarias, medidas provisórias, cartilhas e campanhas governamentais, direcionamento orçamentário, execução orçamentária e propostas legislativas. As pautas aparecem em ações da Presidência, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, do Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Ministério de Relações Exteriores e do Congresso.

Feminismo e direitos humanos sem intermediários

Enquanto no executivo predominam as pautas de proteção à vida desde a concepção e valorização da família, com cinco ações cada; no legislativo os temas mais abordados são em relação a criminalização total do aborto (29 projetos de Lei) e redução de direitos LGBTQIA+ (12).

As ações deixam claro que a valorização da família e o ataque aos direitos das mulheres são elementos centrais do fazer político desse governo, e o perfil das ações indicam uma conexão direta com a política econômica neoliberal, que prega a menor participação possível do Estado na economia. “Esta pauta conservadora é fundamental para que as mulheres façam um trabalho gratuito que é estruturante para a economia capitalista”, explica a cientista política Clarisse Goulart Paradis, professora do Instituto de Humanidades e Letras da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB/Bahia).

Não à toa, a antiga Secretaria de Políticas para Mulheres perdeu seu status ministerial e foi criado o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, vinculando diretamente os temas relacionados aos direitos da mulher à família. Nos programas orçamentários, deixou de existir o Programa 2016, chamado “Políticas para as Mulheres: Promoção da Igualdade e Enfrentamento a Violência” e em seu lugar veio o “Programa 5034 – Proteção à vida, fortalecimento da família, promoção e defesa dos direitos humanos para todos”. Além disso, o governo deixou de usar um terço do orçamento autorizado para políticas voltadas para mulheres, tanto na área de combate à violência, quanto em políticas de saúde. Ao mesmo tempo em que no Congresso todo um vocabulário conservador tem se tornado frequente em tentativas de reduzir os direitos das mulheres.

O que é o neoconservadorismo e o que ele tem a ver com o liberalismo econômico

O levantamento mostra que o governo está colocando em ação aquilo que já deixava claro no seu discurso, em uma forma de governar que tem sido definida por especialistas de diversas formas, e um dos termos usados é o neoconservadorismo – uma aliança entre o conservadorismo e o neoliberalismo. Na prática, a ideia é reforçar o lugar da família (e principalmente da mulher) como entidade responsável por obrigações que antes seriam de responsabilidade do governo, como o cuidado das crianças e idosos. Quer um exemplo? Se antes o governo era o responsável por garantir a educação das crianças, com serviços de creche e escolas, agora o objetivo é liberar a educação domiciliar, assim isso passa a ser responsabilidade da família e um gasto e preocupação a menos para ele.

No livro “Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina”, Flávia Biroli, Maria das Dores Campos e Juan Marco Vaggione explicam que o termo é “utilizado para lançar luz sobre os tipos de coalizões políticas estabelecidas entre diferentes atores – religiosos e não religiosos – visando manter a ordem patriarcal e o sistema capitalista”. Eles partem de uma lógica de que a liberdade sexual e a emancipação da mulher teriam levado a um cenário de irresponsabilidade masculina  e vulnerabilidade feminina, levando ao discurso da defesa da família. Não à toa o governo vem falando tanto de “paternidade responsável”: a ideia é voltar a enxergar o homem como chefe e provedor de família, responsável pelas decisões da casa, inclusive a de ter ou não filhos.

“Pensar a pauta conservadora separada das questões materiais é um erro. Nós não podemos pensar uma pauta só dos costumes se tivesse desatrelada das disputas materiais. Classe, raça e gênero cortam nossas condições de vida”, defende Clarisse Goulart Paradis. É neste cenário que se torna importante analisar as pautas morais no atual governo sob a luz de sua política econômica.

Clarisse explica que nesse contexto neoconservador, as pessoas são muito mais responsáveis pelos riscos e pela reprodução da vida, ou seja, pelos trabalhos invisíveis e não remunerados de gerar e criar novas pessoas. “É essencial para o governo colar a mulher à família, à maternidade, para aproveitar do trabalho gratuito que é fundamental e chamado de amor”.

Como dissemos, um exemplo prático disso no atual governo é como a lógica de privatização e ausência do Estado reflete na questão da educação das crianças. Enquanto o Congresso tenta passar a legislação para a educação domiciliar, o Ministério da Educação não usou nada dos recursos disponíveis para estruturar as escolas para a volta da educação presencial, conforme revelou o jornal O Globo, mas publicou uma cartilha para orientar a educação domiciliar. Para o governo, é essencial que as famílias – e majoritariamente as mulheres – passem a se responsabilizar por essa atividade. Em textos de projetos de lei, parlamentares defendem que “a educação dada pelos pais é um direito natural garantido aos genitores”, e que a “Lei Natural” antecede os direitos humanos. Em outra ação, ao divulgar o programa Auxílio Brasil, o governo passa a incluir um auxílio-creche – que pode ser pago a instituições particulares – ao mesmo tempo em que retira recursos destinados às prefeituras para educação das crianças, como mostrou a Folha de S. Paulo.

Entre o discurso e a ação: gênero e família

Na análise das ações do governo também é perceptível que há muito discurso para embasar a construção da prática. Não se trata apenas das falas dos representantes do Estado, mas também de medidas como a mudança de pastas e programas orçamentários, e a inclusão ou retirada de termos em projetos de lei. Há ainda a Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil no período de 2020 a 2031, que diz que o governo vai “promover o direito à vida, desde a concepção até a morte natural, observando os direitos do nascituro, por meio de políticas de paternidade responsável, planejamento familiar e atenção às gestantes”. Além das recém-anunciadas criações dos dias do nascituro e da paternidade responsável.

No Congresso, são muitos os projetos de lei que tratam de vedar o reconhecimento de identidade de gênero de pessoas trans ou de proibir o uso de termos como gênero ou orientação sexual em escolas.

Ao mesmo tempo em que se reforça a ideia de família como núcleo central da sociedade, há um trabalho de terror sobre os riscos, principalmente para crianças, em relação à pedofilia e às questões de gênero, numa narrativa de crise centralizada na família – a criança em casa, com a família, tem menos chance de ser exposta a esses “riscos”.

“Esse discurso da ideologia de gênero se torna uma pauta fundamental justamente para deixar mais palatável para a sociedade as pautas neoliberais tão impopulares, que no fundo são retiradas de direitos. Se pegar a agenda nua e crua do neoliberalismo, quem vai apoiar isso?”, explica Clarisse.

Também é notável uma mudança de foco das questões da mulher para a família. Assim como no orçamento as políticas para mulheres viraram Proteção à vida, fortalecimento da família, promoção e defesa dos direitos humanos para todos, no combate à violência doméstica o foco saiu do fator de gênero da violência e foi para a questão familiar, como pode ser visto nesta campanha do Ministério. A vítima da violência não é mais a mulher, mas a família, a criança, o idoso, e a agressão, portanto, deixa de ter como motivador o machismo estrutural.

Aborto para todos os lados

O tema do aborto e saúde sexual e reprodutiva está diretamente atrelado às pautas neoconservadoras e por isso aparece em ações do Congresso, do Ministério da Saúde, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, do Ministério das Relações Exteriores e da Presidência. Em todos os casos, o foco é restringir o direito à interrupção da gestação até nos casos em que ela é permitida no Brasil (estupro, risco à vida da mulher ou anencefalia do feto).

O Congresso lidera o volume, com 29 PLs sobre o assunto, mas sem conseguir a aprovação de nenhum. E vem seguido do Ministério da Saúde, que publicou duas portarias em 2020 dificultando o acesso ao aborto legal, divulgou uma nota contrária à realização do aborto legal por telemedicina e revogou resolução do Conselho Nacional de Saúde que garantia o direito ao aborto legal.

Do presidente, vêm a tentativa de criação do Dia Nacional do Nascituro e também a estratégia federal, que defende o direito à vida desde a concepção. Por fim, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, junto ao Ministério das Relações Exteriores, assinou a Declaração de Consenso de Genebra, um acordo internacional de posicionamento contra o aborto.

Apesar dos retrocessos concretos e riscos, é importante ter em mente também os avanços. No livro “Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina”, Flávia Biroli, Maria das Dores Campos e Juan Marco Vaggione explicam que o conservadorismo é uma resposta a mudanças provocadas por grupos considerados minoritários – uma tentativo de conservar os modos anteriores.

E para Clarisse Goulart Paradis, não podemos esquecer como o movimento de mulheres tem se mantido como uma das principais resistências aos retrocessos: “Não quer dizer que o imaginário feminista esteja acuado, muito pelo contrário. As mulheres têm sido fundamentais pra que esse governo tenha rejeição. O feminismo está num momento de muito engajamento e luta política. E quando esse governo sair, vamos estar preparadas para pensar políticas que sejam mais avançadas do que o que já tivemos”.


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Propostas desfavoráveis às mulheres podem ganhar apoio de novas lideranças no Congresso https://canalmynews.com.br/politica/propostas-desfavoraveis-as-mulheres-podem-ganhar-apoio-de-novas-liderancas-no-congresso/ Thu, 01 Apr 2021 00:33:09 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/propostas-desfavoraveis-as-mulheres-podem-ganhar-apoio-de-novas-liderancas-no-congresso/ Análise do Elas no Congresso mostrou que projetos de lei que tratam do tema aborto ou violência sexual cresceram 77% e 56% entre 2019 e 2020, e a maioria dos PLs é desfavorável

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Da Revista AzMina

Era agosto de 2020, em meio à pandemia de coronavírus, quando o caso de uma criança de 10 anos que engravidou após ser violentada por um tio, no Espírito Santo, ganhou o noticiário brasileiro. O Tribunal de Justiça do estado concedeu a ela o direito previsto em lei de interromper a gravidez fruto de um estupro, mas as reações vieram de todos os lados, inclusive do Congresso. O número de projetos de lei que tratam do tema aborto ou violência sexual na Câmara e no Senado cresceram 77% e 56%, respectivamente, entre 2019 e 2020, segundo levantamento do Elas no Congresso, plataforma de monitoramento legislativo da Revista AzMina. 

Mas a reação de deputados e senadores tem sido negativa para mulheres e meninas: a maior parte dos projetos é desfavorável. E, com a nova configuração do Congresso, os retrocessos podem vir a tramitar mais facilmente. 

Os projetos de lei criados em reação ao caso do Espírito Santo, e também a outros de repercussão nacional, ilustra bem o cenário do Congresso Nacional nos últimos dois anos, a primeira metade da legislatura que começou com as eleições gerais de 2018: nunca se falou tanto sobre temas importantes como os diversos tipos de violência contra a mulher e os direitos sexuais e reprodutivos. O problema é que esses projetos refletem seus autores: o Congresso mais conservador há pelo menos três décadas.

O Elas no Congresso analisou junto a 17 organizações que trabalham com os direitos das mulheres 649 projetos de lei sobre gênero que foram criados em 2019 e 2020 no legislativo brasileiro. 

Descobrimos que 1 em cada 4 projetos são desfavoráveis aos direitos das mulheres. Além de projetos que tentam restringir direitos, como no caso do aborto legal, ou que desvirtuam legislações importantes para o combate à violência contra a mulher, como a Lei Maria da Penha, grande parte dos projetos negativos focam exclusivamente na punição do autor da violência em diferentes situações. São medidas que efetivamente aumentariam o encarceramento no país e, segundo as organizações consultadas, não resolveriam as questões estruturais dos problemas que envolvem gênero no país

Violência contra a mulher

O tema mais recorrentemente abordado pelos congressistas em projetos de lei nos últimos dois anos é o da violência contra a mulher: 48% dos PLs sobre gênero no Congresso falam de violência doméstica, sexual, política, feminicídio, e outros tipos de agressão. Mas só um dos temas foi tratado de maneira 100% favorável para as mulheres: a violência política. São cinco projetos que focam principalmente em definir o que é violência política e também na proteção de mulheres e responsabilização dos agressores.

No caso dos projetos de lei sobre violência sexual, 68% deles foram avaliados de maneira negativa. E também quando o assunto é feminicídio, mais da metade dos projetos (61%) foi considerada desfavorável. 

A cientista política Flavia Biroli pontua que existem parlamentares no Congresso que se identificam com a agenda de combate à violência contra a mulher, mas com uma perspectiva conservadora. Como reflexo disso, os projetos de lei partem de um ponto de vista mais conservador e também mais punitivista.

“Estamos vivendo um estado mais penal e de ausência de políticas públicas. A política de combate à violência contra a mulher nunca foi implementada a nível nacional. Se ela fosse melhor executada, a gente teria um ímpeto punitivista menor”, explica Priscilla Brito, assessora técnica do Cfemea (Centro de Estudos Feminista e Assessoria). Na prática, se as políticas públicas não funcionam, o debate sobre a punição para supostamente “frear o problema” ganha espaço.

Violência sexual

No caso da violência sexual, boa parte dos projetos foram apresentados em reação ao caso da criança de 10 anos estuprada pelo tio. O PL 4345/2020, de autoria do deputado Gurgel (PL-SP), por exemplo, altera o Código Penal para “punir com mais rigor” o crime de estupro de vulnerável praticado contra menores de dez e cinco anos, mas não apresenta nenhuma solução para os desafios de proteção às vítimas. O PL foi avaliado negativamente pela Artigo 19. O mesmo acontece com o PL 4271/2020, do Delegado Antônio Furtado (PSL-RJ). 

“Esse é um desafio enorme. A gente tem dificuldade de imaginar alternativas fora do punitivismo. A gente reconhece que uma pessoa que é responsável por um ato violento tem que ser responsabilizada. Mas o que podemos construir de alternativa? Vivemos em um país racista e desigual, onde o encarceramento tem alvo certo: o homem negro e pobre”, questiona Biroli. Para a cientista política, se estamos criando um feminismo em que o antirracismo é uma questão central, precisamos de respostas que não reproduzam o racismo e a desigualdade de classe.

Brito também ressalta que a reação das mulheres, ao perceberem que os agressores estão sendo presos mais facilmente, pode ser a de deixar de denunciar. Isso porque em 79% dos casos de violência doméstica o agressor e a vítima têm ou já tiveram um relacionamento íntimo. Mais que o laço emocional, muitas mulheres são dependentes economicamente desses companheiros.

“A violência acontece dentro de casa. Essas propostas têm a perspectiva de que o violentador é o homem do beco, o monstro do imaginário [popular]. Não é isso, é uma pessoa do círculo de afeto da mulher. As medidas preventivas passam também pela educação em termos de gênero, isso deveria estar sendo melhor discutido, mas acabou sendo demonizada pelo governo”, explica Gabriela Rondon, pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.

A disputa pelo aborto 

Outra discussão veio a rebote do debate sobre a violência sexual com o caso do Espírito Santo: o direito ao aborto já previsto na lei. “Ninguém esperava que em 2020, em plena pandemia, o aborto voltasse pra pauta política com tanta força, e com uma narrativa preponderante de entender que essa menina tinha direito ao aborto legal. Os extremistas, aquelas pessoas na porta do hospital, perderam a narrativa, foram vistos como cruéis, excedentes. Isso gerou um curto circuito”, conta Rondon.

O governo federal, por meio do Ministério da Saúde, tentou resolver a questão com uma “canetada”: uma portaria que dificultava o acesso ao procedimento. As normas obrigavam os médicos a avisar polícia sobre pedidos de aborto por estupro e até a perguntar se gestante gostaria de ver o ultrassom do feto.

E o Congresso, principalmente a bancada feminina e feminista, reagiu, protocolando uma série de projetos de decreto legislativo que sustavam a portaria. Sob pressão, o primeiro texto, de agosto, foi revogado e uma nova portaria, que está em vigência, foi editada em setembro pelo Ministério da Saúde. O texto ainda prevê, por exemplo, que médicos comuniquem o fato à autoridade policial responsável e preservem possíveis evidências materiais da violência sexual.

Depois, em outubro de 2020, o governo federal lançou a Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil no período de 2020 a 2031, e colocou como meta a defesa da vida “desde a concepção” e dos “direitos do nascituro”. Ou seja, uma agenda antiaborto. As parlamentares mulheres do PSOL protocolaram um projeto de decreto-legislativo (PDL) que suspende esse trecho do documento. 

Para Rondon, é importante fazer uma leitura desse movimento do governo federal. “Eles esperavam que fosse mais fácil passar essas pautas no Congresso no governo do presidente Jair Bolsonaro. Viram que não e começaram a avançar por medidas do Poder Executivo. Tivemos uma vitória no legislativo que foi não deixá-los avançar”, diz. 

O futuro

Apesar dos projetos de lei que foram criados, as pautas “morais” não avançaram muito no Congresso nos últimos dois anos, como ressaltou Rondon. Em parte, porque o presidente da Câmara, onde a maior parte dos projetos são protocolados, era o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que não tinha interesse ou compromisso com esses temas. A nova eleição da liderança da Câmara, no entanto, pode mudar o quadro – para pior.

Desde o início do ano, o novo presidente da Câmara é o deputado Arthur Lira (PP-AL), candidato apoiado pelo governo Jair Bolsonaro. A eleição de Lira foi uma vitória para os deputados conservadores. Apoiado também pela bancada evangélica e pela Frente Parlamentar Mista contra o Aborto e em Defesa da Vida, ele deve enfrentar pressão para tornar mais dura a legislação contra o aborto no Brasil. A deputada Chris Tonietto (PSL-RJ) chegou a entregar a ele um termo de compromisso contra as pautas de gênero, sexualidade, família e direito ao aborto.

“Francamente, estamos esperando o pior. Talvez não avance algo tão bizarro como o Estatuto do Nascituro, por exemplo, porque já o enfrentamos muito, mas pode passar algum outro tipo de retrocesso”, diz Brito, assessora do Cfemea.

Outro motivo para o temor tem a ver com a escolha das lideranças das comissões da Câmara. Pela primeira vez teremos uma mulher à frente da Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJ), que analisa a constitucionalidade e a juridicidade de todas as propostas em análise na Câmara e ainda aprova projetos em caráter conclusivo, sem precisar passar pelo Plenário. Pelos próximos dois anos Bia Kicis (PSL-DF), conservadora, bolsonarista, negacionista e anti-aborto, estará a frente da comissão. Hoje, ao menos 12 projetos relacionados ao tema do aborto estão na CCJ.

“Todos os cenários apontam para ficarmos ainda mais vigilantes. É importante que todos os setores se movimentem”, diz Rondon. 

Quem pauta gênero

No legislativo, a movimentação pelos direitos das mulheres não acontece sem as parlamentares mulheres. Os dados analisados por Elas no Congresso mostraram que 79% das mulheres parlamentares eleitas apresentaram PLs sobre gênero, enquanto apenas 41% dos homens parlamentares fizeram o mesmo. 

O debate não é só quantitativo, mas qualitativo também. A produção legislativa feminina é mais favorável aos direitos das mulheres: apenas 21% dos projetos que têm a autoria ou coautoria de uma mulher são desfavoráveis. No caso dos homens, o percentual é de 26%. 

Mais: 69% dos projetos desfavoráveis têm autores ou coautores homens, enquanto apenas 33% deles têm autoria ou coautoria de mulheres (lembrando que um projeto de lei pode ter autores de ambos os gêneros).

Partidos

Quando analisadas as produções dos partidos, apenas dois deles alcançaram 100% de projetos favoráveis aos direitos das mulheres: o PCdoB e o PV. O PSOL aparece em seguida, com 95% – o único PL avaliado como desfavorável é o PL 5208/2020 por ter o potencial de desvirtuar a aplicação da Lei Maria da Penha segundo a Themis. 

Na outra ponta estão PSL, que tem mais da metade (52%) dos projetos desfavoráveis aos direitos das mulheres, o AVANTE que tem metade dos projetos avaliados negativamente, e o MDB, com 32% dos projetos desfavoráveis.

Numericamente, o PT é o partido com mais projetos de lei sobre gênero. Em seguida aparecem PSDB e PSL. Mas também há quem não se interesse pelo tema: os parlamentares do partido NOVO não apresentaram nenhum projeto sobre gênero no Congresso nos últimos dois anos. 

Com base nas avaliações de todos os 649 projetos de lei, foi montado um ranking interativo da atuação parlamentar em relação aos direitos das mulheres. No site ainda é possível ver cada um dos projetos avaliados e os comentários sobre ele. 

Vale destacar que entre os dez primeiros colocados na Câmara, nove são mulheres, todas do PSOL, PT e PCdoB. Já entre os dez piores colocados, oito são homens. No Senado são quatro mulheres entre as dez melhores posições e nenhuma entre as dez piores. 

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