Arquivos Ciro Barros da Agência Pública - Canal MyNews – Jornalismo Independente https://canalmynews.com.br/post_autor/ciro-barros-da-agencia-publica/ Nosso papel como veículo de jornalismo é ampliar o debate, dar contexto e informação de qualidade para você tomar sempre a melhor decisão. MyNews, jornalismo independente. Tue, 21 Jun 2022 15:49:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 “Vagões, disciplinas, travessias, salveiros”: como tráfico se estruturou na Cracolândia https://canalmynews.com.br/cidades/vagoes-disciplinas-travessias-salveiros-como-trafico-se-estruturou-na-cracolandia/ Tue, 21 Jun 2022 15:49:47 +0000 https://canalmynews.com.br/?p=30322 A investigação da Polícia Civil de São Paulo que mapeou a movimentação do fluxo; após quase um ano nas ruas, Operação Caronte prendeu mais de cem pessoas.

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O barulho dos helicópteros tornou-se corriqueiro na região central de São Paulo, sobretudo nos fins de tarde, desde junho de 2021. Foi quando a Polícia Civil do estado deflagrou a chamada Operação Caronte, uma grande ação policial para combater o tráfico na região conhecida como “Cracolândia”. Batizada em referência ao barqueiro do reino dos mortos da mitologia grega, a operação vem ocorrendo em uma sequência de fases e etapas e já resultou na prisão de 111 pessoas, apreendeu toneladas de drogas e cumpriu 75 mandados de busca e apreensão, em oito inquéritos policiais.

A Caronte gerou episódios de violência, como a morte de Raimundo Nonato Rodrigues Fonseca, pessoa em situação de rua que, em uma noite de operação, foi baleado no tórax por policiais do Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos (Garra). Os policiais já confirmaram ter efetuado disparos na ocasião e estão sob investigação da Corregedoria da Polícia Civil. Houve também a agressão, flagrada pela Ponte Jornalismo, a um imigrante angolano pela Guarda Civil Metropolitana (GCM). Além disso, um relatório da Comissão de Direitos Humanos da OAB registra insultos verbais dos policiais às pessoas em situação de rua, ameaças de morte e prisão e revistas de mulheres por policiais homens. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo questionou a prática de manter grandes grupos de pessoas sentadas por horas sob a mira de armas enquanto policiais cumpriam mandados da operação.

A Polícia Civil alega que as ações da Operação Caronte são fruto de um longo período de investigações que mapeou o modo de funcionamento do tráfico no chamado “fluxo” da Cracolândia e vem prendendo traficantes que seriam responsáveis pelo fornecimento das drogas na região.

Relatórios de inteligência da Polícia Civil que constam em denúncias oferecidas pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) no âmbito da Operação Caronte consultados pela Agência Pública mostram o que a Polícia Civil descreve como o modus operandi do tráfico na Cracolândia. Segundo a investigação, uma organização criminosa movimenta até R$ 200 milhões com a venda de drogas, informação corroborada por um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A reportagem consultou também interrogatórios de presos e depoimentos de testemunhas que constam em denúncias já propostas pelo MPSP.

“Vagões”, “disciplinas”, “travessias”, “salveiros”

Os relatórios de investigação e depoimentos apontam que há uma organização criminosa vinculada ao Primeiro Comando da Capital (PCC) que teria organizado o chamado “fluxo” da Cracolândia. Segundo a polícia, haveria no “fluxo” uma estrutura de comercialização de crack e outras drogas, com ocupação de locais específicos, papéis definidos e atuação subordinada ao comando do PCC.

Segundo a investigação, o tráfico no “fluxo” estrutura-se nos chamados “vagões”. Os “vagões”,  chamados também de “feira da droga” por membros da Polícia Civil, são bancas montadas em frente à chamada “feira do rolo”, onde ocorre a venda de produtos como celulares, computadores, roupas e bicicletas, frequentemente oriundos de roubos e furtos. Há uma diferença visual entre os “vagões” e a “feira do rolo”: enquanto “o rolo” ocorre a céu aberto, os “vagões” são cobertos por lonas plásticas, alguns em tendas com armação metálica, e às vezes são utilizados guarda-chuvas. Informações e depoimentos colhidos pela polícia afirmam que só traficantes autorizados pelo PCC podem vender nos “vagões”.

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Fluxo do tráfico na região da Cracolândia anexo a relatório de inteligência da Polícia Civil. Foto: Reprodução

Um traficante preso em janeiro deste ano, na quarta fase da Operação Caronte, afirmou em depoimento à Polícia Civil que “arrendava o espaço [uma barraca] para a venda das drogas pagando a quantia de R$ 250,00 por semana”. O pagamento garantia que ele não seria roubado ou agredido. Ele afirmou que comprava uma carga maior de crack no próprio “fluxo” a R$ 24 o grama e revendia a droga a R$ 35, mas não deu mais detalhes por “temer pela própria vida”. Uma mulher ouvida pela polícia em dezembro do ano passado falou em valores semelhantes. A depoente, que assumiu traficar crack no local, disse que “foi abordada por um […] membro do ‘comando’ [PCC], o qual passou a lhe fornecer crack para vender. Informa que costumava adquirir a droga por R$ 25,00 o grama, e vendia por R$ 35,00, ficando com a diferença, cerca de R$ 300,00 a cada 25 g vendida”. Segundo ela, a droga era deixada pelo membro do PCC no começo do dia e ela tinha que pagar um valor fixo a ele. Outros depoimentos também mencionam o pagamento fixo para comercializar drogas nos “vagões”. Outro depoente ouvido pela Polícia Civil diz que “todos os traficantes que têm ‘prato’ na Cracolândia pagam para o comando”. A referência ao “prato” deve-se ao fato de muitos traficantes usarem pratos para porcionar peças maiores de crack nas chamadas “pedras”, porções menores, destinadas ao consumo.

Segundo depoimentos colhidos pela Polícia Civil, o dinheiro devido ao PCC geralmente é pago aos “disciplinas”. A nomenclatura, comum em outros contextos relacionados à atuação da facção criminosa, refere-se aos membros responsáveis por fazer cumprir as determinações da organização (muitas vezes por meio de punições físicas e assassinatos) e solucionar conflitos entre traficantes, usuários e demais participantes do “fluxo”. “Quando um traficante fica devendo valores ao ‘comando’, é colocado no ‘prazo’. Ser colocado no ‘prazo’, é quando os ‘disciplinas’ concedem um prazo para o traficante pagar o que deve, caso contrário, será sentenciado muitas vezes com morte, braço ou pernas quebradas”, diz uma depoente apontada como traficante. Outro depoimento, que também confirma o pagamento regular aos “disciplinas” para que se realize o tráfico de drogas, indica que “os disciplinas, além de receberem o valor das mensalidades, são encarregados de resolver as pendências, realizando reuniões periódicas para tratar dos assuntos relacionados ao ‘código de ética’ da organização no interior de locais denominados ‘QGs’”. Os chamados “QGs” são hotéis localizados na região central de São Paulo onde há reuniões dos “disciplinas”, armazenamento do estoque diário de drogas e até episódios de ocultação de cadáveres, segundo a polícia.

Um relatório aponta que os “disciplinas” e outros membros do PCC utilizam-se de usuários de drogas em situação de rua para cumprir as mortes decretadas pela facção e cometer outros atos de violência. Foi o que ocorreu em 2020, segundo a polícia, com o ex-investigador da instituição Fernando de Paiva Assef, esfaqueado aos 45 anos na região da Cracolândia, e com o policial militar Daniel Alves de Lima, cujo corpo foi encontrado em uma carroça conduzida por quatro pessoas em situação de rua no viaduto Orlando Murgel.

Ouvidos pelas autoridades, os homens disseram que não sabiam que havia um corpo no veículo e que foram contratados para se livrar do conteúdo dele. A morte da pessoa em situação de rua Fábio Luiz de Almeida Júnior, conhecido como “Chocolate”, é outro episódio de violência atribuído pela Polícia Civil de São Paulo à ação de pessoas em situação de rua comandados por membros do tráfico, bem como os disparos sofridos por Reginaldo Silva Santos e Adriano Lopes Oliveira, dependentes químicos baleados durante uma operação em junho de 2021 na região, quando viaturas da GCM e da Polícia Militar (PM) foram alvejadas.

Outros papéis identificados pela Polícia Civil na estrutura do tráfico no “fluxo” são os “salveiros”, os “travessias” e os “barraqueiros”. Os primeiros são os responsáveis por dar a ordem para a movimentação do “fluxo”. Aos “travessias” cabe a função de transitar com celulares, dinheiro e drogas das barracas, ou durante a montagem dos “vagões”, para que os traficantes não andem com nada ilícito. Os “barraqueiros” são os responsáveis por montar e desmontar as barracas dos “vagões” de acordo com a necessidade do “fluxo”. A movimentação dos usuários da Cracolândia se dá quase sempre em decorrência das ações de limpeza da Prefeitura de São Paulo, que em geral ocorrem duas vezes por dia nas áreas onde o “fluxo” se concentra. Essas três funções, mais operacionais, são comumente desempenhadas por usuários de crack cooptados pelo crime organizado, que, segundo a Polícia Civil, são chamados de “lagartos”.

“Cracolândia era dominada pelo PCC a partir da favela do Moinho”, afirma delegado

“Nós vimos [na investigação] que a Cracolândia era dominada pela facção criminosa, pelo PCC. Eles estabeleceram um núcleo na favela do Moinho que comandava a Cracolândia”, afirma Roberto Monteiro Dias, delegado titular da 1ª Delegacia Seccional, responsável pela região central de São Paulo. “Fizemos apreensões expressivas aqui na seccional centro. Apreendemos 600 kg de cocaína que concluímos ser destinadas ao abastecimento da Cracolândia”, completa Monteiro Dias. Para sustentar essa tese, a polícia baseia-se também em algumas prisões feitas nos últimos meses.

Uma delas foi a prisão de Warlas da Silva Santos, em setembro do ano passado. Ele é tido pela Polícia Civil como o gerente noturno do tráfico na favela do Moinho, comunidade localizada sob o viaduto Orlando Murgel, entre dois ramais da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), local próximo às praças Júlio Prestes e Princesa Isabel, onde estava localizado o “fluxo” da Cracolândia antes das ações da Operação Caronte. Warlas terminou preso pela polícia no interior da favela do Moinho, após algumas tentativas frustradas de capturá-lo. Em uma delas, em maio do ano passado, a polícia apreendeu na casa dele um tijolo de aproximadamente 1,2 kg de maconha e cerca de R$ 14 mil em espécie. Warlas já foi denunciado pelo Ministério Público e está preso. No dia da prisão, em um imóvel em frente da sua casa, a polícia encontrou drogas e um vasto material para embalagem e distribuição. Relatórios de inteligência e depoimentos de policiais apontam que as drogas teriam, entre outros destinos, o “fluxo” da Cracolândia. Ouvido em juízo, Warlas negou as acusações imputadas a ele. A reportagem da Pública procurou a sua defesa por telefone, e-mail e WhatsApp. Uma lista de perguntas foi enviada à sua advogada, Fernanda Gabriele Souza, pelo e-mail que consta no processo e por WhatsApp. Ela confirmou o recebimento das perguntas, mas não respondeu aos questionamentos até a publicação.

Outra prisão que chegou a ser utilizada no discurso policial como evidência da ligação entre o tráfico na favela do Moinho e o “fluxo” da Cracolândia foi a de Leonardo Monteiro Moja, apelidado pela polícia de “Léo do Moinho”. Moja tem uma extensa ficha criminal. Foi preso em 2017, em um hotel no centro da cidade, em uma operação do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc), quando foi apontado pelos policiais como o “número dois” da hierarquia do tráfico na Cracolândia. Nesse processo, ele foi sentenciado em primeira instância a mais de oito anos de prisão. Em outro processo, foi condenado a mais de 16 anos por homicídio. Cumpriu pena até junho de 2021. Nesse mês, estava em progressão de pena na Penitenciária de Valparaíso (SP). Ganhou o direito a saídas temporárias, mas em uma delas deixou de retornar ao presídio. Acabou preso novamente em novembro do ano passado, em uma cobertura na Praia Grande, litoral sul de São Paulo, em uma grande operação policial que buscou foragidos da Justiça na Baixada Santista.

Moja foi citado em relatórios de inteligência da Polícia Civil como “o Comandante absoluto da ORCRIM [sigla policial para organização criminosa] da Comunidade do Moinho, tendo à sua disposição gerentes, transportadores, embaladores, olheiros, seguranças etc., além de dividir a liderança do tráfico na ‘Cracolândia’”. Nos relatórios, são mencionadas informações de inteligência que afirmavam que ele comparecia com frequência a reuniões com uma suposta cúpula do tráfico na favela do Moinho. Em juízo, porém, investigadores deram depoimentos contrários ao que constava nos relatórios de inteligência. Três policiais afirmaram que a investigação não conseguiu atrelar Moja aos fatos apurados na investigação da Operação Caronte. Em maio deste ano, o promotor Fernando Henrique Moraes de Araújo, do MPSP, pediu sua absolvição.

Ouvido em audiência, Moja negou as acusações, afirmou que “a acusação de que comanda o tráfico de drogas na Comunidade do Moinho é uma criação da mídia e da polícia civil” e negou manter qualquer contato com a favela do Moinho.

Procurado pela Pública, o advogado Rodrigo Antunes Benetti, que defende Moja em um processo relacionado à Operação Caronte, afirmou que “Leonardo Monteiro Moja não faz parte de qualquer organização criminosa”, conforme, segundo ele, documentação da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). “Não é a primeira vez que ele [Moja] é acusado de fatos ocorridos na região da ‘Cracolândia’ ou ‘Comunidade do Moinho’, sendo que nas outras oportunidades sempre foi demonstrada sua inocência”, completou Benetti. “Leonardo não é acusado por processos decorrentes da Operação Caronte. Ele está sendo processado sob a acusação de tráfico e associação para o tráfico em um único processo de 2022, ainda em andamento, onde, de fato, após toda a fase de investigação policial, instrução processual, diversas audiências, investigações, perícias e produção de provas, o Ministério Público se posicionou pela sua absolvição.” Moja está preso cumprindo pena por condenações anteriores.

Processos criminais mais antigos consultados pela reportagem já apontam esse vínculo logístico entre o tráfico da favela do Moinho e o “fluxo” da Cracolândia. Em um deles, um homem preso em 2020 com uma carga de 300 gramas de crack e uma balança de precisão admitiu ter buscado a droga no Moinho e disse que estava levando para venda no “fluxo” da Cracolândia.

“É necessário um trabalho de longo prazo”, avalia especialista em segurança pública

“A ação policial mais importante para diminuir o chamado ‘fluxo’ seria diminuir a quantidade de cocaína que entra lá [na cracolândia], mas pra isso você precisa ter investigação. Precisa ter equipe dedicada a isso, várias equipes”, afirma Guaracy Mingardi, analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Você tem que pegar quem está abastecendo [o “fluxo” da Cracolândia]. Isso nunca vai acabar, mas você torna mais difícil, mais caro [o custo do tráfico]. Para isso, você tem que ter bastante gente investigando. É um trabalho de longo prazo. É preciso produzir provas, ir atrás. Principalmente do abastecimento”, completa Mingardi.

Conforme apurou a Folha de S.Paulo, 64 dos 105 alvos da Operação Caronte até a publicação desta reportagem eram os chamados “lagartos”, usuários de drogas cooptados por membros do PCC. Nos processos consultados pela Pública, há um material probatório mais robusto produzido contra os traficantes menores, os donos dos “pratos”, que arrendam um local nos “vagões” para venda de drogas. Pesam contra estes imagens feitas por policiais infiltrados que flagram as ações de tráfico. Contra traficantes maiores, é mais comum a referência a informes de inteligência que vinculam determinados indivíduos ao tráfico, sem mais informações. Já estão ocorrendo absolvições de pessoas imputadas por tráfico em ações da Operação Caronte. Em um processo decorrente de uma ação policial de janeiro deste ano, a Justiça soltou nove de 14 pessoas imputadas por tráfico, conforme revelou o colunista do UOL Josmar Jozino. Quatro réus foram absolvidos por estarem portando pequenas quantidades e não haver provas suficientes, segundo a Justiça, para caracterizar o crime de tráfico.

*Reportagem originalmente publicada na Agência Pública

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Cresce pessimismo sobre encontrar Bruno e Dom vivos após localização de pertences https://canalmynews.com.br/brasil/cresce-pessimismo-sobre-encontrar-bruno-e-dom-vivos-apos-localizacao-de-pertences/ Tue, 14 Jun 2022 11:34:57 +0000 https://canalmynews.com.br/?p=29881 Buscas seguem após informação desmentida de localização dos corpos de Dom Phillips e Bruno Pereira; nesta segunda houve protesto de indígenas em Atalaia do Norte (AM).

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Após informação não confirmada divulgada na manhã desta segunda-feira, 13 de junho, sobre a localização dos corpos de Dom Phillips e Bruno Pereira, as buscas foram retomadas por indígenas, bombeiros e militares no mesmo ponto do rio Ituí em que foram encontrados, neste final de semana, pertences de Bruno e Dom.

pertences de bruno e dom

Buscas no leito do rio Ituí. Fotos: Avener Prado

Os indígenas empenhados nas buscas no leito do rio Ituí, a cerca de 40 km, ou uma hora e meia de barco do porto de Atalaia, pertencem a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) – que acionou os órgãos responsáveis pelas buscas – e lançou uma pesada sombra de pessimismo sobre as chances de localizar vivos Pereira e Phillips.

Além de uma mochila, um notebook e uma lona azul que, segundo os indígenas, é semelhante à utilizada por integrantes da Univaja, os indígenas também disseram ter encontrado um documento de um plano de saúde, utilizado por servidores públicos da União, em nome de Bruno Pereira.

Em nota, a Polícia Federal confirmou as informações e disse que encontrou um par de chinelos, um par de botas e um cartão do plano de saúde do indigenista, além de um par de botas e uma mochila do jornalista britânico.

Na tarde do domingo (12), a Agência Pública acompanhou parte das buscas realizadas pelos indígenas da Univaja a cerca de metade do percurso que deveria ter sido cumprido por Pereira e Phillips na manhã de domingo (6). O ponto no rio informado pelos indígenas fica abaixo das comunidades de São Rafael, na qual testemunhas já disseram à polícia que o barco da dupla passou pouco antes de desaparecer.

Os indígenas informaram sobre a localização dos possíveis pertences ainda no sábado (11) e o local foi isolado pela Polícia Federal e por militares. O Corpo de Bombeiros utilizou mergulhadores para recuperar os itens, que foram trazidos ao porto de Atalaia pela Polícia Federal no início da noite do domingo.

Em entrevista concedida na margem do rio Ituí junto ao local das buscas, o integrante da Univaja e indigenista Orlando Possuelo, filho do sertanista Sydney Possuelo, considerado um dos principais defensores dos povos indígenas no país, respondeu que não tem mais esperanças de reencontrar Bruno Pereira com vida.

Perguntado sobre a possibilidade de achar a dupla de desaparecidos com vida, Possuelo demonstrou pessimismo. “Não, não acredito nessa possibilidade. Os indígenas já falam, a gente já fala isso desde o domingo, a gente já não imaginava… Um cara experiente, acostumado a andar aqui, é um cara que era corajoso também por executar esse tipo de trabalho. A gente imaginava que se o pessoal o abordasse de alguma forma, ele ia tentar reagir de alguma forma”, disse Orlando.

O indigenista disse acreditar na hipótese de que Bruno tenha sido alvejado pelas costas, sem chance de defesa. “Eu acredito que foi uma covardia, por trás, acho que ele nem viu.  Na minha cabeça, foi dessa forma que aconteceu.”

Beto Marubo, uma das principais lideranças indígenas do Vale do Javari e também integrante da Univaja, disse, numa fala emocionada a diversos indígenas reunidos na sede da entidade em Atalaia na noite de sábado, que “o Bruno era um de nós”. “Ele e o Dom, que era outro amigo nosso. Nós chamamos o Dom para mostrar isso que vocês estão mostrando [denúncias de invasões dentro da Terra Indígena Vale do Javari].”

Marubo disse que “toneladas de caça e pesca são retirados de dentro da nossa terra”. Os indígenas estão organizando uma manifestação na manhã desta segunda-feira (13) na cidade de Atalaia.

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Indigenista Orlando Possuelo afirma que os desaparecimentos de Pereira e Dom têm relação com a pesca predatória na região. Fotos: Avener Prado

Nas buscas ao longo do rio Ituí, que começaram ainda na manhã do domingo, os indígenas organizados pela Univaja também apontaram aos órgãos responsáveis pelas buscas uma área de mato à beira do rio Ituí que teria sido amassada pela passagem de um barco nas mesmas dimensões da embarcação desaparecida. O Exército isolou esse primeiro local e a Polícia Federal realizou uma perícia.

Cerca de 20 indígenas participavam das buscas neste domingo. “O que estamos fazendo é vendo se tem alguma marca. Eles tinham encontrado lona, vestimentas. A gente acredita que vai encontrar, estamos em busca da embarcação, está nessa área, a gente está há vários dias aqui”, disse Orlando Possuelo.

O indígena Arlindo Kanamari estava na tarde deste domingo coordenando uma equipe de seis indígenas. Ele disse que seria necessário que o governo federal ampliasse as equipes de busca para ajudar o trabalho dos indígenas. Ao longo do rio Ituí, conforme a Agência Pública verificou neste domingo, barcos do governo, como da Marinha e do Exército, sobem e descem o leito do rio, mas não existe um trabalho coordenado de buscas do tipo pente-fino nas margens do rio.

“Era bom [mais gente do governo nas buscas]. A gente tem que ver se algum vestígio dele, ou da baleeira [um tipo de barco], que está perdida. Era bom, para ter mais apoio, fazer a busca a mais para a gente ter mais gente trabalhando.”

De acordo com o indigenista Orlando Possuelo, os desaparecimentos de Pereira e Dom têm relação com a pesca predatória na região. Muitos pescadores invadem os limites da Terra Indígena Vale do Javari para capturar e revender carne do peixe pirarucu, por exemplo.

“As ameaças incomodam a gente, mas a gente sabe que, trabalhando nessas áreas que envolvem algum tipo de ilícito, pesca ilegal, sempre esse pessoal fica incomodado quando você tenta organizar alguma coisa para inibir esse tipo de atividade e no caso do monitoramento feito pelos indígenas, a vigilância feita por eles dentro da terra deles. Isso acaba expondo a gente de alguma forma, apesar do trabalho ser executado pelos indígenas. Como a gente dá apoio, a gente vai sendo alvo. Na maioria das boas causas, a gente sempre acaba se expondo a algum risco. Eu tenho esperança com o que a gente já encontrou e que a gente espera que a gente encontre. E que os envolvidos sejam… paguem pelo que fizeram, que sejam condenados.”

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Em ato nesta segunda-feira, indígenas exigiram segurança e o fim das invasões. Foto: Avener Prado

No ato indígena, críticas ao governo Bolsonaro, ao abandono da Funai e aos governos locais

Já em ato nesta segunda-feira (13), indígenas do Vale do Javari exigiram segurança e o fim das invasões predatórias a seus territórios; as falas também registraram solidariedade às famílias de Dom Philips e Bruno Pereira.

A manifestação de hoje que homenageou os dois teve um forte tom político e cobrou segurança no território do Vale do Javari. Lideranças de todo o Vale criticaram o abandono da política de proteção ao território, o que os deixa à mercê dos invasores interessados nos recursos naturais e os expõe a situações de violência.

“Bruno foi um grande guerreiro, foi um homem que bateu no peito e falou: “eu vou defender vocês, eu vou permanecer”. Foi realmente o que aconteceu, ele lutou por nós. Nosso protesto é pra mostrar que nós não somos minoria e que nós vamos continuar essa luta protegendo o nosso território”, afirmou a liderança Koká Matis, chefe da Aldeia Paraíso, segundo a tradução feita da fala dela no idioma dos Matis por outra liderança em um palco no centro de Atalaia. Foi lá que a manifestação estacionou depois de sair da sede da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) nas primeiras horas da manhã.

As críticas ao governo Bolsonaro e ao abandono da política indigenista foi frequente na fala das lideranças que discursaram após a manifestação estacionar. “Aqui está o verdadeiro dono do Brasil, não as pessoas que invadiram as nossas terras pra depois nos violentar. Nós queremos é paz, não queremos violência. Chega de violência. Esse governo Bolsonaro é covarde. São pessoas que mandam matar. Nós não andamos invadindo a terra de ninguém. Chega de invadir a nossa terra! Chega de invadir a nossa terra! Isso é garantido na Constituição Federal. O Bruno se foi pela omissão do governo federal de não garantir a proteção e a fiscalização das terras indígenas. Esse é o governo homicida que mata todo dia brasileiro, índio, preto. Esse é o governo”, afirmou Dyanei da Aldeia Massapê, também segundo a tradução feita por outra liderança.

As notícias já desmentidas sobre a localização dos corpos de Dom Philips e Bruno Pereira eram refletidas no tom pessimista de algumas falas. Depois de se solidarizar com as famílias de Philips e Pereira, o cacique Américo Marubo falou na hipótese de que ambos tenham sido assassinados. “Eram pessoas que não vinham aqui pra fazer maldade com ninguém, mas infelizmente talvez alguém tenha assassinado essas pessoas”, disse. “Nós não estamos aqui para gerar conflitos. O Deus do povo Marubo não fez essa terra pra estar brigando, comercializando. Ele tá pedindo a paz para que a sociedade indígena que mora no território e dos que estão aqui, que não gerem conflito em função dessas circunstâncias, desse problema da invasão. Ele não gosta do governo porque é um governo que não pensa e não tem a mínima solidariedade com ninguém”, disse, também segundo a tradução realizada.

Ataques ao governo Bolsonaro, à Funai e seu presidente somaram-se a também a críticas aos governos locais pela falta de oportunidades de emprego à população não indígena local e pela falta de fiscalização e projetos voltados à pesca sustentável pelos ribeirinhos da região do Vale. Uma das hipóteses com que as autoridades trabalham é que o desaparecimento de Philips e Pereira esteja relacionado à pesca e caça ilegal na região.

Uma das falas mais duras foi feita pela liderança Silvana Marubo, líder das mulheres artesãs do povo Marubo, feita durante a coletiva de imprensa realizada na sede da Univaja. “Nós queremos falar às famílias do Bruno e do Dom que nós estamos sentindo a dor que eles estão sentindo. O Bruno foi nosso filho, foi nosso irmão. Eu sei o quanto elas estão sofrendo, o quanto estão desesperadas querendo notícia. Não foi uma, nem duas, nem três. Foi várias vezes que o Bruno recebeu ameaças, recebeu cartas com ameaças. Nós tivemos reuniões aqui nessa casa, chamamos o Ministério Público e ninguém fez nada! Nada!”, disse Silvana. “Agora o próprio presidente da Funai quer tirar o deles da reta dizendo que a CR [Coordenação Regional] do Vale do Javari está sendo protegida. Não está sendo protegida. A CR do Vale do Javari não é protegida pela Funai! É uma grande mentira! Eles nunca nem vieram aqui e não sabem o que os funcionários da Funai passam. Eles não tem armas, não tem como proteger quem tá lá dentro. Quem deveria proteger era a Polícia Federal, e ninguém fez nada! Hoje a mãe deles está chorando”, afirmou.

“Esse governo desde que entrou falou que não ia dar nem um centímetro de terra aos povos indígenas. Ele não foi um mentiroso. Ele falou a verdade. Ele é um covarde. Ele sabe que o índio depende da terra e hoje ele quer junto com um bando de fazendeiros, agronegócio, invadir terras e entrar onde tem a terra. Nós estamos aqui junto com nossos homens, no Brasil todo tem mulheres andando lado a lado com os homens. Enquanto vão matar um, vai nascer porque nós vamos dar fruto! Somos mulheres que geramos frutos. Vão querer matar e nós vamos estar parindo. Bolsonaro nós estamos lado a lado dos nossos parentes! Eu quero dizer pra mulher do Bruno e do Dom: nós estamos aqui, mulher, com vocês. Nós estamos chorando com vocês!”, concluiu Silvana Marubo.

*Reportagem originalmente publicada na Agência Pública

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