Arquivos Ciro Barros e Rubens Valente da Agência Pública - Canal MyNews – Jornalismo Independente https://canalmynews.com.br/post_autor/ciro-barros-e-rubens-valente-da-agencia-publica/ Nosso papel como veículo de jornalismo é ampliar o debate, dar contexto e informação de qualidade para você tomar sempre a melhor decisão. MyNews, jornalismo independente. Tue, 14 Jun 2022 15:47:22 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Maxciel Pereira dos Santos: A primeira vítima da Funai no Javari sob o governo Bolsonaro https://canalmynews.com.br/brasil/maxciel-pereira-dos-santos-primeira-vitima-no-javari-governo-bolsonaro/ Tue, 14 Jun 2022 15:47:22 +0000 https://canalmynews.com.br/?p=29980 Assassinato de indigenista Maxciel Pereira dos Santos, em setembro de 2019, segue impune; viúva disse que não recebeu informações sobre investigação por parte da Polícia Federal

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agência pública

O desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips abalou Maria*. Três anos atrás, ela e a filha estavam na moto de outro indigenista, seu marido Maxciel Pereira dos Santos, quando ele foi morto com dois tiros na nuca na Avenida da Amizade, a principal via pública de Tabatinga (AM). Ocorrido em setembro de 2019, o crime não foi esclarecido até hoje pela Polícia Federal do Amazonas.

O esforço das buscas pelos desaparecidos e a cobrança pública por justiça lhe trouxeram, além da tristeza, um questionamento inevitável. “Por que não fizeram o mesmo sobre o Max? Fiquei muito revoltada. Eu me coloco no lugar da família deles, mas por que deixar a gente de lado?”, perguntou em entrevista concedida à Agência Pública. Maria não é seu verdadeiro nome, ela pediu para não ser identificada dizendo querer evitar o assédio da cobertura jornalística.

Maxciel Pereira dos Santos

Viúva de Maxciel lamenta falta de mobilização diante do assassinato do marido. Foto: Arquivo Pessoal

Maria conta que conheceu Maxciel em 2015 em uma festa na cidade de Atalaia do Norte (AM). O ex-servidor da Funai assumiu a filha de Maria de outro relacionamento e os dois ficaram juntos até a morte de Max, como era conhecido. Quando ele morreu, o casal morava com a mãe dela e estava para se mudar para uma casa própria em Atalaia. Viviam do trabalho de Max, pois Maria, professora, tinha sido demitida e sua única renda vinha da venda de “Din Din” (também chamado de geladinho ou gelinho em outros cantos do país).

Ela lembra vividamente do dia em que o marido foi assassinado. Era 6 de setembro de 2019 e Max havia acabado de retornar da base de proteção da Funai no posto do Rio Curuçá. “Ele chegou por volta das 9 horas [da manhã]. Eu já estava pronta esperando, a gente pegou a baleeira e descemos o rio, fomos pra Tabatinga. Chegamos lá por volta da uma hora da tarde, fomos pra mãe dele. Saímos para comprar almoço e, quando a gente terminou de almoçar, fomos pra casa do irmão dele, onde a gente ficava hospedado. Ficamos lá descansando até às cinco e meia que foi quando eu senti fome e chamei ele pra ir jantar. Quando a gente saiu, foi coisa de dez minutos e aconteceu a tragédia”, relembra. A voz embarga na hora.

“Quando deram o primeiro tiro eu estava olhando pro outro lado da rua, eu achei que fosse um pneu de um carro que tivesse estourado. Quando eu olhei pro outro lado, eles já estavam emparelhados com a gente com a arma encostada na cabeça do Max. Eu vi a arma na minha frente, mas foi tudo muito rápido. Tão rápido que não deu pra ver se a pessoa tava de capacete, sem capacete. Só deu pra ver a arma apontada para a cabeça do meu marido. Depois dos tiros, a gente foi virando, caindo e já foi todo aquele desespero”, diz.

Maria conta que desde então vem vivendo um martírio. Entrou em depressão, ficou um período sem conseguir sair de casa nem para trabalhar. Para se sustentar, começou a fazer bolos para vender, um trabalho que, segundo ela, acabou sendo terapêutico e do qual sobrevive até hoje.

Maria pouco sabe das investigações sobre a morte de Maxciel, quase tão pouco quanto qualquer pessoa sem acesso às investigações. O indigenista morreu na sexta-feira e ela prestou depoimento na Polícia Federal no dia seguinte. Conta que foram apreendidos dois pen drives e o celular de Maxciel, mas desde então só ouviu falar novamente da investigação quando foi abordada por um agente da Polícia Federal no ano passado pedindo para que ela prestasse um novo depoimento. Ela diz ter confirmado a identidade do agente que a procurou, mas que não teve forças para prestar o depoimento e não foi mais procurada pela PF.

“Max era mais Funai que muito Funai por aí”, afirma ex-colega 

Maxciel foi servidor da Funai até o governo Temer, quando medidas administrativas o tornaram apenas um colaborador do órgão. “Ele era muito da equipe, muito do trabalho e a gente continuava pagando ele por diárias, como colaborador eventual. Uma categoria bem frágil, sem direito a nada. Max era mais Funai que muito Funai por aí, não poderia ter sido mandado embora daquele jeito, por uma canetada do Temer e continuou atuando pela Frente de Proteção”, disse à Pública um servidor do órgão que foi colega de Max por cerca de um ano, e pediu anonimato.

As fontes ligadas à Funai ouvidas pela Pública descrevem Maxciel como um servidor rígido, “duro” no serviço. Ex-militar, havia servido à Aeronáutica antes de trabalhar no órgão indigenista. Chegou a ser cotado para coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental por influência, inclusive, de Bruno Pereira, o indigenista desaparecido, de quem era muito próximo. Durante anos, atuou como Chefe do Serviço de Gestão Ambiental na Frente de Proteção, o setor responsável pela parte mais operacional das ações de fiscalização.

Maxciel Pereira dos Santos

Amigo de Bruno, Max era considerado “duro” em ações de fiscalização. Foto: Arquivo Pessoal

“Ele era odiado pelos pescadores do Rio Ituí, do Curuçá, fez ações nessa terra indígena todinha. Era um cara bem conhecido na região. Deu muito prejuízo para os pescadores ilegais”, diz outro servidor, também ouvido sob anonimato. Max era famoso por andar sempre com um fardamento da Funai, uma roupa em tons terrosos que lembra uniformes de forças policiais ou das Forças Armadas.

A mesma fonte conta que um pescador da região, que frequentemente pescava em área indígena, chegou a fazer um boletim de ocorrência contra ele por conta de uma ação de fiscalização. “Ele tava muito injuriado na base uma vez comigo que ele tinha recebido uma intimação”, relata. O pescador alegou que Max teria sido duro no trato com o pai dele. Consultadas pela Pública, nenhuma das fontes atribuiu episódio de agressão física a Maxciel.

Perguntado se a morte do indigenista estaria relacionada a essas ações de fiscalização, Almério Alves Vadique, o “Kel”, integrante do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), ex-servidor da Funai, e a amigo de Max é taxativo: “Com certeza. Porque já tinham falado na rua aqui que iam matar ele”, relata.  A irritação dos pescadores com Maxciel, e mesmo com Bruno Pereira deve-se, em parte, à destruição de equipamentos em áreas protegidas, uma reclamação comum de infratores ambientais contra servidores da área socioambiental.  A viúva de Max também acredita na relação entre sua morte e o trabalho de fiscalização e cita um episódio específico. “Uma vez a gente estava comendo em um restaurante em Benjamin [Constant, município vizinho a Atalaia do Norte]. Ele virou pra mim e disse: ‘Nega, bora sair daqui porque aquele cara ali tá me olhando’”, relembra Maria. O “cara”, segundo ela, seria um dos alvos de uma ação de fiscalização realizada por Maxciel.

Uma dessas operações, coordenada pela Polícia Federal, chegou a ser relacionada diretamente com o assassinato por fontes próximas ao indigenista. Max morreu três dias antes de ela ser realizada, mas ele havia participado de todo o planejamento das ações junto com Bruno Pereira. Trata-se da Operação Korubo, focada no combate ao garimpo ilegal no rio Jutaí entre os dias 9 e 13 de setembro de 2019, quando 60 agentes da PF, Funai e Ibama afundaram dezenas de balsas. A operação teve participação decisiva de Pereira.

“Bruno foi quem articulou a Operação Korubo, foi o principal responsável. Foi a operação mais bem sucedida da Polícia Federal de combate ao garimpo. A gente utilizou uma metodologia nova, de satélite, a gente não fez o sobrevoo como em outras operações, chegamos com força total porque já estava mais ou menos plotado pelo Bruno”, afirmou um delegado ligado à operação que não quis se identificar.

Apesar das datas próximas entre a ação da PF e o assassinato de Maxciel, “Kel” não acredita que esse possa ter sido o estopim de sua morte. “Essa operação não foi na área indígena aqui no Vale do Javari, foi em outra área”, diz o ex-servidor.

Greve na Funai

Ontem, os servidores da Funai aprovaram “estado de greve por 24 horas”, exigindo uma retratação do presidente do órgão, Marcelo Augusto Xavier da Silva, que acusou Bruno Pereira e Dom Phillips, desaparecidos desde domingo (5) de entrarem em área indígena sem autorização. Os servidores também reivindicam o envio de forças de segurança para as bases de proteção do Vale do Javari e para as sedes das coordenadorias regionais da Funai.

Em Atalaia do Norte, Max foi lembrado em diversas falas dos indígenas no ato desta segunda-feira. “O presidente da Funai quer tirar o dele da reta, dizendo que a CR [Coordenadoria Regional] do Vale do Javari está sendo protegida. Não está sendo protegida!”, bradou Silvana Marubo, líder das mulheres artesãs do povo Marubo durante a coletiva dos indígenas na sede da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari). “Se tivesse sendo protegida não teria acontecido o que aconteceu com Maxciel e depois agora com o Bruno”, disse.

 

No último dia 10 de junho, uma nota da Uniind (União Independente de Indigenistas de Grupos Isolados e de Recente Contato) também lembrou o caso de Maxciel. “Todas as equipes das FPE’s [Frentes de Proteção Etnoambiental] atuam visando coibir ilícitos na Amazônia Legal e proteger o direito constitucional de isolamento voluntário dos últimos grupos que assim decidiram permanecer”, diz o documento. “No Javari, somente na última década, aconteceram diversos ataques à base e aos servidores em retaliação a apreensões e fiscalizações, inclusive resultando na morte do Maxciel dos Santos em 2019, crime que nunca teve solução”, continua.

O documento cita outros casos de conflitos envolvendo indigenistas que trabalhavam em contato com grupos isolados ou de recente contato. Um dos casos citados é o de José Milamar da Silva, conhecido como “Valdez”, que trabalhava com os Yanomami Ye’Kwana em Roraima. O corpo de Valdez foi encontrado carbonizado em seu carro no município de Bonfim (RR).

“Tanto a vivência profissional quanto pessoal dos trabalhadores desses locais acabam por se misturar, diante do fato dos servidores atuarem e residirem na mesma localidade dos infratores apreendidos que, devido a questões jurídicas, acabam por serem libertados rapidamente, ainda que detidos em flagrante delito. Portanto, é comum os servidores se depararem com invasores ou seus associados em padarias, supermercados e afins”, diz o documento.

A Uniind reivindica, entre outros quinze pontos, a atribuição de poder de polícia aos servidores das FPEs, a renovação e ampliação dos quadros nestas unidades e a reestruturação nas bases das FPEs. Segundo a entidade, há uma defasagem de 90% no quantitativo de indigenistas da Funai dedicados ao trabalho com grupos indígenas isolados ou de recente contato.

Procurada pela reportagem, a PF do Amazonas não retornou aos pedidos de informação da reportagem sobre o inquérito que apura a morte do indigenista. Os funcionários da Funai ouvidos pela reportagem também disseram não ter informações sobre os trabalhos policiais. O processo corre na Justiça sob sigilo.

O especial Vale do Javari — terra de conflitos e crime organizado é uma série de reportagens da Agência Pública com apoio do Amazon Rainforest Journalism Fund (Amazon RJF) em parceria com o Pulitzer Center

*Reportagem originalmente publicada na Agência Pública

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Suspeito de desaparecimento de jornalista e indigenista denuncia tortura https://canalmynews.com.br/brasil/suspeito-de-desaparecimento-de-jornalista-e-indigenista-denuncia-tortura/ Fri, 10 Jun 2022 19:46:50 +0000 https://canalmynews.com.br/?p=29677 Documento obtido pela Pública revela que “Pelado” relatou a peritos da Polícia Civil do Amazonas ter sofrido espancamento e sessões de asfixia por parte dos PMs.

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agência pública

Amarildo da Costa Oliveira, apelidado de “Pelado”, suspeito de envolvimento no desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, disse ter sido torturado pela Polícia Militar do Amazonas em depoimento prestado a peritos da Polícia Civil do estado. As agressões teriam ocorrido durante sua prisão em flagrante, na última terça-feira, 7 de junho, por posse de munição restrita e permitida, segundo a polícia civil. Sua prisão preventiva foi decretada ontem, 9 de junho, pelo Tribunal de Justiça do Amazonas, durante a audiência de custódia depois de a polícia revelar ter encontrado sangue na lancha dele. Não se sabe a origem do sangue que ainda será periciado.

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Amarildo da Costa Oliveira, apelidado de “Pelado”. Foto: Reprodução TV Globo

Em um laudo que consta do auto de prisão de Amarildo, obtido pela Agência Pública (o processo está sob sigilo), respondendo a quesitos, os peritos médicos da Comarca de Atalaia do Norte da Polícia Civil do Amazonas relatam que: 1) quanto “às ofensas à integridade corporal do paciente: “lesões nas munhecas, lesões leves”; 2) sobre o instrumento que produziu a ofensa: “segundo o paciente, pisaram nas pernas, edema leve”; 3) se a ofensa foi produzida por “meio insidioso ou cruel”: “paciente refere que colocaram sacola em sua cabeça”, “asfixia”. Por fim, sobre se “a ofensa resultou em risco de vida”, os peritos respondem: “não apresenta evidência, só relato do paciente que desmaiou”.

Nos depoimentos de dois PMs que fizeram a prisão, que também constam do auto de prisão, as lesões apontadas no laudo também são citadas mas, segundo os policiais ouvidos, ele já estava com hematomas quando foi detido e teria machucado as pernas ao desembarcar machucado da lancha. Segundo seu então advogado, Ronaldo Caldas, que o acompanhou na prisão, Amarildo lhe disse que os PMs o teriam levado, já preso, para a lancha deles e depois conduzido a um “furo”, onde teriam ocorrido as sessões de tortura. “Colocaram saco em sua cabeça o asfixiando”, afirmou Caldas. O advogado também disse que Amarildo relatou ter desmaiado três vezes, acordando quando os policiais jogavam água em sua cabeça. “[Amarildo] Chegou aqui molhado ainda”, afirmou o advogado por meio de mensagem. Caldas falou à Pública antes de deixar a defesa de Amarildo, depois que a imprensa revelou que ele também é procurador do município de Atalaia do Norte.

laudo pericial amarildo

Laudo anexo ao auto de prisão de Amarildo. Foto: Reprodução

Os depoimentos dos PMs e de “Pelado”

Em seu depoimento ao delegado da Polícia Civil de Atalaia do Norte, Alex Perez, que consta do auto da prisão obtido pela reportagem, o sargento Massicley Araujo Freitas, relata as circunstâncias da detenção  de “Pelado”. Segundo ele, abordados pela polícia, “ribeirinhos, que não quiseram se identificar” disseram que cerca de 10 minutos depois de Bruno e Dom passarem de barco, haviam visto “Pelado” passar em frente da comunidade, “no mesmo sentido da lancha de Bruno Pereira”.

Informada do paradeiro de “Pelado”, a “equipe policial se deslocou até o lugar indicado, encontrando o referido cidadão na comunidade de São Gabriel”. Feitas as buscas na casa dele foram encontrados 16 chumbinhos, um cartucho deflagrado de calibre 16; 01 munição de uso restrito de calibre 762.39; 01 porção de substância de cor branca. Então, “foi realizada a condução de Amarildo da Costa de Oliveira, vulgo “Pelado”, para 50a DIP para as providências cabíveis.

Em seguida o sargento detalha: QUE o flagranteado já apresentava os hematomas no nariz e no ombro esquerdo no momento de sua detenção no referido local, QUE foi foi feito o uso de algemas conforme súmula vinculante número 11, e que ao desembarcar da lancha o mesmo veio a escorregar e machucou suas pernas (…)”.

O mesmo enredo, com a mesma referência aos machucados, foi repetido no depoimento do cabo que participou da prisão.

Na oitiva ao delegado, “Pelado”, além de negar envolvimento e conhecimento sobre o desaparecimento de Bruno e Dom, também reclamou de maus tratos. Segundo a transcrição de seu depoimento, ele se queixou “da truculência desde sua residência até a Delegacia” e pediu ao delegado que fosse feito um exame de corpo delito.

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas informou que foi criada uma força tarefa, com todos os órgãos envolvidos na operação, para localizar os dois desaparecidos, na qual o porta-voz oficial é a Polícia Federal. A reportagem perguntou a PF se foi realizado o exame de corpo de delito em Amarildo, se a conduta dos policiais que efetuaram a prisão será investigada a partir do relato oficial do suspeito e quais outras medidas serão adotadas para esclarecer os fatos narrados no depoimento. Até a publicação desta reportagem, não houve resposta do órgão.

Vizinhos falaram à Pública sobre Amarildo 

Agência Pública esteve na manhã desta sexta-feira (10) no endereço indicado por Amarildo da Costa de Oliveira como sua segunda moradia — a primeira foi a comunidade de São Gabriel. É uma casa de madeira no final de uma rua de asfalto esburacado e sem esgotamento sanitário no bairro de Cidade Nova, a cerca de 5 minutos de mototáxi do centro de Benjamin Constant (AM), à margem do rio Javari.

Um morador e comerciante da rua, que pediu para não ter o nome publicado, contou que Oliveira era conhecido como pescador e caçador. Ele costumava vender carne de animais silvestres e peixe para os vizinhos como “um modo de sobrevivência”, disse o comerciante. Transportava a carne numa “carroça”, como é chamada na região uma pequena carreta puxada por motocicleta. Vendia pacu, anta, paca, sardinha, porco-do-mato. Quando ele voltava das caçadas, disse o vizinho, os moradores ficavam sabendo pela passagem da “carroça” na rua e se dirigiam à casa dele para comprar o material.

Nas caçadas, disse o vizinho, Oliveira usava espingarda e armadilhas com pólvora e chumbo que são montadas na mata e acionadas pela passagem do animal. O vizinho disse que não esperava a prisão e que não acredita que Oliveira tenha cometido crime contra Bruno Pereira e Dom Phillips porque “era pacato, tranquilo”. Disse que Oliveira tinha uma espingarda, mas não a exibia na rua ou em bares. Disse ainda que nunca viu Oliveira com um fuzil — a polícia disse ter apreendido com ele uma munição de fuzil.

Agência Pública ouviu de outros moradores que é comum na cidade a venda, inclusive em barracas instaladas a céu aberto em determinados pontos, de animais silvestres abatidos na região. Essa cena parece ter sumido nos últimos dias devido à presença de policiamento nos rios à procura dos desaparecidos.

Na casa indicada por Oliveira moram o pai, Otávio Oliveira dos Santos, e a madrasta, que disse se chamar Saíra. Ela afirmou que seu marido viajou há dois dias para Atalaia do Norte — que fica a cerca de 40 minutos de carro de Benjamin Constant — a fim de acompanhar a situação do filho preso. Segundo Saíra, ela não consegue contato telefônico com o marido porque a telefonia na região está muito ruim. Ela disse que está casada há oito anos com Otávio e indicou a vizinha ao lado, que se identificou como Maria, como uma “comadre” que poderia falar mais sobre Oliveira.

Maria disse que ficou surpresa com a notícia da prisão e que conhece Oliveira há 10 anos como sua vizinha mais próxima. “A gente não acredita, parece um sonho, um pesadelo”, disse Maria. Ela afirmou não ter nenhuma informação sobre Oliveira ter sofrido violência policial porque só sabe “o que está saindo no jornal” das emissoras de televisão.

Ontem, o Jornal O Globo noticiou que uma testemunha considerada chave na investigação teria afirmado que o suspeito seria conhecido por ser “muito perigoso” e havia prometido “acertar contas” e “trocar tiros” com Bruno Pereira. Além disso, a testemunha teria dito que viu Amarildo carregar uma espingarda e fazer um cinto de munições e cartuchos pouco depois que o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips deixaram a comunidade São Rafael com destino à Atalaia do Norte, na manhã do último domingo.

Hoje, segundo noticiou o G1 Amazonas, as buscas pelo indigenista Bruno Pereira e pelo jornalista britânico Dom Phillips passaram a se concentrar em uma área abaixo da “Comunidade Cachoeira”, em Atalaia do Norte. Voluntários disseram às equipes de busca que encontraram sinais de escavação às margens do Rio Itacoaí, local onde Bruno Pereira e Dom Philips foram vistos navegando.

*Reportagem originalmente publicada na Agência Pública

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