Arquivos Clara Marinho - Canal MyNews – Jornalismo Independente https://canalmynews.com.br/post_autor/clara-marinho/ Nosso papel como veículo de jornalismo é ampliar o debate, dar contexto e informação de qualidade para você tomar sempre a melhor decisão. MyNews, jornalismo independente. Thu, 09 Jan 2025 20:16:55 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 O paradoxo da economia brasileira: céu de brigadeiro ou tempestade tropical? https://canalmynews.com.br/outras-vozes/paradoxo-economia-brasil-ceu-de-brigadeiro-ou-tempestade-tropical/ Thu, 09 Jan 2025 18:23:40 +0000 https://localhost:8000/?p=49969 Brasil se recusa a se comparar com países vizinhos, ou com o mesmo padrão de desenvolvimento, e supervaloriza os próprios problemas

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Imaginem que uma mulher estrangeira veio passar suas férias no verão do Brasil, para conhecer a família e os amigos de seu namorado. Com eles, ela tem conhecido parques nacionais, museus e experimentado pratos típicos, além de aprender português “brasileiro”. Por isso, na estadia, criou o hábito de assistir aos jornais para se inteirar dos temas do país e conversar com os locais. Por curiosidade, acabou acompanhando o jornalismo econômico.

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Em um jornal, viu que o Brasil terminava o ano de 2024 com alta no PIB e redução histórica no desemprego, surpreendendo analistas. E que o Natal teve alta de vendas, refletindo o crescimento econômico.

Em outro, viu que o governo estava no rumo certo. Restabeleceu os programas sociais, a valorização do salário-mínimo e realizou uma das maiores reformas econômicas com pleno funcionamento das instituições democráticas, a reforma tributária.

Depois, nossa ilustre visitante assistiu em um programa de debates que o governo estava em descontrole fiscal. Em 2024, a despesa seria maior que a receita, de modo que não haveria cumprimento da meta de déficit primário zero, mesmo com o ajuste fiscal anunciado. Se mantida a expansão fiscal, haveria aumento da inflação e dos juros, comprometendo o crescimento econômico futuro. O mercado mostrava sua desconfiança, provocando aumento impressionante da cotação do dólar em reais.

A gringa ficou intrigada. O país parece muito bem, mas vai mal? Como assim?

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Com o namorado, entendeu que o Brasil pouco se compara com outros países – vizinhos ou com o mesmo padrão de desenvolvimento. Ilhado, supervaloriza os próprios problemas.

Com a família do namorado, aprendeu que os brasileiros valorizam muito as festas. Assim, se tem dinheiro sobrando, tem presente para todo mundo, ceia de Natal e Ano Novo fartas, mais picanha e cerveja boa no churrasco.

Papeando com os amigos do namorado, nossa visitante ouviu todo tipo de coisa. Primeiro, que o governo havia feito uma grande expansão fiscal e que era hora de puxar o freio. Depois, que o governo anterior jogou dinheiro pela janela e não foi criticado na mesma medida. Em seguida, escutou que o mau humor já tem mais de década no Brasil e mesmo quando tudo está bem, parece que vai mal.

Dos economistas, ouviu que a reforma tributária foi desidratada e dos advogados, que o governo cedeu de menos no assunto. Dos assistentes sociais, ouviu que o ajuste fiscal anunciado buscou punir justamente a população mais pobre, que recebe o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Dos sindicalistas, recebeu queixas sobre a restrição de acesso ao abono salarial. Mas também elogios, pois o ajuste fiscal vem acompanhado da isenção do imposto sobre a renda para a classe média. Já os colegas do mercado falaram que faltou diálogo do governo com eles sobre o mesmo ajuste, que inclui a taxação da renda dos mais ricos.

De quem trabalha no governo, a estrangeira escutou relatos de que, sem a redução do ritmo de crescimento da despesa, o arcabouço fiscal não se sustenta. Por isso, várias pequenas reformas acontecerão nos próximos anos em variadas áreas de políticas públicas.

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Finalmente, ela ficou bastante impressionada com as discussões sobre resultado primário e endividamento. Notou que além do rigor exigido pelo mercado com o cumprimento de metas anuais – e não plurianuais –, o déficit primário e a dívida pública como percentual do PIB no Brasil estão razoáveis em relação aos números mais recentes da OCDE. Lá, poucos países têm feito superávit primário e, na média, têm dívida como proporção do PIB não muito diferentes do que ocorre no país.

No Brasil é céu de brigadeiro com tempestade tropical, concluía a gringa. Tudo muito bom e muito ruim ao mesmo tempo agora, com poucos inteiramente satisfeitos. E tal como nossa personagem, há muitos brasileiros pensando o quanto o país vai verdadeiramente bem, dados os contrastes entre os grandes números, os fatos e as narrativas que os acompanham, mais a vida cotidiana.

O que dá para afirmar é que presentes de Natal, picanha na mesa e cerveja gelada não têm sido suficientes para tirar certa confusão do ar e espalhar a sensação de que o futuro será melhor. E que, em escala mais ampla, embora haja dinamismo no mercado de trabalho e a economia esteja crescendo com melhora da situação fiscal, frações do mercado e da centro-esquerda têm amplificado a vocalização de suas insatisfações, pressionando por novas medidas – ora de arrocho, ora de aperfeiçoamento e expansão das políticas públicas.

A situação ilustra o grande desafio equilibrista do governo para 2025: combinar o ajuste da política econômica com o ajuste de desenho e efetividade das demais políticas públicas, imprimindo-lhes uma narrativa de sucesso popular. Ao fim do ano, a percepção do quanto a situação melhorou e para quem – ou não – será decisiva para a disputa eleitoral de 2026.

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Assista abaixo ao Segunda Chamada de quarta-feira (8):

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A Reforma do Estado no Brasil e nos EUA https://canalmynews.com.br/outras-vozes/uma-agenda-alem-do-ajuste-fiscal-a-reforma-do-estado-no-brasil-e-nos-eua/ Wed, 11 Dec 2024 14:26:34 +0000 https://localhost:8000/?p=49247 Mudança foi anunciada pelo governo americano após a vitória de Donald Trump; implementação da medida impõe desafios e, por aqui, não seria diferente

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Entre os anos de 1980 e 1990, uma onda de reformas neoliberais varreu o mundo, reduzindo o tamanho do Estado, suas despesas e a forma de entregar bens e serviços aos cidadãos. As mudanças incluíram privatizações, contratualização e descentralização de serviços, flexibilização nas contratações e reformas nos sistemas de previdência e saúde.

No Brasil, a reconfiguração da administração pública incluiu vários destes aspectos. Entre eles: a redução do número de empresas públicas; a gestão de serviços públicos – como postos de saúde e hospitais – por organizações sociais privadas; a concessão de serviços como telefonia, energia elétrica, metrô e manutenção de estradas; a criação de agências reguladoras; e o advento de distintas formas de contratação da força de trabalho no setor público.

Nem tudo foi bem recebido: movimentos sociais e políticos protestaram, denunciando o baixo preço de venda das estatais, a má qualidade dos serviços das concessionárias, as demissões e o aumento da pobreza e da desigualdade. Isso levou ao ajuste das medidas, incorporando transparência,  participação social, equidade e revisão de padrões de atendimento. No Brasil, por exemplo, a transferência condicionada de renda –  Bolsa Família –, só possui tamanha efetividade porque, ao invés da manutenção do seu caráter residual, foi fortalecida e ampliada, associando-o aos sistemas de assistência social, saúde e educação, e à granularidade da rede bancária da Caixa Econômica Federal.

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Corta para 2024. Não sabemos se será onda ou marola, mas após a vitória de Donald Trump, foi anunciada uma reforma do Estado a ser liderada pelo DOGE (Departamento de Eficiência Governamental). Em parceria com a área de planejamento e orçamento, sua missão será diminuir o tamanho do governo federal americano. Os dirigentes serão Elon Musk, o homem mais rico do mundo, e Vivek Ramaswamy, empresário e ex-candidato a presidente pelo Partido Republicano. Eles anunciaram três frentes de reforma: desregulamentações, enxugamento da máquina e redução de custos, em artigo do Wall Street Journal do último dia 21.

Considerando que variadas regras e regulações associadas ao gasto público são feitas por burocratas que se veem como indemissíveis, e que isso é antidemocrático e antiético na medida em que não são feitas pelo presidente ou seus indicados, os dirigentes prometem desfazê-las.

Para tanto, afirmam que o DOGE apresentará uma lista de regulamentos que podem ser revistos e extintos com apenas uma assinatura de Trump. Menos regulação, afirmam, estimulará a economia americana.

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Com isso, Musk e Ramaswamy também esperam reduzir em massa o número de servidores na burocracia federal, restringindo-os ao mínimo necessário por órgão. Ademais disso, sustentam que o presidente poderá implementar regras para conter o crescimento da administração, promovendo demissões em massa – inclusive daqueles que querem permanecer no home-office, considerado um privilégio da era Covid – e realocando agências fora de Washington.

Por fim, os dirigentes querem cortar gastos federais que consideram não autorizados pelo Congresso, avaliados em cerca de US$ 500 bilhões anuais, e enfrentar os contratos e compras públicas ineficientes, por meio de auditorias.

Conforme os dirigentes, o DOGE funcionará por pouco mais de um ano – até o aniversário de 250 anos dos Estados Unidos, amparado pela vitória de Trump e pela maioria na Suprema Corte.

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Há afirmações aqui que parecem como um filme que já assistimos outras vezes. Primeiro, há a desmoralização consciente da burocracia, força de trabalho profissional do Estado democrático de direito. Segundo, há um desconhecimento quanto ao funcionamento do setor público que impressiona.

Os regulamentos infralegais são dispositivos que ajudam a garantir que o Estado funcione de maneira previsível para todos. Isso significa que elas não podem ser desfeitas de repente, sem informar o que acontecerá depois. Caso contrário, além de emergir um ambiente caótico, pipocam processos judiciais.

Apesar da ansiedade para cortar a folha de pagamentos, é essencial contar com a burocracia para que as coisas funcionam, e não o contrário. Evidente que se pode diminuir o número de servidores na gestão pública, mas isso é muito mais um processo do que uma decisão abrupta. Também há certa incompreensão sobre a dinâmica orçamentária: não há gasto do Poder Executivo sem autorização do Poder Legislativo.

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Finalmente, quanto à ineficiência dos contratos e compras, há razoabilidade em enfrentá-la. Mas é sempre bom ter em mente que, além de uma auditoria de custos não ficar pronta de um dia para o outro, existem diferenças nos contratos e compras. Há preços que são tarifas; há mercadorias e serviços intercambiáveis, como alimentação; e há trocas muito mais difíceis em determinados setores, como nas áreas de infraestrutura e defesa. A redução de gastos, portanto, pode não só demorar a aparecer como ser mais modesta.

Dito isso, não há cavalo de pau no setor público e ele não é a mesma coisa que o setor privado. É improvável que o DOGE consiga implementar sua agenda ambiciosa em pouco mais de um ano. Além da temporalidade, é difícil que não haja resistências de cidadãos, empresas, políticos e do Poder Judiciário. Por fim, os ajustes poderão causar fricções no mercado de trabalho e na atividade econômica, criando tensões sociais importantes. Por outro lado, esses aspectos não significam que seus formuladores não os enfrentarão, dado o imenso capital político que possuem.

Mas se tudo isso acontece lá fora, por que não minimizar as propostas do DOGE por aqui? Primeiro, porque no Brasil há quem copie políticas públicas de outros contextos acriticamente, como se a origem garantisse selos de qualidade e economia de recursos. Segundo, porque ainda não existe uma reforma do Estado pactuada pelo campo democrático no país. Embora diagnósticos estejam disponíveis e algumas medidas implementadas – especialmente na área de compras –, é necessário avançar em sua organicidade, especialmente em relação ao serviço público e às regulações. Por último – e complementando o primeiro ponto –, porque as propostas anunciadas compõem a reforma do Estado da extrema direita e já estão disponíveis para implementação e difusão, concorde-se com elas ou não.

Saiba por que a questão do orçamento público precisa cair na boca do povo para ter solução:

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Orçamento sensível a gênero: já ouviu falar? https://canalmynews.com.br/outras-vozes/orcamento-sensivel-a-genero-ja-ouviu-falar/ Fri, 08 Nov 2024 18:16:12 +0000 https://localhost:8000/?p=48357 Modelo surgido nos anos 1980, na Austrália, reconheceu o orçamento como ferramenta de enfrentamento às desigualdades entre homens e mulheres

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Escolha qualquer livro didático sobre orçamento e procure termos como equidade ou igualdade: provavelmente você terá dificuldades de encontrar nas primeiras páginas, pois esses assuntos são ignorados nas teorias orçamentárias. Normalmente, a equidade é vista como um resultado dos gastos sociais ou do crescimento econômico. A boa notícia é que ainda nos anos 1980, na Austrália, surgiu o Orçamento Sensível a Gênero (OSG), reconhecendo o orçamento como uma ferramenta para promover mudanças sociais e enfrentar as desigualdades entre homens e mulheres.

A experiência australiana introduziu três inovações: tratou as desigualdades de gênero como prioridade governamental, destinou recursos para esse objetivo e integrou a igualdade de gênero nas políticas públicas. Depois da 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher, em 1995, vários países passaram a se inspirar na Austrália para construir seus próprios OSGs. Em 2016, segundo o FMI, mais de 80 países no mundo já haviam adotado esse tipo de orçamento.

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No âmbito da OCDE, há um diagnóstico de que, apesar do comprometimento dos países em ampliar a igualdade entre homens e mulheres na educação, no emprego, no empreendedorismo e na vida pública, as desigualdades de gênero aumentaram depois da pandemia. Por isso, o OSG tem sido utilizado como uma ferramenta para enfrentar esse desafio. Mas não apenas na chave de um problema: a promoção da igualdade de gênero pela via do orçamento tem sido encarada como uma forma de aumentar o crescimento, a produtividade, a competitividade e a sustentabilidade das economias.

A implementação do OSG pode ser realizada por meio de várias práticas, conforme a OCDE. Primeiro, é necessário desenvolver uma estratégia nacional de igualdade de gênero, onde os ministérios apresentam propostas orçamentárias que promovam a equidade, detalhando seu impacto nas desigualdades entre homens e mulheres. Em segundo lugar, é essencial garantir que o OSG perdure além dos ciclos políticos, através de lideranças comprometidas, legislação adequada e coleta de evidências.

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O terceiro passo envolve a incorporação do OSG na estrutura do orçamento e nas reformas orçamentárias sob a liderança da principal autoridade competente, avaliando onde há maior capacidade para avanços (orçamento por desempenho, avaliação ou revisão de despesas). Se necessário, pode-se iniciar um projeto piloto.

Em quarto lugar, deve-se integrar as ferramentas de OSG ao ciclo orçamentário. Isso inclui utilizar informações de gênero para evidenciar em quem os recursos serão investidos e qual será o impacto dessas decisões alocativas. Também é necessário visibilizar ações orçamentárias que buscam alterar as desigualdades de gênero (etiquetagem de gasto), incluir uma declaração sobre o impacto distributivo no orçamento enviado ao Legislativo (statement) e verificar se as despesas alcançam os resultados esperados.

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O quinto ponto destaca a importância de sustentar o OSG com dados desagregados (gênero, raça, renda, deficiência etc.) que permitam análises interseccionais sobre quem e em que condições utiliza os serviços públicos, possibilitando a renovação das políticas públicas. Em sexto lugar, é crucial garantir treinamento e suporte à implementação do OSG nos ministérios, além de sensibilizar de ministros, a alta burocracia, os controladores e a sociedade civil. Por fim, o OSG pode reforçar a transparência e a responsabilização, permitindo que parlamentares, auditores e cidadãos entendam os impactos do orçamento na igualdade de gênero, favorecendo decisões mais informadas.

E o Brasil, onde se encaixa nisso? Surpreendentemente, a ideia de OSG no país veio da sociedade civil. De 2005 a 2013, o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) contabilizou o gasto com mulheres, divulgando os dados pelo SIGA Brasil do Senado. Mais recentemente, inspirada pelo OSG, a Bancada Feminina tem garantido desde a LDO 2021, que o Executivo publique um relatório anual sobre gastos para melhorar as condições de vida mulheres, “A Mulher no Orçamento”, já em sua terceira edição.

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O último relatório informa que o gasto exclusivo com mulheres ainda é pequeno – R$ 183 milhões em 2023 – e, mesmo com um gasto não exclusivo de R$ 202,4 bilhões, não há uma estratégia de OSG implementada. Isto é, as políticas só para as mulheres não são uma prioridade orçamentária, nem há uma reestruturação em curso das políticas públicas de diferentes Ministérios que promova a igualdade de gênero, refletida no gasto.

Tudo isso importa porque a vida das mulheres é dura e a desigualdade se perpetua diariamente. Quando chega um filho, o negócio próprio não rende ou ocorre demissão. Quando pai ou mãe adoece, é a filha que marca e acompanha a consulta. No trabalho ou negócio, elas ganham menos que os homens e enfrentam assédio moral e sexual. Contrariar um parceiro pode resultar em violência ou feminicídio. Quando uma mulher propõe uma ação de democratização da tomada de decisão, é preciso um forte apoio coletivo de outras mulheres, senão ela não será aprovada.

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Quando se fala em democratizar a classe política com mais mulheres, a resistência é forte. Mobilizar o orçamento público para melhorar a vida das mulheres tem a ver com o enfrentamento desse cotidiano, enxergando as mulheres na chave da potência, utilizando ferramentas que já estão em execução em outros lugares do mundo.

Com o envelhecimento da sociedade brasileira no horizonte, mais a intensificação das mudanças climáticas, é essencial incorporar ferramentas que mirem a redução das desigualdades entre homens e mulheres pela via do orçamento. No ajuste das contas públicas, inclusive, o OSG pode servir à identificação de políticas públicas sobrepostas e com resultados ruins, contribuindo para ampliar a efetividade do gasto.

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É por isso que é tão importante aproveitar a Agenda Transversal de Mulheres e a Nova Lei de Finanças Públicas como vias de incorporação do OSG no Brasil. Do contrário, em breve, mesmo em períodos de crescimento econômico, veremos mulheres escolarizadas sobrecarregadas com o cuidado dos mais velhos, segurando os escombros dos eventos climáticos extremos.

Com baixos salários e ameaçadas pela violência, elas encontrarão dificuldade para ocupar espaços nas empresas, na burocracia e na classe política para expressar suas necessidades – o que não é exatamente tão diferente do que já acontece hoje. Ocorre que em política pública, só é possível alcançar resultados diferentes com novos passos. Estamos prontos para o início de uma nova caminhada?

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Revisão de gastos e potencial de criação de espaço fiscal https://canalmynews.com.br/politica/revisao-de-gastos-e-seu-potencial-de-criacao-de-espaco-fiscal/ Tue, 01 Oct 2024 14:35:14 +0000 https://localhost:8000/?p=47227 Longe de ser uma ação emergencial, espera-se que o processo regular de análise propicie ganhos de longo prazo às políticas públicas e ao orçamento

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A revisão de gastos refere-se ao processo regular de análise e avaliação de gastos públicos com o objetivo de identificar áreas em que é possível ampliar a eficiência alocativa e priorizar gastos estratégicos. Sua relevância ampliou-se no pós-crise de 2008, com a consolidação fiscal dos países centrais. A revisão de gastos não se confunde com cortes no orçamento anual: longe de ser uma ação emergencial, o que se espera é que ela propicie ganhos de longo prazo às políticas públicas e aos resultados fiscais. Também não há uma metodologia única de revisão de gastos, porque ela depende da institucionalidade e do processo orçamentário de cada país. O que não quer dizer que não seja possível apontar quais são as suas melhores práticas.

Na OCDE, instituição que reúne os países mais ricos do mundo, documento recente destaca boas práticas de revisão de gastos adotadas por seus membros, a saber: (1) estabelecer objetivos claros e escopo bem definido; (2) assegurar viabilidade e sustentabilidade com apoio da alta liderança e da expertise de servidores públicos; (3) estabelecer a governança com papéis e responsabilidades claras na alta liderança (Ministério de Finanças, Ministérios de linha e Gabinete), grupos diretivos e grupos de trabalho; (4) integrar ao processo orçamentário; (5) atribuir e implementar recomendações de forma transparente, com monitoramento; (6) garantir transparência dos relatórios de revisão de gastos, bem como todos os aspectos que lhe dão suporte; e (7) atualizar a estrutura de revisão de gastos para enfrentar os desafios em constante mudança.

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Embora o Brasil não tenha acompanhado a primeira onda internacional de revisão de gastos, sua implementação a partir de 2023 tem permitido a observância destes aspectos para construção da sua própria institucionalidade.

Em primeiro lugar, o Congresso aprovou uma mudança na Constituição em 2021, seguida de uma mudança na Lei de Responsabilidade Fiscal em 2023 – proposta no bojo do Regime Fiscal Sustentável –, em que coloca ao Poder Executivo a responsabilidade de apresentar no Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) as estimativas de impacto fiscal das recomendações de mudanças resultantes das avaliações de políticas públicas.

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Também em 2023, o Poder Executivo, por meio do Ministério do Planejamento e Orçamento, criou áreas responsáveis pelo assunto na Secretaria de Orçamento Federal e na Secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos. Definido o grupo de trabalho responsável destas duas secretarias, foi elaborada sua primeira proposta de governança. Na sequência, um grupo mais amplo foi criado, com participação do Tesouro Nacional, quando os temas passíveis de revisão foram levantados e analisados. Validadas as propostas nas instâncias relativas ao processo orçamentário regular, das quais a principal é a Junta de Execução Orçamentária, chegou-se a duas políticas públicas a serem revisadas: os benefícios previdenciários geridos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro).

Como informa o Projeto da LDO de 2025 (PLDO) 2025, as escolhas devem-se ao caráter obrigatório destas despesas e sua contribuição à limitação do poder de agenda do Executivo, na medida em que comprimem o espaço da despesa discricionária. No caso dos benefícios do INSS, estima-se uma economia anual de cerca de R$ 7 bilhões por ano em 4 anos, totalizando uma economia de R$ 28,6 bilhões. São as ações de gestão para alcance deste resultado: (1) simplificação do processo de concessão do auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença); (2) prevenção de fraudes; e (3) cobrança de benefícios indevidos. Na Mensagem Presidencial que acompanha o PLOA 2025, anunciou-se também (4) a reavaliação de benefícios por incapacidade; e (5) ações de qualificação do monitoramento e reavaliação do Benefício de Prestação Continuada (BPC).

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Quanto ao Proagro, programa que garante o pagamento de financiamentos rurais em caso de perdas na lavoura por conta do clima ou de pragas, estima-se uma economia anual de R$ 2 bilhões, perfazendo uma economia total de R$ 8,7 bilhões em 4 anos. As linhas de atuação para alcance do resultado são: (1) melhoria da focalização do Programa; (2) limitação do uso de recursos públicos em áreas de risco elevadas; e (3) criação de um teto para pagamento de garantia de renda mínima. No PLOA 2025, acrescentou-se à lista (4) a definição de novas alíquotas que reflitam melhor o risco das operações, afirmando-se também que todas elas já foram implementadas por resoluções do Conselho Monetário Nacional (CNM).

O PLDO também sinaliza outras frentes de revisão de gastos. Primeiro, o seguro defeso – cuja revisão já está em execução, conforme Mensagem do PLOA. Segundo, os benefícios fiscais – tributários, financeiros e creditícios, os quais consomem cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB). Terceiro, revisões de eficiência e estratégicas de políticas públicas – sem especificação, diga-se, sobre quais áreas setoriais serão objeto deste esforço. Os prazos de apresentação de estimativas de economia não foram apresentados, mas a julgar por declarações públicas já feitas, as estimativas plurianuais de economia devem ser apresentadas no PLDO 2026.

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Exposto o esforço governamental, diria que pelo menos dois aperfeiçoamentos ao processo de implementação são importantes, visando ampliar sua confiabilidade. O primeiro é ser ainda mais específico na comunicação pública sobre a revisão de gastos. Revisar para repriorizar em que, por exemplo? O recurso economizado ficará inteiramente à disposição dos setoriais como recompensa ao seu esforço institucional ou será alocado nas prioridades do PPA 2024-2027? Se sim, qual será atendida primeiro e em que proporção?

O segundo é publicizar amplamente os grupos de trabalho, seus papéis, os processos, as metodologias e os relatórios da revisão de gastos, visando ampliar o controle social sobre o processo. Se o mercado está interessado nos seus números por ocasião da sustentabilidade fiscal, por exemplo, movimentos sociais também estão – mas em outro registro: tanto a rodada atual de revisão de gastos, como as novas frentes em organização sugerem a reestruturação de benefícios sociais para trabalhadores.

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Por fim, há um ponto crucial na revisão de gastos fora do alcance do Poder Executivo: a relativa ausência do Poder Legislativo e suas principais lideranças na discussão. Isso existisse, a lista de políticas públicas para a revisão de gastos seria outra. A questão dos benefícios fiscais e seus impactos no crescimento econômico, na geração de empregos e inovações, por exemplo, já poderia estar na mesa com opções de economia. Afinal, parece bastante razoável aplicar ao setor privado métricas de resultado pelo uso recursos públicos.

Se o Poder Legislativo permanecer ausente da revisão de gastos, corremos alguns riscos. Primeiro, não revisar o que é preciso ser revisado. Segundo, não aprovar as mudanças legais necessárias para implementar as melhorias daquilo que foi revisado. Terceiro, usar o espaço fiscal criado para ações dispersas e pouco estruturantes, em vez de ser direcionado para as prioridades do Poder Executivo, as quais refletem a vontade nacional expressa nas urnas.

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A maximização de eficiência do gasto não está dada ou acontece no vazio. Há escolhas sobre quem paga a conta primeiro e em que extensão, e onde os recursos são realocados, que dependem das elites políticas e burocráticas em interação com a sociedade civil. O compromisso do Poder Executivo com o ajuste é evidente, apesar das necessidades de ajuste na comunicação e na transparência. E o envolvimento genuíno do Congresso na agenda é fundamental, visando garantir a consistência e o alinhamento da revisão de gastos com a política fiscal. Do contrário, o impacto fiscal das propostas será limitado, condicionado a aperfeiçoamentos de responsabilidade exclusiva do Planalto.

Por fim, dedico este texto a três mulheres do Ministério do Planejamento e Orçamento na estruturação da revisão de gastos, cujas contribuições têm passado desapercebidas, mas têm sido fundamentais para o avanço da agenda: Elaine Xavier, Subsecretária de Temas Transversais; Mirela Carvalho, ex-Secretária Adjunta de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos; e Rebeca Regatieri, Subsecretária de Revisão do Gasto Público.

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Emendas parlamentares no Brasil: da jabuticaba à urgência de uma reforma orçamentária https://canalmynews.com.br/outras-vozes/emendas-parlamentares-no-brasil-da-jabuticaba-a-urgencia-de-uma-reforma-orcamentaria/ Thu, 05 Sep 2024 18:32:23 +0000 https://localhost:8000/?p=46433 Assunto voltou à tona depois que Dino suspendeu as emendas impositivas feitas por parlamentares até a criação de regras de transparência e eficiência

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“Deputados usam seus cargos para direcionar verbas do orçamento para as suas próprias regiões”. Essa poderia ser uma manchete vinculada ao escândalo dos anões do orçamento em 1993 ou da execução de emendas parlamentares em 2024, embora os eventos estejam separados por cerca de trinta anos. Apesar do longo intervalo de tempo, há uma percepção coletiva de que depois de algumas voltas, paramos no mesmo lugar. Para quem está preocupado com a qualidade do gasto e com a modernização do orçamento, a pergunta que emerge é: por quê?

A resposta imediata é que há um notável enfraquecimento do Poder Executivo em alocar recursos discricionários vis-à-vis o fortalecimento do Poder Legislativo desde 2015, expresso pelo avanço das emendas parlamentares de forma pouco transparente e fragmentada.

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Nas últimas semanas, o assunto tem ocupado espaço nos jornais por conta de recente decisão do ministro Flávio Dino, confirmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em 16 de agosto. Em síntese, Dino suspendeu as emendas impositivas feitas por parlamentares até a criação de regras de transparência e eficiência na liberação desses recursos, exceto para obras em andamento ou ações de emergência. Basicamente, a decisão afirma que o dever de executar as emendas não é absoluto. É preciso, assim, que o Poder Executivo avalie o mérito das emendas. E que quaisquer que sejam suas modalidades, elas devem ter plano de trabalho, ser transparentes e rastreáveis, além de compatíveis com o plano plurianual (PPA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), incluindo as metas fiscais.

Não há nada nesta decisão estranho a dispositivos legais associados ao orçamento, às tecnologias de informação que temos à disposição e ao conhecimento científico que temos produzido a respeito. Ocorre que esse repertório não tem sido mobilizado pelo Poder Legislativo. Assim, pouco se sabe o que tem sido feito com os recursos das “emendas pix” — o que exatamente elas têm financiado —, para além da dispersão/concentração dos recursos das emendas de bancada e de comissão — que poderiam estruturar projetos mais robustos. Tampouco se reflete sobre a vinculação das emendas à Receita Corrente Líquida, considerando sua proporção em relação ao total das despesas discricionárias. Aliás, é o que justamente se quer endereçar, conforme nota conjunta da reunião entre ministros do STF, Câmara, Senado e Executivo sobre as emendas, publicada em 20 de agosto.

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Note-se que a decisão de Dino faz referência a diferentes trabalhos feitos sobre o processo orçamentário por Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper. Em comunicação recente sobre pesquisa em curso à Folha de São Paulo, este autor, junto com Hélio Tollini, pondera que o Brasil apresenta práticas de emendas ao orçamento que destoam e muito daquelas feitas no âmbito da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo de países com alto nível de desenvolvimento. Seja pelo volume de recursos mobilizados, seja pela impositividade, eles afirmam que não há paralelo com o caso brasileiro. Isto é – digo eu –, estamos diante de uma jabuticaba orçamentária.

O avanço do Poder Legislativo sobre a alocação de recursos públicos é uma parte importante do problema, mas não a única. Com muita energia voltada para este ponto de tensão, a gestão orçamentária do Poder Executivo Federal tem sido fortemente marcada pelo incrementalismo: acuada pelo conflito entre Poderes e vinculada a uma operacionalidade complexa, criou-se pouco espaço institucional para mudanças segundo uma perspectiva de ampliação da eficiência e efetividade do gasto, visando melhorar o desempenho do orçamento.

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Contrariando este cenário, o Ministério do Planejamento e Orçamento apresentou em 2023 a agenda “Orçamento por Desempenho 2.0”, conjunto integrado de modernização do instrumento ancorada nas melhores práticas internacionais – sem tocar na questão das emendas, por óbvio.

São os pilares da agenda: (1) orçamentação de médio prazo, ampliando a visão da alocação orçamentária e suas consequências para bases plurianuais; (2) revisão de gastos, visando criar espaço fiscal para novas iniciativas governamentais a partir da reestruturação daquelas com problemas alocativos; (3) orçamentação por desempenho, visando fortalecer o vínculo entre dispêndio e entregas à sociedade; (4) transversalidade, buscando avançar na articulação de políticas complexas pela via da despesa (meio ambiente, mulheres, igualdade racial, povos indígenas e crianças e adolescentes); e (5) revisar a lei de finanças públicas, de 1964, ainda em vigor.

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A despeito do caráter promissor do “Orçamento por Desempenho 2.0”, o último capítulo da disputa pelo controle da decisão alocativa vincula-se à exoneração inesperada do Secretário de Orçamento Federal (SOF). No bojo do processo de elaboração da lei orçamentária de 2025, a Câmara dos Deputados encaminhou ofícios ao Ministério do Planejamento e Orçamento solicitando o retorno de seu servidor público à casa de origem.

Quaisquer que sejam os motivos imediatos da saída do SOF, o fato é que ela parece adiar a agenda da reforma orçamentária do país. Para ficarmos em um exemplo, temos a Amazônia, mas ainda estamos nos primeiros passos de um green budgeting, orçamentação por desempenho para a preservação do meio ambiente e atenção às mudanças climáticas.

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Em outras palavras: estamos caminhando para quase uma década de mudanças orçamentárias intensas, ancorada em disputas pelo comando da alocação de recursos sem vínculos imediatos com novos instrumentos de gestão. Sua manutenção tem criado obstáculos políticos à eficiência alocativa e à inovação na gestão orçamentária, reduzindo o impacto positivo do gasto direto na melhoria das condições de vida das pessoas e da economia.

A questão é: até quando? Espero que possamos abrir uma janela política para a reforma orçamentária, envolvendo mais especialistas e a sociedade civil no debate. De maneira diferente de 1993, quando tudo foi impulsionado por um escândalo.

STF tem maioria para manter decisão de Flávio Dino sobre emendas:

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Congresso avança sobre a decisão de recursos orçamentários https://canalmynews.com.br/outras-vozes/congresso-avanca-sobre-a-decisao-de-recursos-orcamentarios/ Thu, 01 Aug 2024 17:34:01 +0000 https://localhost:8000/?p=45549 Parlamentares têm bilhões de recursos à disposição para a execução de emendas parlamentares, papel tradicionalmente reservado ao Poder Executivo

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O orçamento federal pode ser definido como lei anual que estima as receitas e fixa as despesas da União. Possui quatro fases em que Poder Executivo e Legislativo se alternam: elaboração, aprovação, execução e controle. Nesse sentido, é uma peça técnica, que viabiliza a administração cotidiana e os planos de governo; e uma peça política, na medida em que é discutida e avaliada por agentes políticos eleitos pelo voto. Em formulação complementar, o orçamento pode ser definido como uma instituição que estrutura a implementação de políticas públicas, sendo um vetor ou veto de seus objetivos programados. Finalmente, o orçamento pode ser definido como síntese do conflito distributivo, na medida em que as decisões sobre a alocação de recursos limitados se relacionam às condições de vida de diferentes grupos sociais e de rentabilidade dos setores econômicos.

Nos últimos anos, o orçamento público tem sido palco privilegiado do conflito distributivo na sociedade brasileira. Entre as dimensões de sua expressão está o duplo movimento de engessamento e fragmentação da despesa discricionária – a despesa que o gestor decide quando e como executar – pela via das emendas parlamentares. Em outras palavras, o Poder Legislativo tem avançado sobre a decisão de como alocar recursos orçamentários, papel tradicionalmente reservado ao Poder Executivo.

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Existem três tipos de emendas alocativas à disposição do Congresso Nacional: as emendas individuais, de bancada e de comissão. As emendas individuais são propostas por cada senador ou deputado e têm caráter impositivo, isto é, são de execução obrigatória conforme a Constituição. Em 2015, poderiam totalizar até 1,2% da Receita Corrente Líquida (RCL). Desde 2022, podem totalizar 2% da RCL. Dos recursos, 50% são obrigatoriamente alocados na saúde. Em 2019, foram criadas as transferências especiais, mecanismo de repasse direto e sem finalidade definida das emendas individuais a Estados, Distrito Federal e Municípios. Em 2024, a dotação das emendas individuais é de pouco mais de R$ 25 bilhões.

As emendas de bancada dos Estados e Distrito Federal são de autoria coletiva destas, endereçando matérias de seu interesse. Impositivas desde 2019, são limitadas a 1% da RCL. Em 2024, sua dotação é de R$ 8,5 bilhões.

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Já as emendas de comissão são propostas pelas comissões permanentes de cada casa do Congresso e de sua comissão mista. Neste ano, sua dotação é de R$ 15,5 bilhões. Os parlamentares têm buscado concretizar a impositividade para as emendas de comissão por meio da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), emulando o movimento que levou à constitucionalização das emendas individuais e de comissão. Juntas, as emendas parlamentares alcançaram valor tão expressivo no orçamento que hoje há bancadas com mais recursos à disposição do que 14 ministros de Estado, conforme evidenciou recentemente o jornal Valor Econômico.

Também devem ser mencionadas as emendas do relator-geral do Orçamento. Conceitualmente, elas têm a finalidade de corrigir erros, recompor verbas cortadas e seguir as recomendações de pareceres preliminares de análise do projeto de lei orçamentária. O Congresso ampliou o poder alocativo do relator em 2020, sem identificar os parlamentares originalmente proponentes de novas despesas públicas, nem seus beneficiários – movimento que ficou conhecido como “Orçamento Secreto“. Em 2022, as emendas de relator movimentaram cerca de R$ 7,5 bilhões de reais em valores atualizados. No fim deste mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a iniciativa inconstitucional.

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Entre os argumentos mobilizados na legitimação das emendas, encontram-se os históricos contingenciamentos e cortes feitos pelo Poder Executivo desarticulados dos interesses parlamentares, mais o conhecimento dos congressistas das realidades de onde vêm. Por outro lado, há que se ponderar que a organização setorial do Poder Executivo é o que garante seu profundo conhecimento sobre as políticas públicas e seus beneficiários, bem como a atenção aos seus resultados e ao enfrentamento das desigualdades (sociais, econômicas, regionais etc). Simplificando o argumento, um Poder tem estado mais atento às árvores, enquanto outro, à floresta.

O avanço do Congresso sobre a alocação de recursos discricionários tem ensejado a produção de estudos na academia. Aqui destaco dois. Alexandre Baião, Cláudio Couto e Vanessa Elias, em artigo científico publicado em 2019, ao avaliarem a qualidade do gasto das emendas individuais, demonstraram que as localidades com maior carência de recursos na saúde são justamente aquelas que recebem menor montante. Já Rodrigo Faria, em estudo mais amplo sobre o processo orçamentário, chegou à conclusão em sua tese defendida em 2023 que a impositividade das emendas, estabelecidas em resposta à autonomia de sua liberação pelo Poder Executivo, restringiram a capacidade de qualquer governo em alinhar interesses e implementar sua agenda pela via da despesa discricionária.

A crescente influência do Legislativo na decisão alocativa, que hoje alcança 20% do total da despesa discricionária – cerca de R$ 49,2 bilhões – parece nos conduzir a um orçamento mais fragmentado. Se de um lado, essa disputa está articulada ao atendimento de demandas locais, de outro, é preciso assegurar que essas alocações estejam ancoradas no planejamento público, na efetividade de políticas públicas, na eficiência do gasto e no equilíbrio federativo. A pergunta que se coloca é: o quanto elas estão?

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