Arquivos Gabriel Toueg - Canal MyNews – Jornalismo Independente https://canalmynews.com.br/post_autor/gabriel-toueg/ Nosso papel como veículo de jornalismo é ampliar o debate, dar contexto e informação de qualidade para você tomar sempre a melhor decisão. MyNews, jornalismo independente. Wed, 20 Jan 2021 14:11:26 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Só reformas podem salvar Brasil de desindustrialização, apontam especialistas https://canalmynews.com.br/economia/so-reformas-podem-salvar-brasil-de-desindustrializacao-apontam-especialistas/ Wed, 20 Jan 2021 14:11:26 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/so-reformas-podem-salvar-brasil-de-desindustrializacao-apontam-especialistas/ Caso da saída da Ford alerta para necessidade de melhorar o ambiente de negócios e de investimentos em inovação no país

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Na última semana, a Ford anunciou o fechamento de todas as suas fábricas no Brasil, decisão que coloca fim a uma história centenária, desde que foi a primeira montadora a se instalar no país, em 1919, no centro de São Paulo. Embora as opiniões de especialistas se dividam sobre qual nome dar ao fenômeno, do qual a Ford é apenas um exemplo, há um consenso universal: a necessidade de promover reformas urgentes e de criar um ambiente de negócios de confiança, investindo em inovação. De outra forma, afirmam, o caminho será o da desindustrialização e de perda de relevância do Brasil no cenário internacional.

A Ford está bem longe de ser a única empresa a decidir pelo desembarque de terras brasileiras. De fato, um levantamento da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) realizado pelo Estadão/Broadcast e publicado no jornal O Estado de S. Paulo no último fim de semana mostra que, entre 2015 e 2020, 36,6 mil unidades fabris foram fechadas no país, o equivalente a cerca de 17 por dia.

Só no ano passado, foram 5,5 mil fábricas a menos. Além da montadora estadunidense, a alemã Mercedes-Benz (que tinha uma unidade em Iracemápolis/SP) e as japonesas Sony (Manaus/AM) e Mitutoyo (Suzano/SP) também fizeram anúncios parecidos nos últimos anos. A suíça Roche divulgou planos de deixar de fabricar medicamentos em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, até 2024, para “concentrar esforços em produtos inovadores de alta complexidade e baixo volume de produção”.

Fábrica da Ford, em Camaçari (BA), uma das unidades fechadas com a saída da montadora do Brasil
Fábrica da Ford, em Camaçari (BA), uma das unidades fechadas com a saída da montadora do Brasil.
(Foto: Divulgação/Ford)

Desindustrialização à vista?

Para o economista Emerson Marçal, coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada da FGV/EESP (Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), não há dúvidas em afirmar: o Brasil está num mau momento. “Não tem como negar isso”. Ele atribui o fato a uma “sequência de choques muito negativos”, que começa com a recessão dos anos Dilma (2011-2016), segue pelo governo de Michel Temer (2016-2018) e se acentua com a pandemia na gestão de Bolsonaro. “Tudo isso levou a um desequilíbrio que já existia, mas tornou as contas do governo insustentáveis, atrapalhando a economia”, afirma o especialista.

Marçal reconhece que o fechamento das fábricas da montadora estadunidense é um sinal de pessimismo com o Brasil, mas não se atreve a chamar isso de “desindustrialização”. “No caso da Ford e do setor automotivo, é mais sério porque além da macroeconomia brasileira desorganizada, o setor é um exemplo de quase tudo que não deveria ser feito”, diz. E lista a proteção “exagerada” dessa indústria, que ao longo de pelo menos 50 anos não foi exposta à concorrência internacional, forrada por uma série de incentivos e vantagens. “Tudo foi tentado, como política de Estado, um governo atrás do outro”, critica.

Quem compartilha da visão de Marçal é a diretora-executiva do MBC (Movimento Brasil Competitivo), Tatiana Ribeiro. Para ela, estamos ainda em um momento anterior à desindustrialização, com um déficit em relação à competitividade. Tatiana diz que é necessário avançar em uma série de medidas para tornar o ambiente de negócios mais atrativo. “Temos diversos desafios estruturais que oneram a produção local no país. Sabemos que o ambiente de negócios prejudica a capacidade de atrair e reter investimento externo”, diz.

Criado em 2001, no fim do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o MBC reúne lideranças empresariais e públicas para trabalhar ao lado de governos na direção de promover a realização de reformas estruturais.

Setor automobilístico: sem competitividade

O resultado de tantos benefícios, na leitura de Marçal, é um setor automotivo extremamente não competitivo. “E quando isso acontece e as contas não fecham, é natural a empresa decidir ir embora”.

Para ele, o que choca é que a Ford estava no país há muito tempo. “Mas a produção de automóveis hoje no Brasil tem ociosidade de quase 50%. Alguém vai ter de fechar fábricas, afinal a venda de carros não vai duplicar do dia pra noite”, conclui. Isso é ainda mais certo em um quadro de pandemia, em que boa parte das pessoas sequer sai de casa, e num cenário maior, em que os jovens estão abrindo mão de ter um carro na garagem se podem optar por usar um aplicativo de transporte, por exemplo, mais prático e econômico.

“A questão estrutural em relação ao contexto internacional pesa”, diz a economista Leila Pellegrino, que coordena o curso de Administração do Mackenzie Campinas. “Vemos cada vez mais elementos definidores de competitividade, como a robotização, que já não passam mais por aqueles elementos que atraíam as empresas para o Brasil, como era o caso de mão de obra barata ou de subsídios”, diz. Ela vê preocupação nesse cenário. “Não é só um setor que perde dinamismo, mas toda uma economia que fica fora desse circuito de revolução do capitalismo internacional”. Para a especialista, o Brasil não está ficando para trás sozinho. O fenômeno é observado de forma geral na América Latina.

“Hoje há uma série de preocupações socioambientais, de sustentabilidade na estrutura produtiva”, diz. Leila destaca ainda a mudança no perfil do comprador. “O novo consumidor, que nasce com essa transformação, revisa seus padrões, diferentes daqueles de 20 anos atrás, não tem mais o deslumbramento com alguns bens de consumo e quer saber do processo por trás deles”. Ela aponta o fato de que o Brasil está de fora da “relação com a inovação”, que inclui um “mundo muito mais digital”, automação, Inteligência Artificial, robotização, entre outros aspectos.

Leila também aposta em reformas, mas vê com pessimismo a possibilidade de que saiam num curto prazo, como até o fim do atual governo. “É preciso ter mais vontade de fazer uma reforma consistente, que leve em conta como estamos nos reconstruindo”, diz. E completa: “O ano de 2020 foi desafiador para todas as economias do mundo, a grande questão para 2021 e os próximos anos é como a gente sai dessa. Este ano poderia ser uma oportunidade para construir um ambiente em outras bases, mas ainda estamos muito tímidos, incipientes, limitados na visão de uma reconstrução”.

O gerente-executivo de Economia da CNI, Renato da Fonseca, aposta no otimismo: “Obviamente, quanto mais próximo chegarmos de 2022, mais difícil vai ficar. Mas o governo Bolsonaro tem essa vontade. Há alguma dificuldade em entender o que o governo, o Congresso etc, cada um quer, mas há vontade”, diz. “Temos no Congresso 10 projetos de infraestrutura que estão caminhando, estão sendo aprovados”.

Com relação à principal das reformas, a tributária, Luis Carlos dos Santos, diretor de tax da Mazars, é direto: “Ouvimos falar, mas ela nunca sai do plano”. Para ele, os projetos que estão no Congresso já se tornaram obsoletos. “Reformas parciais, que não mudam a estrutura do sistema tributário, não servem”.

Queda da indústria no PIB

Assim como os fechamentos de fábricas não são casos isolados, não é específica do Brasil a queda da participação da fatia da indústria de transformação no PIB – hoje estimada em 11,2%, o mais baixo índice desde o início da série histórica da CNC, em 1946.

De fato, o fenômeno é considerado normal nas economias, com o setor de serviços ganhando peso na estrutura produtiva enquanto os países se desenvolvem. O problema é que no caso brasileiro isso vem atrelado a um ambiente ruim para a indústria.

É o que a consultora econômica Zeina Latif chama de desindustrialização pela “má razão”. “Já ocorre no mundo uma tendência natural de redução da indústria no PIB”, diz. Ela explica que o que vemos não é mais a manufatura tradicional, mas produtos de alta tecnologia, de inovação. “Até pela sofisticação do tipo de produtos que consumimos, a participação da indústria no PIB vai se reduzindo”, afirma.

“A despeito de todos os incentivos, o que percebemos no Brasil é um encolhimento da indústria no PIB pela má razão”, critica Zeina, apontando a perda de competitividade e a baixa produtividade no país como fatores que levam a isso.

‘Custo Brasil’ e a mordida no PIB

E se existe consenso sobre a necessidade de reformas, ele aparece também na forma de um termo já antigo, mas que sempre se sobressai quando se fala em indústria no país: o “Custo Brasil”.

A expressão foi cunhada em 1995, um ano depois do lançamento do Plano Real, porque já naquela época atrapalhava o ambiente de negócios no país. Tem já 26 anos, mas nunca deixou de ser relevante. Se refere a uma série de entraves que aparecem na forma de crateras lunares na longa rodovia que leva até o crescimento do país.

Uma estimativa feita em novembro de 2019 pelo Movimento Brasil Competitivo em parceria com o Ministério da Economia mensura o tamanho do rombo: R$ 1,5 trilhão, drenados das empresas instaladas no território nacional em função de problemas estruturais, burocráticos, trabalhistas e econômicos.

“Passados tantos anos, pouco ou quase nada mudou no cenário do Custo Brasil”, dizia a entidade em 2020 depois de um seminário sobre o tema. Na ocasião, o empresário Jorge Gerdau, integrante do MBC, declarou: “Do cidadão comum ao setor produtivo, todos sofrem as consequências de um sistema tributário complexo, de excesso de burocracia, de elevado custo do crédito, de enormes gargalos logísticos e de uma insegurança jurídica que não estimula os investidores”. E lembrava que, em quase 20 anos, o cenário fazia com que “o Brasil ocupasse posições incômodas nos principais rankings internacionais de competitividade”.

Em 2017, o Banco Mundial posicionou o país na 123ª posição entre 190 nações do Doing Business Ranking, lista em que as classifica pela “facilidade em se fazer negócios”.

A mordida do Custo Brasil equivale a 20,5% do PIB. E se faz presente de forma especial sobre a indústria. “É o setor que mais sente seus efeitos: carga tributária mais elevada, dificuldade de recuperar crédito, insegurança jurídica etc.”, diz Zeina. E ela aponta a direção para desviar da buraqueira: em vez de as empresas terem exércitos de advogados trabalhistas, contadores etc., deveria investir recursos e pessoal em tecnologia.

Fonseca, da CNI, é taxativo: “por mais que tenhamos rusgas aqui e ali, o diagnóstico é sempre o mesmo: precisamos reduzir o Custo Brasil”. Para ele, o ambiente de negócios no Brasil não é vantajoso. E decreta: “O governo federal e o Congresso têm a chave para acabar com o Custo Brasil”, com a sociedade precisando adotar o papel de “bater na tecla”. “Sempre há interesses particulares afetados, mas quem faz isso andar é o governo”, diz.

Quando a Ford anunciou o fechamento, a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) divulgou uma nota oficial em que dizia que não comentaria sobre o tema por se tratar de “decisão estratégica global de uma associada”, mas em que já destacava: “Isso corrobora o que a entidade vem alertando há mais de um ano sobre a ociosidade da indústria local e global e a falta de medidas que reduzam o Custo Brasil”.

Tatiana, do MBC, conta que anos atrás a entidade mapeou o tamanho do problema e elencou cinco desafios nos quais, segundo ela, já se tem clareza do que devemos fazer para melhorar o ambiente de negócios: financiamento, capital humano, tributos (por meio da reforma), infraestrutura e segurança jurídica. “Se atacarmos essas áreas, podemos reduzir de forma significativa o Custo Brasil”.

E de quem é a responsabilidade? Tatiana faz coro com Fonseca: “O governo, sozinho, não dá conta de toda a agenda, que é estrutural”, diz. “Vai passar pelo Legislativo, uma parte está focada no Judiciário. Não é uma agenda de governo, mas de Estado, envolve todos os entes federativos”, defende. “É um desafio imenso, não de dois, mas de 20, 30 anos”.

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Com relação Brasil-China em mau momento, leilão do 5G opõe questões econômicas e ideológicas https://canalmynews.com.br/mais/com-relacao-brasil-china-em-mau-momento-leilao-do-5g-opoe-questoes-economicas-e-ideologicas/ Wed, 23 Dec 2020 14:16:41 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/com-relacao-brasil-china-em-mau-momento-leilao-do-5g-opoe-questoes-economicas-e-ideologicas/ Governo Bolsonaro resiste, mas pressão empresarial deve ser decisiva na regulamentação

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Com a chegada do fim do ano, aumentam no Brasil as expectativas sobre o aguardado leilão do 5G, que deve ocorrer ainda no próximo semestre. E em meio a uma série de temas que rondam o leilão, um deles parece ser a pedra no sapato do governo: a participação da chinesa Huawei, que tem ampla presença no mercado, com 22 anos de atuação no Brasil, boa tecnologia e preços competitivos. No entanto, é alvo de campanha difamatória liderada pelo governo dos EUA e acompanhada pelo Palácio do Planalto e pela família do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Ainda não está claro se a ala ideológica do governo, com representante no posto máximo do Itamaraty, cederá às pressões de Washington para barrar a participação da empresa chinesa — embora existam, mesmo dentro do governo, vozes discordantes. Uma delas é a do vice-presidente Hamilton Mourão, que reconheceu que uma eventual exclusão da Huawei “vai custar muito mais caro”, lembrando que o consumidor deverá pagar a conta de um desmantelamento da estrutura já existente, o que ocorrerá se a empresa não participar.

Sucessora do atual 4G, a tecnologia 5G é um novo padrão para dispositivos móveis que promete revolucionar a conectividade. A nova geração não é só esperada para oferecer downloads mais rápidos, mas para permitir um futuro em que centenas de bilhões de dispositivos estarão conectados permanentemente à rede, como drones, carros autônomos, lâmpadas, sua geladeira e cidades inteiras. Terá efeitos na indústria, em cidades inteligentes, na segurança pública e na chamada internet das coisas (IoT).

Tecnologia 5G, cujo leilão no Brasil virou novo capítulo da relação turbulenta do governo com a China
Tecnologia 5G, cujo leilão no Brasil virou novo capítulo da relação turbulenta do governo com a China.
(Foto: Unsplash)

“Clean Network”

A questão tem em seu centro um nome pomposo: “Clean Network”, ou Rede Limpa, esforço do governo do futuro ex-presidente dos EUA Donald Trump para lidar com o que chama de “ameaças a longo prazo à privacidade de dados, segurança, direitos humanos e colaboração, com base em princípios para o mundo livre de atores autoritários malignos”. Leia-se, na semântica estadunidense, “China”.

Segundo os EUA, a rede teria como objetivo “implementar padrões de confiança digital aceitos internacionalmente em uma coalizão de parceiros confiáveis”. O secretário de Estado, Mike Pompeo, anunciou a adesão à iniciativa de mais de 170 empresas de telefonia e de 50 países, entre eles o Brasil de Bolsonaro, o que gerou firme reação da China.

A embaixada em Brasília chamou a rede de “discriminatória”, dizendo que quem tem histórico de espionagem são os EUA, relembrando o episódio de vazamento de dados obtidos pela NSA, a poderosa agência de segurança nacional de Maryland que, como se mostrou na ocasião, vigia todo tipo de comunicação entre cidadãos de todo o mundo.

Mas a China não está sozinha na briga. Na ocasião da visita ao Brasil de Keith Krach, subsecretário de Estado para o crescimento econômico, energia e meio ambiente dos EUA, as quatro maiores operadoras de telecomunicações do país, que já testam equipamentos da Huawei antes mesmo de o leilão acontecer, recusaram convite dele para um encontro em São Paulo, dizendo, segundo a Reuters, que não se tratava de algo “compatível com as escolhas do livre mercado”.

De fato, a visão do mercado é antipática à “Clean Network”. Embora procure se afastar da geopolítica, Luciano Stutz, presidente da Abrintel (Associação Brasileira de Infraestrutura para as Telecomunicações), é taxativo: a entidade é contrária a qualquer iniciativa que limite a empresa chinesa “simplesmente por limitar”. “Isso só vai encarecer o 5G brasileiro”, ressalta, fazendo coro a Mourão.

Para Stutz, o “justo e necessário” é ter o mesmo nível de regulação de tecnologia. “Não faz o menor sentido ter preocupação única e exclusiva com uma empresa ou uma tecnologia em detrimento de outras”, diz. “Não acreditamos que uma barreira ideológica seja benéfica ao nosso ecossistema”. Ele lembra a necessidade de leis municipais para facilitar ou afastar restrições para a instalação de antenas. “Sem infraestrutura, não vai ter 5G nenhum, mesmo com todos ou com apenas um fabricante.”

Tom diplomático

Em canais oficiais, a diplomacia chinesa adota tom mais comedido. Apesar do anúncio de adesão do Brasil à “Clean Network”, o ministro-conselheiro Qu Yuhui, da Embaixada em Brasília, ressalta que não houve ainda “manifestação oficial do governo brasileiro”. Ele lembra as polêmicas — que incluem até troca de mensagens públicas de Twitter, nada afetuosas, entre o embaixador Yang Wanming e um dos filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) — mas diz, enfático: “Não há nada oficial sobre banir (a Huawei)”, lembrando que “o que se diz nas redes sociais ou imprensa é outra coisa”. O ministro, em conversa com o MyNews, avisa: “Vamos continuar a negociar”.

O embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, participa de seminário sobre agronegócio entre China e Brasil
O embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, participa de seminário sobre agronegócio entre China e Brasil.
(Foto: José Cruz/Agência Brasil)

O ministro Qu reverbera as aflições dos EUA: “Existe no Brasil a preocupação, como em todo o mundo, com a segurança cibernética”. Mas ressalta que a China espera que se tenham “critérios transparentes e técnicos na decisão do leilão”. O cuidado no tom ao falar de Brasil difere do discurso chinês sobre os EUA, cuja postura Qu chama de “caluniosa”, dizendo que o país “não consegue levantar uma evidência concreta para comprovar o que diz”. E reafirma: “ao menos no Brasil”, os equipamentos da Huawei nunca tiveram um incidente de segurança.

A Huawei faz campanha no mesmo sentido. Pede, como fez em uma recente reunião virtual com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que as decisões sobre o 5G no Brasil, cujo leilão é esperado para ser o maior do mundo, sejam realizadas de forma “estritamente técnica, não discriminatória e em favor do livre mercado”.

Em dezembro, circulou no jornal Folha de S.Paulo anúncio de página inteira em que a companhia chinesa busca se posicionar como segura. Anúncios parecidos foram veiculados nos jornais O Estado de S. Paulo, O Globo e Valor Econômico, os maiores do país.

A empresa tem negado repetidamente que seus equipamentos representem risco à segurança, dizendo que cumpre todas as leis brasileiras e que está à disposição para testes e esclarecimentos que as autoridades considerarem necessários. “Estamos abertos a mostrar tudo o que fazemos para ter os equipamentos mais seguros”, disse ao MyNews o brasileiro Marcelo Motta, diretor global de cibersegurança da empresa.

“Queremos trazer racionalidade para a mesa para que o governo, por meio de critérios objetivos, tome decisões soberanas sem interferência de terceiros”, diz o executivo. Motta promete: “faremos tudo que estiver ao nosso alcance para mostrar nosso comprometimento e transparência”. Ele diz ainda que a Huawei é a única empresa que abre seus produtos para testes em centros globais de transparência, na China e na Bélgica. “Nesses centros globais, até o código-fonte das soluções pode ser aberto”, disse.

Reviravolta vinda da Alemanha

O imbróglio da “Clean Network” teve uma interessante reviravolta na última semana, quando o governo alemão passou uma lei, ainda pendente de aprovação pelo Parlamento, que permite à Huawei participar do leilão do 5G no país. A condição é a mesma para todos os concorrentes interessados: que sejam dadas garantias de segurança.

Para especialistas e atores do mercado ouvidos pelo MyNews, é o mesmo que se espera no Brasil. “A questão não é se (a Huawei) é confiável”, diz Fabro Steibel, diretor executivo do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade), argumentando que é o momento de fazer as coisas “com cuidado” . “Devemos confiar em país nenhum”. Segundo ele, a lei alemã é um bom exemplo: “deve-se determinar não quem participa, mas as regras de participação”.

Na Europa, a Alemanha parece estar sozinha na decisão. Países como Reino Unido, França, Finlândia, Polônia, Suécia e Romênia já se posicionaram a favor de banir a Huawei de suas redes 5G, embora a empresa conteste isso nos tribunais. Motta, da companhia chinesa, nega a intenção de judicializar a questão também no Brasil, mas diz esperar não ser necessário chegar a esse ponto. “Acreditamos que o governo tomará a decisão correta com base nos fatos”.

Pressão do mercado

Se depender do mercado, a tendência é que o Brasil acabe não banindo a Huawei. Empresas de telecomunicações, que reconhecem a importância do fornecedor chinês para a infraestrutura já montada no país, têm pressionado o Palácio do Planalto. Elas ameaçam inclusive ir à Justiça se a Huawei for barrada.

A explicação para a pressão das operadoras vem de Motta: “Nosso 4G evolui para o 5G via software”, diz. “Temos entre 40% e 45% de market share no Brasil, toda essa base já instalada foi construída desde 2002”. Se a Huawei ficar de fora, essa base terá de ser refeita.

As operadoras não estão sozinhas. O 5G, cujo impacto deve ser grande também no agronegócio, é visto como novo marco para a agricultura de precisão. A pressão sobre o governo Bolsonaro também vem desse lado, com o argumento de que a restrição de qualquer fornecedor poderia encarecer as instalações.

A expectativa é que o 5G tenha um impacto de até US$ 1,2 trilhão no PIB do país entre 2021 e 2035. “Nossos cálculos estimam um incremento anual de 2,5% no PIB brasileiro ao longo de 15 anos”, diz Motta.

Relação sino-brasileira azeda

Historicamente, como diz a internacionalista Lívia Costa, fundadora da plataforma de notícias Shumian, a relação entre o Brasil e a China nunca esteve em momento tão ruim. O que está agora no centro da polêmica do 5G se reflete em outras áreas, como na resistência à vacina do laboratório chinês Sinovac, a CoronaVac, que só depois de muita pressão acabou entrando no plano nacional de imunização.

A China é o maior parceiro comercial do Brasil, com importação de US$ 63,36 bilhões em 2019 (28,1% do volume exportado), mais que o dobro do segundo colocado, os EUA, com US$ 29,72 bilhões (13,2%), segundo dados da Abracomex.

“Essa animosidade em relação à China é relativamente nova na relação sino-brasileira”, diz Lívia, que viveu quatro anos em Pequim, onde fez mestrado em Relações Internacionais e Política. “Já víamos um pouco disso durante a campanha, quando Bolsonaro visitou Taiwan e não foi pra China continental, o que não foi bem recebido”, lembra. “Quando assumiu, houve um esvaziamento da política externa brasileira de forma geral”. Segundo ela, “Bolsonaro governa para a base eleitoral dele também no que se refere a temas estatais”.

A internacionalista lembra ainda que discordâncias que seriam impensáveis anos atrás, como acusar de espionagem ou de violação de direitos humanos, nem sequer ocorrem mais por vias diplomáticas. “O tecido da diplomacia está rasgado, isso se faz hoje por redes sociais”, diz.

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