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]]>A decisão popular é legítima – afinal, todo povo tem direito de se autodeterminar – mas lamentável. O presidencialismo é um sistema republicano marcado pelo exercício da chefia de governo e do Estado pela mesma pessoa, que é eleita de forma autônoma em relação ao Poder Legislativo.
Nos Estados Unidos, o sistema teve início no fim do Século XVIII, quando da promulgação da atual Constituição, que adotou um modelo rígido de tripartição de poderes baseado nas teorias do filósofo Montesquieu, cujas ideias não haviam sido implementadas na Europa. O Congresso teria duas Casas, uma de representação popular, eleita pelo povo de cada Estado, e uma de representação dos Estados, cujos membros (os senadores) seriam eleitos pelas assembleias estaduais.
O presidente da República, por sua vez, seria eleito por um colégio eleitoral e, somente se este colégio não lograsse eleger um nome por maioria absoluta, a incumbência da eleição presidencial passaria ao Congresso.
Tal sistema trazia riscos. Se o presidente não era eleito pelo Congresso, também não poderia ser por ele livremente destituído. A Constituição dava ao presidente um mandato fixo de quatro anos, mas o Congresso não poderia simplesmente entender que o governo não estava sendo satisfatório e removê-lo.
O presidente poderia continuar um governo que a maioria do Congresso considerasse desastrosa e o fato do Congresso negar apoio parlamentar ao presidente não teria o condão de derrubar o governo, tal e qual ocorre nos regimes parlamentaristas. Isto poderia causar uma paralisa administrativa, decorrente do impasse entre governo e Congresso.
Algo pior, porém, poderia ocorrer: o presidente poderia incorrer não só em incompetência administrativa, mas em crimes ou outros atos graves. Para estes casos, a Constituição previu que o Congresso poderia julgá-lo, devendo a Câmara autorizar o julgamento e o Senado se converter em um tribunal de júri, presidido pelo chefe da Suprema Corte.
Como o julgamento seria feito por um órgão alheio ao Judiciário e como o crime seria de natureza política, a pena também seria política: o presidente ficaria afastado do cargo e inabilitado para concorrer novamente. Os constituintes americanos buscaram inspiração em antigas leis constitucionais inglesas do Século XIV, que davam ao Parlamento o direito de fazer o impeachment dos ministros do rei.
Completava-se, assim, o ciclo dos freios e contrapesos. Os Poderes são independentes, mas um controla o outro. Ao Poder Legislativo cabe o controle da legalidade dos atos do Executivo e, em último caso, o presidente pode ser julgado por crimes políticos.
No Brasil, adotamos um sistema similar. Temos um rol de “crimes de responsabilidade”, que só podem ser cometidos por detentores de cargos relevantes. Algumas destas infrações são julgadas pelo Poder Judiciário, mas, no caso do presidente, adotamos um sistema bem americano: a Câmara autoriza o julgamento e o Senado julga, sob a presidência do ministro que preside o STF. A autorização e a condenação requerem quórum de dois terços, suficiente para garantir que uma maioria eventual não se volte contra o presidente de forma casuística. Em caso de crime comum, o presidente é julgado pelo STF, mas só depois de autorização da Câmara.
Tudo muito certo e balanceado, mas há um detalhe (no Brasil, sempre há detalhes que pioram tudo…). A Câmara é um órgão colegiado, mas o seu presidente tem o poder de, sozinho, decidir se admite ou não que as petições relatando crimes de responsabilidade serão apreciadas pelas comissões pertinentes e pelo Plenário.
O presidente da Câmara pode admitir ou negar uma denúncia, mas pode também optar por não decidir. Se assim fizer – se optar pela omissão – nada acontece. Milhares de petições fartas de provas de crimes de responsabilidade podem chegar e, mesmo se os 512 colegas do presidente quiserem proceder com o impeachment, nada ocorrerá.
Na prática, há uma submissão dos órgãos colegiados da Câmara à vontade do presidente. Ocorre que a Câmara, conforme dito, é órgão colegiado e ao seu presidente cabe apenas a chefia administrativa e a coordenação dos trabalhos. O presidente não é superior aos demais deputados e não guarda com eles ascendência hierárquica; é, no máximo, um primus inter pares.
O presidente da Câmara torna-se, assim, uma autoridade poderosíssima, que pode decidir se e quando um impeachment será levado adiante. Com isso, vira fiador do mandato presidencial, detendo enorme influência junto ao presidente e à base governista na Câmara, que se sentirá obrigado a apoiá-lo.
É uma distorção bastante séria. O lado bom é que para consertá-la sequer é necessária uma emenda à Constituição; basta uma mudança na lei de crime de responsabilidade e no regimento interno da Câmara. Entendo que o STF também pode, por meio de mandado de injunção – ação judicial que visa suprir lacunas legislativas, dando efetividade a direitos – criar norma que dê prazo ao presidente da Câmara para apreciar os pedidos de impeachment.
O mandado de injunção é uma das poucas ações em que o Judiciário pode criar enunciado normativo, que subsiste até que o Poder Legislativo faça o seu trabalho e legisle. Como a própria Constituição autoriza que, no caso de uma excepcional omissão legislativa, que comprometa o exercício de direitos, o STF resolva o caso concreto por meio do mandado de injunção, não há que se falar em ativismo judicial, que é uma prática autoritária e lamentável que ocorre quando o Judiciário invade seara dos outros Poderes.
Esta mudança precisa ser feita o quanto antes. Sem isso, o sistema presidencialista fica capenga e os freios e contrapesos dos quais ele depende se tornam inócuos.
Kim Kataguiri é deputado federal, eleito pelo DEM de São Paulo
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]]>Ficamos com o pior dos dois mundos: nem salvamos vidas promovendo uma rígida quarentena durante as primeiras semanas de pandemia, com fechamento de fronteiras e testagem e massa, nem salvamos a economia. A falta de liderança de Bolsonaro fez com que adotássemos um modelo de “meia-quarentena”, com destruição de vidas e de empregos.
Ok, que 2020 foi ruim, todo mundo sabe. Mas o que temos para 2021? Já adianto: nada muito animador. Durante a pandemia, o governo gastou muito e gastou mal. Milhares de famílias receberam auxílio emergencial indevidamente, e nenhum tipo de banco de dados — que seria valiosíssimo para a criação de uma rede básica de proteção social permanente — foi criado. Não conhecemos a renda per capita das famílias que estão recebendo o benefício, nem a atividade profissional dos informais, se os filhos estão frequentando a escola ou de que assistência técnica ou de crédito precisam para retomar suas atividades no ano que se aproxima.
Lembram quando Guedes disse que havia descoberto “40 milhões de brasileiros invisíveis”? Pois bem, eles continuarão invisíveis em 2021. Não teve nem Renda Brasil nem Renda Cidadã, mas haverá um rombo de R$ 250 bilhões a pagar que será jogado no lombo de cada um desses brasileiros, fruto do populismo fiscal do governo Bolsonaro.
Esse populismo tende a aumentar. Para a classe política, 2021 é ano de eleição presidencial. É nele em que o governo focará em inaugurar obras e atender as bases eleitorais dos políticos do centrão, que agora apoiam o governo. Bolsonaro já sabe que perdeu a classe média, aquela que se preocupa com as perspectivas de longo prazo do país. Isso significa zero reformas, zero privatizações, zero cortes de gasto. Não precisam acreditar em mim. Bastar ler a Lei de Diretrizes Orçamentárias enviada por Bolsonaro e Guedes e aprovada pelo Congresso Nacional. Nela, os gastos obrigatórios – principalmente com folha de pagamento do funcionalismo avançam em R$ 30 bilhões, sem nem um centavo de corte, coisa que houve em 2019, quando o governo ainda tinha algum comprometimento com a agenda fiscal.
Mais: não haverá dinheiro suficiente para pagar o básico: conta de água e luz de prédios públicos, aluguel etc. Isso significa que o governo precisará pedir ainda mais dinheiro ao Congresso, que, sob o possível comando do centrão, turbinado por Bolsonaro, cobrará esse boleto com juros e correção monetária.
Tudo isso com a promessa de manter os juros a 2.2%, com o governo tomando dívida cada vez maiores a prazos cada vez mais curtos – menos de um ano. Estamos endividando meus tataranetos, que ainda só existem na minha imaginação, só para comprar o almoço do dia seguinte. Essa ficção vendida pelo governo e mantida na marra lembra muito o último ano do primeiro mandato do governo Dilma. Conhecemos o fim desse filme.
Você, caro leitor, pode me chamar de pessimista. Aceito a pecha. No Brasil, os pessimistas dificilmente correm o risco de errar.
Kim Kataguiri, 24, é escritor, deputado federal pelo DEM-SP e estudante de Direito
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