Arquivos Pedro Gouvêa - Canal MyNews – Jornalismo Independente https://canalmynews.com.br/post_autor/pedro-gouvea/ Nosso papel como veículo de jornalismo é ampliar o debate, dar contexto e informação de qualidade para você tomar sempre a melhor decisão. MyNews, jornalismo independente. Thu, 05 Aug 2021 21:00:19 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Distritão – uma possível interpretação https://canalmynews.com.br/voce-colunista/distritao-possivel-interpretacao/ Thu, 05 Aug 2021 21:00:19 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/distritao-possivel-interpretacao/ Adoção do distritão e mudança no modelo eleitoral podem ter reflexos na representatividade social no Legislativo

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Vamos a um dos assuntos do momento: a votação em deputados pelo chamado “distritão”. Afora a discussão sobre a constitucionalidade da proposta, que é questionável, vejamos em algumas linhas lógicas o que a adoção deste método de votação acarretaria.

Em primeiro lugar, o que é o distritão? Em uma eleição para deputado federal, seria eleger aqueles candidatos mais bem votados em um estado da Federação como ocupantes das vagas disponíveis. Em termo simples, das 70 cadeiras do estado de São Paulo seriam eleitos os 70 deputados mais bem votados. Parece ótimo, não?

Imagem do Plenário da Câmara dos Deputados. A adoção do distritão pode mexer na representatividade da Câmara
Adoção do distritão pode ter impacto na representatividade da Câmara dos Deputados/Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Mas vejamos algumas consequências. Número um, acabaria com o sistema proporcional, ora vigente, em que as cadeiras no parlamento são alocadas de acordo com a quantidade total de votos de um partido, não de um candidato. A número dois é uma consequência que muita gente considera perversa do sistema atual: o fenômeno dos puxadores de voto. Hoje, basta um partido, por menor que seja, ter um bom puxador de voto que garante algumas vagas na Câmara dos Deputados. Em termos mais concretos, muitos deputados hoje eleitos somente pelo quociente eleitoral, e não pelo seu número de votos, não teriam mais acesso ao parlamento.

Nessa linha de raciocínio, os grandes puxadores de voto para deputado federal passariam a ser os candidatos a presidente, fenômeno que já acontece na base do “eu recomendo, vote em fulano”. Haveria mais competição para a indicação dos candidatos ao executivo. Um efeito imediato é que passaria a haver uma gravitação maior em torno dos partidos aos quais os presidenciáveis pertencem. Mas não só. Os candidatos a deputado com “luz própria”, como celebridades e políticos amplamente conhecidos, seja por voto de protesto, seja por voto ideológico, representariam tanto uma bênção quanto uma maldição aos partidos.

Para maximizar o número de membros do partido eleitos, já que puxadores de voto no sistema proporcional não funcionariam mais, sendo quase irrelevantes para a eleição de seus colegas de agremiação, haveria mais competição interna por fundos partidários e eleitorais, fortalecendo o papel dos “caciques” do partido. A tendência seria certa diminuição do número de candidatos, em que cada agremiação tentaria maximizar seu número de cadeiras concentrando-se nos seus postulantes mais viáveis.

Um Eduardo Bolsonaro, por exemplo, candidato mais votado à Câmara Federal por São Paulo em 2018, não comporia o quociente eleitoral, mas sabendo que terá muitos votos, teria muito mais poder junto à direção partidária para decidir quem seriam seus “candidatos auxiliares”. O mesmo vale para um nome como Marcelo Freixo, para dizer que não falei de um grande exemplo de puxador de votos para o Legislativo, da esquerda.

A consequência natural seria um enfraquecimento natural dos partidos e a destruição do sistema partidário como conhecemos hoje. O número de partidos com representação legislativa variaria ao sabor da popularidade e do peso político dos seus candidatos – a depender do que aconteça com a cláusula de barreira e a vedação às coalizões. Ué, diria alguém, mas já não é assim? Sim, em parte, nesse ponto específico precisaríamos de mais apurações porque as regras eleitorais terão de necessariamente ser alteradas para acomodar o voto por distritão.

Pelas regras atuais, haveria uma redução do número de partidos com representação? Sim. A confusão no sistema proporcional de representação em comissões na Câmara dos Deputados seria grande. Some-se a isso que partidos que vocalizam posições minoritárias em determinado momento ficariam reduzidos, muitas vezes, a um “one-man show”. A oposição ficaria mais fragmentada, havendo uma tendência a que tenha menos voz em comissões e iniciativas como CPIs, enfraquecendo mecanismos de controle. Outro efeito seria o encarecimento das campanhas eleitorais: uma única candidatura precisaria angariar votos em todo o seu estado, o que acirraria a já mencionada disputa por recursos eleitorais.

Muita gente da política tradicional (diga-se: parte do “centrão” e alguns coronéis muito locais do Brasil profundo, que hoje somente se elegem pelo quociente eleitoral) não seria mais eleita. Bom? Pode ser. Só que muita gente séria também ficaria de fora, pois suas posições minoritárias não teriam o condão de inflamar grandes massas de eleitores.

Quem isso beneficia? Eu arriscaria dizer que o distritão favorece vozes estridentes. Vivemos em tempos em que muita gente se dedica a buscar popularidade (e dinheiro) em redes sociais. Teremos candidatos “youtubers” e “tiktokers”? Eu diria que, mesmo sem alteração na forma de representação legislativa, sim, infelizmente. Multiplicaríamos isso por várias ordens de grandeza com o distritão.

A alteração trazida pelo distritão tem muito mais ramificações do que parece à primeira vista. Imagine agora a Câmara dos Deputados com parlamentares fazendo “lives” e dancinhas para seus públicos cativos. Ah, desculpe, isso já acontece… Será o triunfo do parlamentar “youtuber”. A pergunta que fica é: o filtro será de gatinho ou daqueles dólares voando?


Quem é Pedro Gouvêa?

Mezzo economista, mezzo advogado. Nada por inteiro, mas inteiramente independente. Estudou Ciências Econômicas na PUC-Rio, com passagem pela FEA-USP, e Direito no IBMEC-RJ. Apaixonado por política, políticas públicas, direito e economia. Curioso por literatura, jazz, filosofia, história e não declaradas frivolidades.

* As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews

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O Dilema de Ciro (e das evidências anedóticas) https://canalmynews.com.br/voce-colunista/o-dilema-de-ciro-e-das-evidencias-anedoticas/ Thu, 05 Aug 2021 20:55:39 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/o-dilema-de-ciro-e-das-evidencias-anedoticas/ Teria Ciro (em potencial) o 1/3 não tomado por Bolsonaro ou Lula?

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Membro recente do canal, pelo qual há tempos nutro admiração e dou minha audiência, resolvi me arriscar a traçar humildes comentários. Sendo este um primeiro texto (de uma série que espero não se encerrar aqui), declaro desde já que não tenho fontes senão minha própria visão sobre o que acontece no universo político – visão essa nem sempre original. Também não conheço o Antonio Tabet e a Mara Luquet, ou melhor, eu os conheço visualmente. O Tabet vi algumas vezes pelo bairro onde eu morava, aparentemente voltando de alguma academia. A Mara vi uma única vez, talvez tentando antecipar um voo em Congonhas. Desprovido de qualquer contato ou rabo preso, encerro estes tediosos prolegômenos. (Alguém ainda aí?)

Muito bem, a tese não é original. Costumo dizer que é terra mais batida que pequena área de goleiro de várzea, isso mesmo, lá onde nem grama nasce. É a tese dos três terços do eleitorado. É lugar-comum um economista dizer “suponha que” (se alguém não conhecer a piada do abridor de latas, por favor me avise). Pois bem, suponhamos que tenhamos eleições regulares em 2022, com os pré-candidatos ora postos. A despeito de um pequeno incômodo com o prefixo “pré”, pois todos nós sabemos quem serão os candidatos com quase certeza, sigamos na suposição. Temos então Bolsonaro, Lula, Ciro, Doria e aventureiros (desculpe, Huck, se você quisesse se candidatar com chances, já teria que ter descido do muro). Descontemos por ora o fator Doria, fenômeno de rejeição que vale um artigo próprio sobre o tema. Será então para Bolsonaro ou Lula ou Ciro que as pessoas irão apertar dois dígitos e confirmar (o botão verde). Se será impresso ou não o voto, os maiores sábios da terra plana poderão nos dizer em breve.

Eis que entram os três terços. Bolsonaro parece reter o seu 1/3 do eleitorado não importa o que diga, faça, omita ou desminta. Muitos de nós descobrimos atônitos que o bolsonarismo era muito mais do que um “Fora PT” ou “estou votando mais pelo Paulo Guedes”. Esse fenômeno cultural esteve latente durante um longo tempo e desabrochou em 2018. Não foi obra do acaso. Há intermináveis debates sobre a causa do bolsonarismo, mas muitos se esquecem de uma obviedade desconcertante: muita gente, simplesmente, concorda com o que ele diz. Não há manipulação ou fake news que dê conta de uma porção tão expressiva da população e do eleitorado. É sabido também que nem todos os que votaram em Bolsonaro em 2018 permanecem fiéis ao presidente-candidato. Muita gente diz: “queria que eu fizesse o quê? Votasse no PT?!”, mas hoje se arrepia pelas palavras e atitudes do presidente e não quer ser mais associada a ele. As grandes questões são: quanta gente e com que intensidade.

Vejamos agora Lula, aquele que de candidato três vezes derrotado se elegeu nos escombros de um apagão no setor elétrico (perdão, leitor/a que permaneceu até aqui, o paralelo foi irresistível) e nas esperanças de um futuro mais igualitário e de política limpa (em 2018 a chamaram de “nova política”). Lula tornou-se o líder da maior máquina política brasileira desde Getúlio Vargas, presidiu durante um período de bonança econômica e somente sentiu os efeitos de uma “marolinha” pós crise de 2008. Seu governo foi extremamente popular, contando com níveis recordes de aprovação mesmo em seus piores momentos. Sua obra teve um fim trágico no governo Dilma, que aprofundou as políticas expansionistas do período 2013-2016 e levou o país a uma espécie de catatonismo econômico do qual até hoje não nos recuperamos. O fim de Dilma, bem, prometo a quem até aqui chegou explorar em outra oportunidade. Mas o resultado sabemos: abriu-se a caixa de pandora brasileira. Progressos e infortúnios, Lula (ou quem quer que conte com seu apoio) conta com o seu 1/3 cativo. As pesquisas apontam para um número maior que esse, mas há de se descontar que ele é o nome mais conhecido como alternativa ao que está hoje posto e que muita gente antecipa logo no primeiro turno o que seria um voto estratégico de segundo turno.

E Ciro? E as evidências anedóticas? Antes de prosseguir, permitam-me esclarecer que evidências anedóticas são aquelas coletadas na base do “me disse fulano”, ou “fiquei sabendo que”. Não têm valor estatístico, mas servem para corroborar ou desmontar uma tese. Eu, sendo de classe média remediada, com contatos em círculos sociais mais altos que o meu ou mais baixos, acredito ter uma visão que extrapola (um pouco) minha própria bolha socioeconômica. Exemplo: em 2018, quando Bolsonaro era um candidato que ninguém levava a sério, comentei em um almoço de trabalho, furtivamente, o quanto aquela candidatura era “estranha”, fora daquilo que estávamos acostumados. Afora o erro de falar de política em um ambiente corporativo, foi um despertar. Um dos meus interlocutores respondeu: “e qual é o problema com ele?”. Eu devo ter arregalado os olhos e engolido seco. Eu lembro de ter desconversado, mas está aí uma evidência anedótica: eu percebi, por ter ouvido de alguém em alto e bom som, que um novo fenômeno estava surgindo. Não vou falar da vez em que eu tive um encontro em que a mulher dedicou uma boa meia hora me mostrando vídeos do Bolsonaro “mitando” na internet… Acho que todos os que não sabiam já entenderam o que é uma evidência anedótica.

E Ciro? Sim, chegamos a ele. Teria Ciro (em potencial) o 1/3 não tomado por Bolsonaro ou Lula? Vejamos. Ciro atualmente (junho de 2021) tem uma estratégia bifronte ou, para ser chique, do deus Janus: tem uma face para cada lado. Ele bate simultaneamente em Bolsonaro e em Lula, esperando arregimentar os arrependidos ou desgarrados de qualquer um dos lados. Ciro não é um desconhecido. Se não me falha a memória, esta será sua terceira candidatura à presidência. Em 2002, viu sua liderança derreter ao prometer no Jornal Nacional uma “auditoria” na dívida pública (como economista, nunca ouvi uma explicação plausível do que isso seria; julgo que seja um daqueles bordões insofismáveis da esquerda). Não satisfeito, teceu comentários, digamos, insensíveis, ao que seria o papel de sua esposa à época em sua campanha e administração. Não foi necessária uma campanha sistemática de desconstrução como aquela promovida por seu atual marketeiro à candidatura de Marina Silva em 2014. Ciro implodiu. Mas a política é um jogo muitas vezes duro, não há santos. E Ciro ressurgiu em 2018. Com um discurso centrado no “vou te tirar do SPC” e adotando uma postura mais “paz e amor” (postura que, diga-se, nunca foi o seu ponto forte). Era cotado nas pesquisas como o único candidato com chances de derrotar Bolsonaro em um segundo turno, por transitar em um espaço maior que a esquerda petista. O PT não abriu mão de sua hegemonia, talvez acreditando que venceria mesmo com todos os sortilégios enfrentados por Lula à época. Ciro, terceiro candidato mais bem votado, mais uma vez não se qualificou para o segundo turno, vendo a disputa ser dar entre “um cabo, um soldado e um jipe” e o “poste”.

Ciro Gomes ao lado do publicitário João Santana, responsável pelas ações de marketing e comunicação do PDT.
Ciro Gomes ao lado do publicitário João Santana, responsável pelas ações de marketing e comunicação do PDT. Foto: Reprodução (Redes Sociais).

Passados 3 anos e alguns meses, Ciro tem sido a liderança política mais ativa a se propor como nome para 2022. Tal como o governador João Doria, cuja propositura e autopromoção encontram ouvidos moucos em parcela ensurdecedora do eleitorado. A rejeição a seu nome, repito, é fenômeno que merece estudo mais detalhado. Voltando a Ciro, teria ele chance de garantir o terço restante da população não fechado com Bolsonaro ou Lula? Vejamos, à luz de algumas evidências anedóticas. Este que vos escreve, em 2018, em corrida de táxi no Rio de Janeiro perguntou ao motorista: e você, em quem vai votar? Ao que o nobre condutor respondeu: “no Daciolo. É o único que fala a verdade”. Perfeitamente. E assim foi feito, tendo Daciolo recebido mais votos que o “’chama o Meirelles”. Evidência anedótica. Então, logo de saída, precisamos considerar o fenômeno Daciolo (ou seu upgrade versão 2022) mordendo votos daquele 1/3 que poderia ser de Ciro. O segundo fator a ser considerado é o voto “tudo menos o PT” arrependido. Temos aí uma divisão. Evidências anedóticas me mostram que há muita gente que hoje votaria em Ciro por considerarem repugnantes as falas e atos de Bolsonaro “comandante-em-chefe-e as-forças-armadas-e as polícias-são-minhas”. O problema é: em qual proporção? Não parecem suficientes, e as pesquisas de opinião assim o indicam, que um grande movimento de descolamento do bolsonarismo ocorreria e migraria seu voto para Ciro. Parte do que é sabido hoje sobre a operação que condenou Lula serviu, aos olhos de muitos, para reabilitar do PT. E uma condição de martírio nunca vai mal a um candidato, quando substanciada factualmente. Que o diga o atual presidente. Portanto, podemos admitir também que haverá reconversão ao petismo de eleitores mais ao centro político, mordendo mais uma lasca do 1/3 de Ciro. Haverá também aqueles antipetistas empedernidos, e evidências anedóticas já mostram isso em redes sociais, que dizem hoje “genocida”, mas “contra o PT, voto nele de novo por falta de opção”.

A polarização política é um fato e destrói a lógica “primeiro turno meu candidato, segundo turno o menos pior”. O voto estratégico se antecipa e logo no primeiro turno os contornos do segundo ficam nítidos. Nada do que foi dito favorece Ciro. Ele precisaria reunir os descontentes da centro-esquerda à centro-direita em um única coalizão. E mesmo assim seria um tarefa dificílima deslocar seja Bolsonaro, seja Lula, do segundo turno, ambos com eleitorados mais obstinadamente fiéis. Ciro tem apresentado um discurso coerente, embora ainda um pouco articulado demais para esses tempos simples, tem mantido a compostura e, consta, tem mantido um amplo espectro de diálogo político. Mas pergunta-se: é suficiente?

Eis o dilema de Ciro: ao bater em todos, não estaria ele alijando eleitores à direita e à esquerda ao invés de congrega-los em torno de seu nome? Compensará ser Janus?


Quem é Pedro Gouvêa?

Pedro Gouvêa é mezzo economista, mezzo advogado. Nada por inteiro, mas inteiramente independente no pensar. Estudou Ciências Econômicas na PUC-Rio com passagem pela FEA-USP e Direito no IBMEC-RJ.

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