Arquivos Por Alice Maciel da Agência Pública - Canal MyNews – Jornalismo Independente https://canalmynews.com.br/post_autor/por-alice-maciel-da-agencia-publica/ Nosso papel como veículo de jornalismo é ampliar o debate, dar contexto e informação de qualidade para você tomar sempre a melhor decisão. MyNews, jornalismo independente. Thu, 22 Jun 2023 19:03:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Ex-mulher de Arthur Lira o acusa de violência sexual https://canalmynews.com.br/sem-categoria/ex-mulher-de-arthur-lira-o-acusa-de-violencia-sexual/ Thu, 22 Jun 2023 19:03:03 +0000 https://canalmynews.com.br/?p=38207 Pela primeira vez, Jullyene Lins afirma ter sido vítima de estupro em 2006

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Investigação exclusiva da Agência Pública se debruçou sobre o processo judicial baseado na Lei Maria da Penha que envolve diretamente o deputado federal Arthur Lira (PP-AL) e sua ex-esposa, Jullyene Lins, que o acusa agora de violência sexual. “Minha família vai saber exatamente o que aconteceu. Eu não quero mais viver com isso, carregar isso na minha história”, disse em depoimento à repórter Alice Maciel. Nossa reportagem procurou nas últimas semanas todas as principais testemunhas registradas no inquérito 81/2006 e teve acesso ao laudo do corpo de delito que originou o processo sobre a suposta violência física. O caso, iniciado em 2007, foi concluído nove anos depois, com a absolvição de Arthur Lira pelo STF. Os detalhes dessa história você lê a seguir.

Aviso: este material contém relatos de suposta violência sexual. As denúncias podem causar incômodo em algumas pessoas – mas são narradas na reportagem pelo interesse público.

Já passava das 11 horas da noite quando Jullyene Lins chegou à 9ª delegacia da Polícia Civil de Maceió (AL) para registrar um boletim de ocorrência contra o ex-marido. Havia pouco mais de seis meses que ela tinha se separado do recém-reeleito deputado estadual de Alagoas Arthur Lira (PP). Em seu depoimento, ela relatou que Lira a havia agredido física e verbalmente e a teria ameaçado de morte durante uma crise de ciúmes. Desde aquele domingo, 5 de novembro de 2006, ela conta que nunca mais foi a mesma.

Nove anos depois, no dia 29 de setembro de 2015, o parlamentar foi inocentado das acusações pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em um processo contraditório cheio de idas e vindas. A Agência Pública ouviu testemunhas e teve acesso ao laudo médico feito à época, que reforça a versão da ex-esposa, de que teria apanhado do atual presidente da Câmara dos Deputados.

No inquérito policial número 81/2006, que deu início ao processo contra Lira, Jullyene Lins relatou ter sido agredida por cerca de 40 minutos com “tapas, chutes, pancadas, foi arrastada pelos cabelos, tendo sido muito chutada no chão”. Além disso, ela narrou pela primeira vez, em entrevista exclusiva à Pública e na presença de sua advogada, que o hoje deputado federal e presidente da Câmara dos Deputados a teria estuprado naquela noite. “Arthur Lira me estuprou”, disse.

Ao longo da conversa que aconteceu no último dia 6 de junho, Jullyene teve taquicardia, chorou e tremeu ao relatar o que teria acontecido  naquele dia. “Ele me violentou, ele me violentou”, repetiu diversas vezes.

A acusação de violência sexual de Jullyene não consta em seu depoimento à polícia realizado à época. Ela relata que, por vergonha da família, da sociedade e medo do deputado e ex-marido, conviveu com o segredo até meses atrás, quando decidiu revelar ao atual marido.

Com os três filhos já crescidos, Jullyene justifica que tomou coragem de tornar pública essa história “por não suportar mais viver com essa dor”. “Eu aguentei isso esse tempo todo, eu guardei por 17 anos isso por conta dos meus filhos, por conta da minha família, a vergonha também, a gente se sente um lixo. Eu estou falando isso agora porque preciso tirar esse peso das minhas costas, não é para denegrir [sic] a imagem dele”, destaca.

“Meus filhos já estão grandes, já vão entender. Minha família vai saber exatamente o que aconteceu. Existiu Jullyene antes daquela noite e a Jullyene após aquela noite. Eu não quero mais viver com isso, carregar isso na minha história”, acrescenta.

Jullyene deseja ainda, a partir de seu relato, encorajar outras mulheres que sofrem ou sofreram violência de homens públicos a denunciar “todo e qualquer tipo de agressão”. “Eu sei o preço que eu vou pagar por estar abrindo isso agora, por estar tirando esse peso, mas eu acho que já chega. É para encorajar outras mulheres a não viverem essa relação abusiva, de humilhação e de chantagens.”

Por meio de sua assessoria de imprensa, Arthur Lira foi procurado mas optou por não comentar o conteúdo das acusações.

O começo de tudo 
A história de Jullyene Lins e Arthur Lira começa em 1996, quando eles se conheceram em uma boate em Maceió, apresentados por um amigo em comum. Após três meses de namoro, eles foram morar juntos, ela com 21 anos e ele com 27. Filho de político, Lira exercia seu primeiro mandato de vereador na cidade.

No início do relacionamento, Jullyene conta que ficou deslumbrada com a vida de luxo que o então marido a proporcionava, “que tinha tudo que queria”. “Só depois que a gente amadurece que enxerga a futilidade disso”, lamenta.

Ao longo da relação, segundo ela, Arthur Lira sempre foi “muito ciumento e possessivo”, mas até a noite do dia 5 de novembro de 2006 nunca a tinha agredido e cometido a violência sexual agora relatada. De acordo com Jullyene, “como em muitos casamentos”, o ato sexual entre os dois acontecia só quando ele queria, e ela não entendia a situação como violência.

Da mesma forma, ela diz que só foi entender anos depois que vivia o que considera um relacionamento abusivo. “Eu não podia usar um biquíni, eu não podia ficar em casa de short, só podia andar de calça jeans. Eu era a dondoquinha, tinha que andar bem-vestida, arrumada.”

Segundo ela, Lira teria exigido que a esposa “fosse uma dona de casa perfeita”. “Ele chegava em casa passando o dedo no móvel e dizia: ‘Você não viu isso, que está com poeira? Você é uma inútil, você não presta para nada. Só presta mesmo pra cuidar dos meninos, pra dar educação. Pelo menos não faz eu passar vergonha em um restaurante’”. Se tinha uma blusa amassada, ele pegava, amassava mais, jogava no chão e gritava comigo perguntando o que eu estava fazendo dentro de casa, que não estava vendo que a blusa dele estava mal passada”, relata.

Jullyene conta que a relação dos dois começou a “desandar” quando  engravidou do primeiro filho do casal. “Foram meses difíceis porque eu tive uma gravidez de risco”, lembra. Ela afirma que, ao longo desse período, o marido não parava em casa e que se sentia muito sozinha. Ela diz que o relacionamento já não andava bem, quando em 2005, já grávida do segundo filho, soube, pelo próprio Lira, que ele tinha tido uma filha fora do casamento. Além disso, ela afirma que soube de outro relacionamento dele fora do casamento.

Apesar das brigas frequentes, ela relata que os dois decidiram manter um casamento de fachada até o fim das eleições de 2006, quando o político foi eleito para o terceiro mandato na Assembleia Legislativa de Alagoas. Os dois já estavam separados desde abril daquele ano, mas Jullyene ressalta que só depois de seis meses, e após o pleito, passou a frequentar lugares públicos, como bares, restaurantes e boates.

Pela primeira vez, Jullyene Lins acusa seu ex-marido, Arthur Lira, de violência sexual. Foto: Reprodução.

A noite em que Jullyene diz ter sido violentada 
Segundo Jullyene, Arthur Lira ficou sabendo de suas saídas e no dia 5 de novembro de 2006 telefonou para tirar satisfações. Após a ex-esposa confirmar que um amigo havia se interessado por ela, Lira teria dito que iria até sua casa para conversarem pessoalmente. O parlamentar teria chegado por volta das 21 horas no apartamento da ex-esposa. “Quando eu abri a porta, foi um murro na cara”, diz ela.

Durante cerca de 40 minutos, conforme relato de Jullyene, ele a teria agredido com “tapas, murros, chutes e a puxado pelo cabelo”. Ainda de acordo com ela, enquanto a agredia, Lira a teria chamado de “rapariga” e “puta”. O parlamentar também teria feito ameaças e teria dito, ainda segundo ela, que a mataria para ficar com os filhos, “que era deputado e não passaria por corno e que ninguém iria desmoralizá-lo”.

Essa parte do relato de Jullyene Lins consta em seu depoimento à Delegacia Especial de Defesa dos Direitos da Mulher em 18 de abril de 2007. Na época ela não relatou que Lira também a teria estuprado naquela mesma noite.

“Aconteceu uma coisa que eu nunca contei a ninguém, ele disse pra mim: ‘Você está atrás de macho, eu vou lhe mostrar quem é o homem’. Ele me puxava pelo cabelo e dizia: ‘O homem aqui… você é minha mulher, você não vai ter outro homem, você é minha, você é a mãe dos meus filhos. Você quer me desmoralizar, vamos lá para o quarto agora que eu vou te mostrar quem é o homem aqui, você não quer isso? Você não está querendo? Atrás de homem pra quê? Pra fuder? Então vou lhe mostrar agora”. Foi quando, segundo ela, ele a teria puxado pelo cabelo e a violentado.

“E eu esperneando, eu ainda consegui espernear e gritava muito, mas ele tapava minha boca para que as pessoas não escutassem”, relata.

Além dos filhos, o único adulto presente na casa era a babá do caçula, à época com 8 meses. Luciana* teria escutado os pedidos de socorro e ligado para a ex-sogra de Lira, que chegou minutos depois acompanhada do irmão de Jullyene. As agressões só teriam cessado quando um tio dela, já falecido, chegou ao local e, posteriormente, o pai de Arthur Lira, Benedito de Lira, que negou os fatos em conversa com a reportagem. “Ela não está falando a verdade, até porque meu filho não tem essa prática. Ela se separou e não deixa ele em paz”, defendeu.

Assim que o ex-marido foi embora, Jullyene conta que foi à delegacia para lavrar o boletim de ocorrência (BO). Segundo ela, o Instituto Médico Legal estava fechado e só retornou para fazer o exame de corpo de delito no dia seguinte, às 12h30.

Boletim de ocorrência registrado por Jullyene em 5 de novembro de 2006

O laudo do exame, ao qual a Pública teve acesso, registra que “houve ofensa à integridade corporal ou à saúde do paciente”, e que para tal foi usado “instrumento contundente”. Ainda de acordo com o documento, Jullyene estava com oito hematomas nas regiões da lombar, glúteo, coxas, antebraços, pernas e se queixava de dores na cabeça, no pescoço, no abdome, mas nessas partes não haviam “lesões visíveis”.

Exame de corpo de delito registra “ofensa à integridade corporal” de Jullyene

Uma das peritas que assina o laudo, Maria Luisa Duarte, disse à reportagem que não se lembra dos detalhes do exame. “Realizava inúmeras perícias durante o plantão e infelizmente não há como lembrar, exceto quando fugiam (que não é o caso deste laudo) à rotina dos achados”, ressaltou. Procurado, o delegado Dalmo Lima Lopes, que registrou o BO à época, não respondeu às tentativas de contato.

Testemunhas confirmaram a violência física à polícia 
Além do exame de corpo de delito, quatro testemunhos do que teria acontecido naquela noite deram embasamento ao inquérito policial que indiciou Arthur Lira pelas supostas violências físicas, em 16 de agosto de 2007. “O exame de corpo de delito foi a prova material robusta, técnica, isenta de qualquer julgamento. Eu tinha prova material, era inequívoca, as testemunhas falavam de forma coerente, contavam a narrativa, os depoimentos eram verossímeis com o fato”, afirmou à Pública a delegada que presidiu o inquérito, Fabiana Leão Ferreira.

Com base nas provas colhidas no inquérito policial, o procurador-geral da República Roberto Gurgel ofereceu denúncia contra Lira em 9 de março de 2012.

Ao longo da investigação, a polícia ouviu duas mulheres que trabalhavam na casa, a mãe e o irmão de Jullyene. À época, todos eles confirmaram as agressões.

A primeira pessoa a prestar depoimento na investigação foi Gabriela*, funcionária de Jullyene havia quase dois anos. Ela não presenciou o fato, mas relatou à polícia, no dia 16 de janeiro de 2007, que quando chegou para trabalhar, na segunda-feira, ficou sabendo por outros funcionários que sua patroa havia sido agredida no dia anterior pelo ex-marido. Gabriela confirmou a versão à Pública. “O que eu sei é o que todo mundo sabe. Tudo o que eu sei está nos autos, não tenho mais nada a falar”, acrescentou.

Um dos testemunhos mais contundentes que consta no inquérito é o da babá do caçula do casal, que teria presenciado a violência física e pedido socorro aos familiares de Jullyene. Na ocasião, Luciana* disse à polícia que estava com muito medo por estar se envolvendo no caso, pelo fato de Arthur Lira ser um homem influente e considerar-se “peixe pequeno”.

Testemunho de Luciana à delegada após a suposta violência física sofrida por Jullyene

Seis anos depois, os advogados de Lira anexaram ao processo uma declaração de Luciana afirmando que ela não presenciou a agressão e que assinou o depoimento à delegacia da mulher, em 24 de abril de 2007, sem ler, favorecendo a defesa do deputado. A reportagem procurou Luciana, mas não obteve retorno. Uma pessoa próxima a ela disse à Pública que Luciana ainda tem muito medo e não falaria por temer retaliações. “Desiste, ela não comenta esse caso, tem medo”, alertou a fonte.

A mãe e o irmão de Jullyene também voltaram atrás em seus depoimentos, durante interrogatório em 10 de novembro de 2014. Eles confirmaram que estiveram no apartamento naquela noite, mas alegaram que o casal só teria discutido. Assim como Luciana, a ex-sogra de Lira afirmou que assinou seu testemunho à Polícia Civil sem ler e demonstrou esquecimento. Já seu filho ressaltou que acompanhou a irmã até a delegacia porque Jullyene teria lhe dito que tinha apanhado do ex-marido. “Só ouvi ela chorando muito, mas sinais de agressão eu não vi”, acrescenta, contrariando o laudo de corpo de delito. Os dois também não falaram com a Pública.

A própria Jullyene chegou a falar que era tudo mentira, mas alegou depois que fez isso por ter sido ameaçada por Lira. Ela própria teria pedido aos familiares que mudassem o depoimento. Atualmente a relação dela com a mãe e o irmão está rompida.

Os registros do inquérito 
Em seu relato à Polícia Civil, registrado no inquérito, Luciana contou que estava na cozinha quando ouviu o barulho de um tapa, após Jullyene ter aberto a porta de casa para Arthur Lira. Ela afirmou também que o escutou falando: “Eu vou dar em você de mão fechada, que é para não deixar hematomas e ninguém escutar”.

Luciana disse que no momento foi para seu quarto, de onde teria ouvido os gritos de Jullyene, que “pedia para que o Arthur não a matasse”. Ela destacou, durante o depoimento, que pensou em ajudar a patroa, mas desistiu. Em um dado momento, no entanto, Jullyene teria ido até a cozinha e pediu que a funcionária telefonasse para sua mãe.

A ex-funcionária conta que nessa hora “percebeu que a Jullyene estava quase desmaiando de tanta pancada”. Segundo ela, logo em seguida Arthur Lira chegou e teria puxado a ex-esposa pelo braço, a levado para a sala e continuado com a agressão. Nesse momento, segundo o depoimento, ela teria ligado para pedir ajuda para Rosalina*, a mãe de Jullyene.

Rosalina confirmou tudo quando prestou depoimento em 22 de maio de 2007. Ela contou que Luciana lhe telefonou dizendo que deixaria a porta de serviço aberta porque Arthur Lira havia mandado fechar todo o apartamento. Ao chegar ao local, ela teria encontrado a filha caída no chão da sala, e o deputado por cima dela, agredindo-a.

Rosalina teria puxado o ex-genro pela camisa e perguntado o que estava acontecendo. Segundo ela, Arthur Lira teria respondido que a ex-esposa“estava num restaurante aos beijos com outro homem e que tinha o direito de agredi-la, sim, já que a mesma não tinha pai”.

O irmão de Jullyene que acompanhou a mãe até o apartamento deu depoimento semelhante, no dia 18 de abril de 2007. Segundo ele, Lira “estava muito transtornado” e a irmã, com marcas vermelhas no pescoço, sem caminhar direito, reclamando de dores no abdômen”.

Novas denúncias e prisão
Passados oito meses daquele dia, em 16 de julho de 2007, Jullyene Lins voltou à 9ª Delegacia da Polícia Civil de Maceió para registrar um novo boletim de ocorrência contra Arthur Lira. Dessa vez, por ameaça. A acusação prescreveu em 15 de setembro de 2009, sem julgamento.

O segundo BO, de 2007, registrado por Jullyene, relata suposta ameaça de Lira

“A vítima estava em sua residência quando soube através de sua babá que seu ex-marido tinha ido até a portaria do prédio e mandou um recado pela mesma, dizendo que os dias da vítima estão contados; que o mesmo tomou essa atitude porque a vítima não permitiu que ele  visitasse seu filho menor, pois não era dia de visita”, registra o documento.

Em depoimento à Delegacia da Mulher, a funcionária que trabalhava com Jullyene confirmou a versão. Segundo Lorena*, o deputado foi até o apartamento levar as malas do filho do casal e, ao chegar lá, interfonou dizendo que queria ver o caçula. Ao receber a resposta negativa da babá, Lira teria dito que os dias de Jullyene estavam contados e que ele iria entrar com uma ação na Justiça para ver o filho.

Jullyene afirmou em seu relato à polícia que, ao ficar sabendo, olhou pela janela e viu que o carro do ex-marido estava parado na esquina. Ela conta que se sentiu ameaçada e que seu advogado a orientou a registrar a ocorrência. Ainda de acordo com Jullyene, no trajeto para a delegacia, ela percebeu que Lira a estava perseguindo, mas em determinado momento ele teria desviado o caminho.

Por conta dessa denúncia, Jullyene conseguiu no Tribunal de Justiça de Alagoas uma decisão de medida protetiva. No dia 18 de dezembro de 2007, o desembargador Orlando Monteiro Cavalcanti Manso determinou: “o indiciado Arthur César Pereira de Lira está terminantemente proibido de manter contato pessoal, telefônico, por escrito, ou qualquer outro meio com a vítima Jullyene Cristine Santos Lins e seus familiares, bem como com as testemunhas”, diz a decisão.

Medida protetiva concedida à Jullyene em 2007

A Justiça tentou diversas vezes intimar o deputado, mas enfrentou resistência, levando o desembargador a decretar a prisão de Lira por “coação no curso do processo”, conforme informações do inquérito policial.

Relator acusou Lira de “coação no curso do processo”

O oficial de justiça José Cícero do Nascimento relatou nos autos que, no dia 11 de março de 2008, foi até a Assembleia Legislativa para entregar a intimação a Lira e que ouviu do parlamentar: “Eu recebo já essa merda”. José Cícero certificou, segundo os registros, que aguardou Lira por uma hora e que ao longo desse tempo surgiram várias oportunidades para que ele assinasse o documento.

“Certifico ademais, que não é a primeira vez que o Deputado Arthur Lira destrata um Oficial no cumprimento de um mandado, situação parecida, passou o Sr. Luiz Carlos – Oficial de Justiça, no dia 01 de janeiro de 2007, quando o Deputado presidia a Sessão de Eleição da Mesa Diretora, afirmando que não iria assinar o referido ofício”, acrescentou Nascimento.

Para o desembargador Orlando Manso, Lira tentou paralisar a ação da Justiça, “com objetivo de intimidar a própria vítima Jullyene Cristine Santos Lins, sua ex-esposa, pensando em fazê-Ia desistir da ação penal antes do oferecimento da denúncia”.  O deputado chegou a ser preso no dia 1o de abril de 2008, por “coação no curso do processo”.

Segundo Manso, com o transcorrer dos inquéritos policiais, “tornou-se clarividente a personalidade violenta do réu, não só contra sua ex-esposa”, mas também “com o Serventuário da Justiça no exercício de seu mister profissional em cumprimento às determinações deste Relator”, escreveu.

Segundo desembargador, Lira tentou paralisar a ação da Justiça

Em sua decisão, o desembargador demonstrou indignação com a conduta de Lira. “A figura de Deputado Estadual, que goza de prerrogativas constitucionais, não o transforma em um semi-Deus, inatingível, inabalável, posto que em uma Democracia todos estão abaixo da lei e da ordem, do mais humilde cidadão ao mais graduado na função pública, mesmo sendo Deputado Estadual. Basta!”

O processo por crime qualificado na Lei Maria da Penha correu no Tribunal de Justiça de Alagoas até Lira ser eleito deputado federal, em 2010. Em abril de 2011, por uma razão legal, o caso foi encaminhado ao STF. O motivo: parlamentares detentores de foro especial por prerrogativa de função, o chamado “foro privilegiado”, só podem ser processados pela Procuradoria Geral da República (PGR) no STF.

Processo correu no Tribunal de Justiça de Alagoas mas só foi julgado no STF nove anos depois. Foto: Divulgação TJAL

Nove anos depois, Lira é inocentado
Quando Arthur Lira foi denunciado pela primeira vez por Jullyene, em novembro de 2006, ele ainda era deputado estadual em Alagoas. O julgamento, no entanto, ocorreu nove anos depois, em setembro de 2015, quando o político já influente em Brasília, estava em seu segundo mandato na Câmara dos Deputados.

Nesse período, a esposa do advogado de defesa de Jullyene foi nomeada no gabinete de Arthur Lira – onde está até hoje – e Jullyene, sua mãe, irmão e a babá voltaram atrás em seus depoimentos, negando as agressões do parlamentar. Como já relatado pela denunciante, Jullyene alega que mudou o depoimento sob ameaça. Segundo ela, Lira teria lhe dito após o ocorrido: “Onde não há corpo, não há crime”.

“Ele foi até a minha casa. Tinha uma mesa grande na varanda, pediu para falar comigo e disse batendo na mesa – porque ele tem mania de falar batendo na mesa – ‘Você vai tirar essa denúncia, você vai para a audiência e vai desmentir tudo porque eu vou tirar os meninos de você. Ou você faz isso, ou eu tomo os meninos de você’. Os meninos eram todos pequenos. Eu já tinha medo, eu estava sem dinheiro, o meu advogado sumiu”, acrescentou.

Segundo ela, durante a audiência, o segurança e o motorista de Lira a buscaram em casa. “Para eu desmentir tudo. Não fui com meu advogado, fui com advogado dele. E ele ainda me cutucando por debaixo da mesa. O juiz olhando para mim como quem diz assim: ‘Fale’”, afirmou.

Jullyene mudou o depoimento, segundo ela, por ter sido ameaçada. Familiares também mudaram versão. Foto: Alice Maciel

De acordo com os autos, o advogado que a acompanhou na audiência às 12h30 de 15 de outubro de 2013 – que teria ligação com Lira, segundo Jullyene – é Luiz de Albuquerque Medeiros Neto. Seu nome apareceu recentemente no noticiário por ser o proprietário de uma sala em Maceió que foi alvo de busca e apreensão da Polícia Federal (PF) na Operação Hefesto, como revelou o site Metrópoles.

No local está registrada a sede da empresa do ex-assessor de Lira, Luciano Cavalcante, investigado no suposto esquema de fraude na compra de kits de robótica para municípios alagoanos; e também abrigou o diretório do União Brasil em Alagoas – presidido por Cavalcante. Medeiros Neto aparece também em registros da Câmara dos Deputados como secretário parlamentar em 2012 e 2014.

A audiência foi requerida pela defesa de Lira em agosto de 2012, após os advogados terem juntado aos autos um “termo de renúncia à representação criminal”, assinado por Jullyene, onde ela justifica que teria denunciado o ex-marido por estarem na época envolvidos em um conturbado processo de separação judicial.

“Passados quase 06 anos de tal representação, iniciar-se eventual processo criminal contra Arthur por aqueles fatos que foram objeto de minha representação se torna prejudicial à minha própria pessoa e à estabilidade psicológica de nossos filhos eis que os problemas então existentes foram resolvidos, e tal procedimento apenas traria à tona uma desavença pretérita que o tempo se encarregou de resolver”, escreveu, acrescentando: “Venho, através da presente, retratar-me de tal ato, requerendo, portanto, seja devidamente arquivado todo e qualquer procedimento existente contra Arthur Cesar Pereira de Lira que tenha se originado”.

Além de negarem a agressão à sua ex-companheira, os advogados de Lira questionaram o laudo de exame de corpo de delito, as declarações da vítima e das testemunhas. “Ora, as cinco lesões descritas no laudo pericial, todas na região da coxa e braço, não são compatíveis com 40 minutos seguidos de agressões como tapas, chutes, pancadas e puxão de cabelos. Da mesma forma, o depoimento da testemunha Luciana* [a babá] não é compatível com o referido laudo médico”, destacou a defesa do deputado.

Com base nesses argumentos e na suposta retratação de Jullyene, os advogados de Lira, além da audiência, solicitaram a extinção da ação.

A então procuradora-geral da República Helenita Caiado de Acioli, no entanto, contra-argumentou: “Qualquer manifestação da vítima que represente uma retratação, seja por escrita, seja em audiência, mostra-se vazia e inapta a produzir efeitos no tocante à ação penal, uma vez que o interesse público na apuração do crime de lesão no ambiente doméstico, por zelar por valores que transcendem o plano individual, como a integridade da família e da mulher, sobrepõe-se, em muito, os interesses das partes envolvidas”, manifestou-se em 20 de agosto de 2013.

“Inicialmente, cumpre notar que o citado laudo pericial foi produzido no dia seguinte às agressões sofridas, tempo suficiente para o desaparecimento de eventuais eritemas [hematomas], mas insuficiente para a constatação de equimoses, motivo pelo qual os peritos puderam responder positivamente ao quesito sobre a existência de ofensa à integridade corporal da vítima, apontando como meio produtor da ofensa ‘instrumento contundente’, o que é compatível com as declarações prestadas pela ex-companheira do denunciado e as testemunhas inquiridas na fase extrajudícial”, escreveu Helenita Acioli, posicionando-se a favor do recebimento da denúncia pelo STF.

Lira foi inocentado pelo caso nove anos depois, quando já era deputado federal em Brasília. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Razões da absolvição pelo STF
A Procuradoria-Geral de República (PGR) havia apresentado a denúncia contra o parlamentar em 9 de março de 2012, seis anos após o suposto crime, a qual só foi recebida pelo STF em 5 de dezembro daquele ano, com cinco votos favoráveis e três contrários – a ministra Cármen Lúcia se ausentou e o então ministro Joaquim Barbosa não votou porque presidia a sessão.

Apesar de não ter descartado a suposta agressão, no dia 10 de março de 2015 o então procurador-geral Rodrigo Janot mudou o posicionamento anterior do órgão e manifestou-se pela absolvição de Arthur Lira: “Com efeito, as lesões descritas no laudo e reveladas nas fotografias não tendem a ter sido produzidas em entrevero descrito como tendo sido a tal ponto violento. É provável, com efeito, que tenha havido alguma agressão pelo réu a Jullyene Lins: o modo como ela e outras testemunhas acudiram à autoridade policial, inclusive com sujeição a exame pericial e fornecimento de fotografias, sugere que assim tenha sido. Mas não se trata da probabilidade elevadíssima que, no juízo de prova, além de dúvida razoável, autoriza a condenação penal”, destacou.

E concluiu: “Impende, portanto, como forma de resguardar a respeitabilidade do sistema de justiça criminal, não só absolver o réu, mas possibilitar à instância ordinária a promoção da responsabilidade de Jullyene Lins pelo crime de denunciação caluniosa”.

Quatro meses depois, em setembro de 2015, a Segunda Turma do STF absolveu Arthur Lira por ausência de provas. Os ministros também entenderam que o crime prescreveu, por demora na apresentação da denúncia.

As mudanças nos depoimentos e os argumentos da defesa de Lira sobre o laudo médico também motivaram a absolvição. “Apesar do laudo de exame de corpo de delito comprovar que a vítima apresentava lesões leves no momento da realização do exame, não há, nos autos, outras provas que corroborem um juízo condenatório. Ademais, vale dizer, os tipos de lesões atestadas no laudo pericial não indicam agressões conforme declarações iniciais da vítima, o que, agregado à mudança de versão nos depoimentos, acarreta dúvida sobre a veracidade dos fatos narrados na denúncia”, disse o falecido relator do caso, ministro Teori Zavascki, que foi acompanhado pelos ministros Celso de Mello, já aposentado, e Cármen Lúcia, à época integrantes da Segunda Turma do STF. Os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes se ausentaram, e o ministro Celso de Mello presidiu a sessão.

Ainda de acordo com Zavascki, o crime de lesão corporal no âmbito de violência doméstica não restou suficientemente comprovado. “A bem da verdade, não há prova a indicar que a vítima tivesse, de fato, sido agredida ou que o réu fosse o autor das lesões leves que a vítima apresentava no momento do exame perícia, porquanto, como se verifica das declarações da própria vítima, ela teria “inventado” as agressões narradas na denúncia por motivo de vingança”, acrescentou o relator em seu voto.

Histórias que se repetem Brasil afora
No julgamento que absolveu Arthur Lira, os ministros da Segunda Turma do STF não consideraram que nos casos de violência doméstica é comum as supostas vítimas voltarem atrás em seus depoimentos, conforme destacou o ex-Ministro Marco Aurélio Mello em seu voto para acatar a denúncia da PGR, em 5 de dezembro de 2012.

“É uma constante. A agressão ocorre, no meio doméstico, e, posteriormente, tendo em conta até mesmo a paixão, a agredida se arrepende e dá o dito pela não dito, para haver, a seguir, quase sempre, como revelam as estatísticas da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, agressão em dose maior. Isso aconteceu com aquela que deu origem à Lei que teve o próprio nome — Maria da Penha. E foi preciso um pronunciamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para o Brasil marchar na campanha normativa e promulgar a Lei no 11.340/2006”, destacou o membro da Corte na ocasião.

A Lei Maria da Penha tinha recém-nascido quando Jullyene Lins denunciou Arthur Lira por agressão e ameaça. Ela foi sancionada no dia 7 de agosto de 2006, ou seja, apenas três meses antes.

De lá pra cá, muito se avançou. Mais recentemente, por exemplo, em julho de 2021, foi sancionado pelo governo federal o projeto que incluiu no Código Penal o crime de violência psicológica contra a mulher.

Mas, apesar de o Brasil ter uma das melhores leis contra violência doméstica no mundo, os números de agressão contra mulheres são alarmantes.

Uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública encomendada junto ao Instituto Datafolha, divulgada em março deste ano, revelou que uma a cada três mulheres brasileiras com mais de 16 anos já sofreu violência física e/ou sexual de seus parceiros ou ex-parceiros.

Isso significa, conforme os dados, que 33,4% da população feminina do país já foi vítima de violência física e/ou sexual por parte de seus parceiros íntimos ou ex-companheiros.

Ainda de acordo com o estudo denominado “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, se forem considerados casos de violência psicológica, 43% das mulheres brasileiras já foram vítimas do parceiro íntimo. Dentre as principais vítimas, estão as divorciadas, além das negras, de baixa escolaridade e com filhos.

O estudo, que está em sua quarta edição, apontou a primeira vez o ex-companheiro como o principal autor da violência (31,3%), seguido pelo atual parceiro íntimo (26,7%). O autor da violência é conhecido da vítima na maior parte dos casos (73,7%).

De acordo com a pesquisa, 45% das mulheres vítimas de violência relataram não terem tomado atitudes diante da agressão mais grave que sofreram, e 38% afirmaram que “resolveram a situação sozinhas”.

 

*Os nomes foram alterados para preservar a identidade das testemunhas no processo.

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Firma de advocacia de Flávio Bolsonaro tem contratos “consideráveis”, diz administradora https://canalmynews.com.br/brasil/firma-de-advocacia-de-flavio-bolsonaro-tem-contratos-consideraveis-diz-administradora/ Thu, 30 Jun 2022 15:46:28 +0000 https://canalmynews.com.br/?p=30980 Administradora do escritório, que não é advogada, afirma não ter acesso ao nome dos clientes, entre eles uma igreja, e ter contato com Flávio apenas por WhatsApp.

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selo agência pública

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) registrou um escritório de advocacia em sua mansão, em Brasília, que teria apenas dois clientes: um deles uma igreja, segundo depoimento exclusivo da administradora da firma, Letícia Caetano dos Reis, para a Agência Pública. Apesar de estar registrada na Receita Federal como administradora da “Flávio Bolsonaro Sociedade Individual de Advocacia”, ela afirmou à reportagem que não tem acesso aos nomes dos clientes.

Flávio não é impedido de trabalhar como advogado por ocupar o cargo de senador. Contudo, de acordo com o Estatuto da Advocacia, parlamentares não podem exercer a profissão contra ou a favor de pessoas, empresas e organizações ligadas à administração pública.

Segundo Letícia Reis, as informações sobre os contratos só são repassadas pela contabilidade com autorização do senador. Ela disse ainda só ter contato com o primogênito de Jair Bolsonaro (PL) pelo WhatsApp. “Meu contato com ele é só via WhatsApp mesmo, não tenho esse contato físico diretamente com ele não”, reforçou.

A administradora afirmou à reportagem que a movimentação da empresa, aberta em abril do ano passado, é pequena, mas “os contratos que são feitos têm um valor considerável”. De acordo com ela, esses contratos estão suprindo os custos do escritório “e tem o capital da empresa também”. O capital social registrado na Receita Federal é de R$ 10 mil. Ela observou ainda fazer uma retirada mensal de pró labore e disse não ter participação nos lucros do escritório.

Segundo Letícia, que não é advogada, a firma não tem funcionários. “Não tá tendo muita movimentação e também não tem funcionário registrado”, destacou.

mansão de flávio bolsonaro

Flávio Bolsonaro registrou escritório de advocacia no mesmo endereço da mansão milionária que comprou em Brasília. Foto: Agência Pública

A reportagem enviou uma série de perguntas ao senador questionando os nomes dos clientes, os serviços prestados por seu escritório, o papel de Letícia Reis na empresa, os honorários recebidos, o motivo de ele ter registrado sua firma na própria residência, mas não obteve retorno de nenhum dos questionamentos. A assessoria de imprensa informou por meio de nota que “em função do sigilo profissional, o senador e advogado Flávio Bolsonaro fica impedido de comentar os dados da reportagem”.

Recentemente, Flávio Bolsonaro informou à Justiça que usa a renda de seu trabalho como advogado para pagar o financiamento da mansão de R$ 5,97 milhões, adquirida em março de 2021, conforme mostrou a Folha de São Paulo. Quando a compra foi revelada pelo site Antagonista, ele não citou os ganhos na área. A defesa do senador incluiu a atuação dele como advogado para justificar a renda após ação movida pela deputada federal Erika Kokay (PT-DF) no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DFT). A parlamentar questionou a capacidade do político em obter financiamento de R$ 3,1 milhões no Banco de Brasília (BRB) para a compra do imóvel.

A residência fica localizada no Setor de Mansões Dom Bosco, no Lago Sul, bairro nobre da capital federal e possui 1.100 m² de área construída, em um terreno de 2.500 m². O escritório do senador foi registrado na Receita Federal no mesmo endereço.

Além do escritório de advocacia, a defesa de Flávio também mencionou a renda do senador como “empresário e empreendedor”. Ele foi sócio de uma loja da franquia de chocolates Kopenhagen na Barra da Tijuca, no Rio. A loja foi alvo de investigação do Ministério Público Estadual por suspeita de lavagem de dinheiro no processo das rachadinhas na Assembleia do Rio.

Nome do senador não aparece em processos que tramitam na Justiça

Apesar do escritório de advocacia ter sido registrado há mais de um ano, a reportagem não localizou processos tramitando na Justiça com o parlamentar listado como advogado. Além da atuação em processos judiciais, um advogado pode atuar em consultorias, em casos na esfera administrativa ou fornecendo pareceres.

O senador anunciou em 21 de abril de 2021 sua inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF), cinco dias após cadastrar sua empresa na Receita Federal, em 16 de abril, no mesmo endereço de sua mansão. Antes, ele já tinha o registro no Rio de Janeiro, onde foi eleito senador.

OAB Flávio Bolsonaro

Flávio Bolsonaro anunciou inscrição na OAB do DF cinco dias após cadastrar escritório de advocacia na mansão milionária que comprou em Brasília. Foto: Reprodução Instagram

De acordo com o estatuto da profissão, o advogado tem direito à inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia.

O advogado da família Bolsonaro, Frederico Wassef, por exemplo, escondeu Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Assembleia do Rio, em uma casa registrada como seu escritório de advocacia, em Atibaia (SP). Queiroz foi preso no local em junho de 2020. Um inquérito foi instaurado para apurar se o escritório seria de fachada, mas foi arquivado em agosto do ano passado por não terem sido identificados indícios de crime. 

Administradora de escritório teria sido indicada por advogado amigo de Flávio Bolsonaro

Letícia Reis contou ter entrado no escritório de Flávio Bolsonaro por indicação do advogado Willer Tomaz, amigo do senador e conhecido em Brasília por atuar para vários políticos, como por exemplo, Arthur Lira (PP-AL). Seu escritório, também localizado no Lago Sul, atua nas áreas cível, criminal, eleitoral, administrativa, empresarial e tributário.

“Eu fui convidada por um conhecido [do Flávio Bolsonaro] que também me conhecia. Eles me ofereceram para entrar em sociedade para administrar a empresa dele e aí eu aceitei para fazer essa administração”, disse à reportagem.

Willer afirmou à reportagem, no entanto, desconhecer Letícia Reis. Já Flávio Bolsonaro não respondeu aos questionamentos sobre a relação de sua parceria na firma e seu amigo advogado.

O jornalista Guilherme Amado detalha em seu livro Sem Máscara a relação do senador com Willer. Segundo ele, Willer, Frederico Wassef, e Flávio Bolsonaro, “haviam se tornado um trio tão próximo em Brasília que ganharam o apelido de ‘WWF’”. Procurado, Willer afirmou:  “Flávio é um colega querido. Fred Wassef não conheço”.

Amado narra ainda que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a atuação do governo na pandemia recebera a informação de que os três teriam atuado de maneira ilegal na compra da vacina Covaxin. O então relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), teria solicitado à Receita Federal a lista de empresas e relações societárias de uma série de alvos da comissão, entre eles, Wassef e Tomaz, o que teria irritado Flávio.

“O Fred é meu amigo. O Willer é meu amigo. Daí a fazer negócio e operar por trás, esquece. Não tem nada”, afirmou o senador quando Renan Calheiros perguntou ao deputado Luiz Miranda (Republicanos-DF) se ele conhecia os dois advogados.

Em 2017, Willer Tomaz foi alvo da operação Patmos, que é um desdobramento da Lava Jato. Ele ficou três meses preso, acusado de intermediar propinas a um procurador da República apontado como infiltrado no Ministério Público Federal para repassar informações aos donos da JBS, os irmãos Joesley e Wesley Batista. Segundo o MPF, isso teria gerado prejuízo ao andamento das investigações das operações Lava Jato e Greenfield. Em junho de 2021, a Corte Especial do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1) rejeitou a denúncia contra ele e os outros investigados. “Esse inquérito Patmos foi arquivado pelo TRF1. Os próprios delatores se retrataram”, afirmou Willer Tomaz à Pública. 

Reportagem originalmente publicada na Agência Pública

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Zema coloca prima de chefe de mineradora em órgão que decide mineração na Serra do Curral https://canalmynews.com.br/politica/zema-coloca-prima-de-chefe-de-mineradora-em-orgao-que-decide-mineracao-na-serra-do-curral/ Tue, 24 May 2022 13:46:12 +0000 https://canalmynews.com.br/?p=28625 Presidente anterior do Iepha foi exonerado após enviar ofício ao Ministério Público revelando possível ilegalidade no processo de licenciamento do empreendimento da Tamisa.

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Em meio à polêmica envolvendo a exploração da Serra do Curral, cartão-postal de Belo Horizonte, o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), nomeou para a presidência do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) a prima do diretor executivo e sócio da empresa que quer minerar a serra, a Taquaril Mineração S/A (Tamisa).

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A arquiteta Marília Palhares Machado e o advogado Guilherme Augusto Gonçalves Machado são primos de primeiro grau por parte de pai, conforme apurou a Agência Pública. O governo de Minas informou que ela foi convidada “por seu currículo, experiência e trajetória em defesa do Patrimônio Histórico”. Marília assumiu a gestão do Iepha em 14 de maio no lugar de Felipe Cardoso Vale Pires, exonerado no mesmo dia. Dois meses antes, Pires havia encaminhado um ofício ao Ministério Público revelando possível ilegalidade no processo de licenciamento do empreendimento da Tamisa. O governo de Minas informou que Marília foi convidada “por seu currículo, experiência e trajetória em defesa do Patrimônio Histórico”.

Ao tomar posse da presidência do Iepha, ela, automaticamente, assume a secretaria-executiva do Conselho Estadual de Patrimônio Cultural (Conep), que irá decidir sobre o tombamento estadual da Serra do Curral, uma pedra no sapato da Tamisa, uma vez que, aprovado, impediria a exploração minerária na região. Será papel de Marília, em conjunto com o Secretário Estadual de Cultura e Turismo e presidente do conselho, Leônidas Oliveira, colocar na pauta de votação o dossiê que fundamenta o tombamento.

O Iepha ainda está no centro do debate sobre a legalidade da licença concedida ao empreendimento, em 30 de abril, pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). Em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual de Minas Gerais (MPMG) solicitando a suspensão do licenciamento, os promotores apontam a falta do estudo de impacto ao patrimônio cultural e da anuência válida expedida pelo Iepha, “razão pela qual a licença ambiental é nula de pleno direito”, observam.

“No caso em análise, apesar dos significativos impactos ao patrimônio cultural, não houve apresentação prévia de Estudo de Impacto ao Patrimônio Cultural (Epic) e nem anuência prévia do Iepha. Dessa forma, o procedimento de licenciamento ambiental padece de flagrante vício de ilegalidade, por ter dispensado indevidamente exigências expressas na legislação estadual”, destacam ainda os promotores na ação apresentada em 05 de maio.

Ministério Público investiga possível ilegalidade no processo de licenciamento da Serra do Curral. Foto: Luiz Santana (ALMG)

A informação de que o empreendimento da Tamisa não passou pela análise do Instituto e nem recebeu o aval do órgão foi encaminhada ao Ministério Público por meio de ofício, em 22 de março, assinado por Felipe Pires – exonerado dois meses depois da presidência do Iepha. O documento é citado na Ação Civil Pública do MPMG.

O diagnóstico feito por Pires também consta em e-mail encaminhado por ele no dia 23 de março ao Superintendente de Projetos Prioritários (Suppri) da Secretaria de Meio Ambiente, Rodrigo Ribas, ao qual a reportagem teve acesso – a Suppri é onde está tramitando o processo de licenciamento do projeto minerário.

Em resposta, Ribas se contrapôs aos argumentos do então presidente do Iepha e defendeu que o órgão não se manifestasse no processo: “Vimos (sic), portanto, solicitar deste Instituto manifestação acerca do atendimento ao que está devidamente orientado pela AGE (Advocacia Geral do Estado), no sentido de, não havendo impacto, não haver manifestação desse órgão”, escreveu. Ele justifica ainda que o Instituto já teria avaliado o empreendimento.

Conforme Pires escreveu no documento enviado ao Ministério Público, no entanto, a última anuência expedida pelo Iepha é de dezembro de 2018 e se refere à análise do projeto inicial apresentado pela Tamisa em 2014, que foi arquivado a pedido da empresa, em 2019.

O projeto que recebeu o licenciamento do Copam foi apresentado ao governo em 2020. “Isto posto, por se tratar de processo hoje em tramitação, com nova solicitação administrativa de licenciamento ambiental do empreendimento/atividade, conforme dados constantes no Sistema de Licenciamento Ambiental/SLA, é necessária a apresentação de estudos completos acompanhados de toda documentação pertinente à avaliação de impacto ao patrimônio cultural para nova análise por este Instituto”, ressaltou Felipe Pires.

A Semad informou que a troca de e-mails entre Felipe Pires e Rodrigo Ribas é parte do processo de licença ambiental e está registrada publicamente. O órgão diz que a mensagem trata da solicitação de informação sobre o pedido, que foi feito pelo Instituto, do estudo e relatório de impacto ao patrimônio cultural, “tendo em vista duas condições que não haviam sido levadas em conta pelo Iepha”: a de que existe uma orientação jurídica, aprovada pela AGE, de que “a informação de impacto sobre bem cultural acautelado deve ser prestada pelo empreendedor” e de que não existem dados sobre o tombamento definitivo ou provisório na área do empreendimento. “Inexistindo tombamento, impede a solicitação de estudo de impacto sobre bem tombado”, informou a Secretaria à reportagem.

Felipe Cardoso foi exonerado dois meses após encaminhar o ofício ao MP. Foto: Reprodução Facebook (IEPHA)

Felipe Pires foi desligado do cargo depois de um ano à frente da gestão do Iepha. Procurado, o governo de Minas negou que a  exoneração tenha relação com o imbróglio envolvendo a Serra do Curral. “Ele deixou o cargo a pedido encaminhado há três meses”, diz a nota. “A alternância na presidência do Iepha dará continuidade às boas práticas de gestão e condução transparente dos trabalhos”, acrescenta.

Pires informou, por meio de nota, que sua saída “vinha sendo negociada há alguns dias e por definição da gestão estadual foi concluída no dia 14 de maio de 2022”. “Todo meu trabalho na presidência do Iepha foi realizado de modo técnico, tal como orientado pelo governo, pautado pela legalidade e regularidade dos processos sob minha responsabilidade”, acrescentou.

Laços de família 

Prima do gestor da mineradora, Guilherme Machado, a nova presidente do Iepha possui um perfil técnico. Em governos anteriores, ela já foi superintendente e diretora de promoção no órgão. Marília também coordenou, em Ouro Preto,  a aprovação do 1º Plano Diretor no Iphan e atuou no processo que transformou Diamantina em Patrimônio Cultural da Humanidade.

Em 13 de abril, um mês antes de assumir a presidência do Iepha, foi nomeada por Zema como representante da sociedade civil do Conep, onde está parado o processo de tombamento estadual da Serra, que impediria a exploração minerária no local. Ao assumir a gestão do Iepha, ela vira secretária-geral do conselho.

Marília Machado e o advogado Guilherme Machado são primos de primeiro grau por parte de pai. Foto: Reprodução FAU (UFJF)

A Pública apurou que o pai de Marília, Abel de Oliveira Machado, é irmão do pai de Guilherme, Haroldo de Oliveira Machado. Em seu currículo no Linkedin, Guilherme Machado informa que é diretor-executivo da Tamisa desde janeiro de 2012. Ele também é consultor jurídico da Construtora Cowan, que tem como donos Bruno e Saulo Wanderley, detentores de 83% das ações da mineradora. Na receita federal, o nome de Guilherme Machado aparece como um dos sócios da Tamisa.

Segundo o Jornal O Tempo, o advogado representa a construtora Cowan em mais de 20 processos, sendo pelo menos 14 deles ligados à queda do viaduto Batalha dos Guararapes, em 2014, na capital mineira.

Por meio de nota, a Tamisa ressaltou que não há vedação legal na normativa estadual em relação ao parentesco da nova presidente do Iepha com o diretor da empresa. “Ademais, tratam-se de primos de relação distante, que não possuem qualquer proximidade pessoal”, acrescenta.

Ainda de acordo com a mineradora, “em manifestação oficial ao órgão licenciador, o ex-presidente Felipe, confirmou que o projeto já possui análise e anuências emitidas por presidente anterior do Iepha, e que estas dispensam nova manifestação do órgão”. “A Tamisa segue as normas legais. As relações com os órgãos públicos são estritamente formais e baseadas em princípios éticos, independentemente de quem ocupe cargos políticos, em qualquer momento de seu procedimento administrativo”, destacou a empresa.

Processo de tombamento que poderia salvar a Serra está parado 

Um grupo de 10 dos 21 conselheiros do Conep divulgou no dia 21 de março uma carta aberta denunciando a resistência do governo de Minas Gerais “em suas diversas instâncias” para que o tombamento estadual da Serra do Curral seja efetivado. “Estas resistências têm se configurado desde a deslegitimação do excelente dossiê que subsidia o tombamento até manobras jurídico-administrativas de protelamento do ato”, observam.

O estudo foi concluído em 2020 e aprovado pelo Iepha no início de 2021. Em maio, o MPMG expediu recomendação ao secretário Leônidas para que o colocasse em votação na primeira reunião do Conep. Segundo os conselheiros, no entanto, não houve nenhuma convocação naquele ano.

“Face a essa demora, só após forte mobilização social e grande repercussão na mídia, foi convocada reunião do Conselho para o dia 21 de dezembro de 2021, mas não foi incluído como ponto de pauta a proteção da Serra da Curral, sendo o tema tratado apenas como um informe questionando o dossiê aprovado pelo próprio Iepha e estendendo para mais de seis meses seu exame e até mesmo a propositura de um substitutivo, para que houvesse tempo de estimar os ‘impactos econômicos’ do ato, procedimento nunca visto em qualquer ato de tombamento”, denunciaram os conselheiros.

O governo informou, por intermédio da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo, que antes da apresentação do estudo ao Conep, “os municípios contemplados (Nova Lima, Sabará e Belo Horizonte) questionaram as consequências em seus territórios”. “No intuito de ampliar o debate e somar contribuições aos estudos, além de garantir a manifestação dos municípios, Iepha e MPMG acordaram em aditar o Termo de Compromisso para o possível tombamento”, diz em nota.  “Atualmente, comunicações e reuniões entre os gestores de Belo Horizonte, Nova Lima e Sabará já foram realizadas e novas rodadas técnicas estão previstas ao menos até agosto”, acrescenta.

O dossiê de tombamento da Serra do Curral é fruto de um Termo de Compromisso firmado em 2017 pelo Iepha e o MPMG. A Serra do Curral é tombada pelo patrimônio municipal de Belo Horizonte e pelo Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), mas apenas o tombamento estadual garantirá a proteção total da região. Isso porque, o tombamento a nível municipal se restringe aos limites da capital – o empreendimento da Tamisa, por exemplo, é em Nova Lima, região Metropolitana de Belo Horizonte. Já o nacional, atinge uma área muito restrita da Serra.

Conteúdo originalmente publicado na Agência Pública e reproduzido em parceria com o MyNews.

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