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]]>A Revista AzMina levantou toda a ação do governo relacionada a temas de valorização da família, gênero, direitos sexuais e reprodutivos, temas LGBTQIA+ e educação domiciliar. Foram analisados decretos, portarias, medidas provisórias, cartilhas e campanhas governamentais, direcionamento orçamentário, execução orçamentária e propostas legislativas. As pautas aparecem em ações da Presidência, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, do Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Ministério de Relações Exteriores e do Congresso.
Enquanto no executivo predominam as pautas de proteção à vida desde a concepção e valorização da família, com cinco ações cada; no legislativo os temas mais abordados são em relação a criminalização total do aborto (29 projetos de Lei) e redução de direitos LGBTQIA+ (12).
As ações deixam claro que a valorização da família e o ataque aos direitos das mulheres são elementos centrais do fazer político desse governo, e o perfil das ações indicam uma conexão direta com a política econômica neoliberal, que prega a menor participação possível do Estado na economia. “Esta pauta conservadora é fundamental para que as mulheres façam um trabalho gratuito que é estruturante para a economia capitalista”, explica a cientista política Clarisse Goulart Paradis, professora do Instituto de Humanidades e Letras da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB/Bahia).
Não à toa, a antiga Secretaria de Políticas para Mulheres perdeu seu status ministerial e foi criado o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, vinculando diretamente os temas relacionados aos direitos da mulher à família. Nos programas orçamentários, deixou de existir o Programa 2016, chamado “Políticas para as Mulheres: Promoção da Igualdade e Enfrentamento a Violência” e em seu lugar veio o “Programa 5034 – Proteção à vida, fortalecimento da família, promoção e defesa dos direitos humanos para todos”. Além disso, o governo deixou de usar um terço do orçamento autorizado para políticas voltadas para mulheres, tanto na área de combate à violência, quanto em políticas de saúde. Ao mesmo tempo em que no Congresso todo um vocabulário conservador tem se tornado frequente em tentativas de reduzir os direitos das mulheres.
O levantamento mostra que o governo está colocando em ação aquilo que já deixava claro no seu discurso, em uma forma de governar que tem sido definida por especialistas de diversas formas, e um dos termos usados é o neoconservadorismo – uma aliança entre o conservadorismo e o neoliberalismo. Na prática, a ideia é reforçar o lugar da família (e principalmente da mulher) como entidade responsável por obrigações que antes seriam de responsabilidade do governo, como o cuidado das crianças e idosos. Quer um exemplo? Se antes o governo era o responsável por garantir a educação das crianças, com serviços de creche e escolas, agora o objetivo é liberar a educação domiciliar, assim isso passa a ser responsabilidade da família e um gasto e preocupação a menos para ele.
No livro “Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina”, Flávia Biroli, Maria das Dores Campos e Juan Marco Vaggione explicam que o termo é “utilizado para lançar luz sobre os tipos de coalizões políticas estabelecidas entre diferentes atores – religiosos e não religiosos – visando manter a ordem patriarcal e o sistema capitalista”. Eles partem de uma lógica de que a liberdade sexual e a emancipação da mulher teriam levado a um cenário de irresponsabilidade masculina e vulnerabilidade feminina, levando ao discurso da defesa da família. Não à toa o governo vem falando tanto de “paternidade responsável”: a ideia é voltar a enxergar o homem como chefe e provedor de família, responsável pelas decisões da casa, inclusive a de ter ou não filhos.
“Pensar a pauta conservadora separada das questões materiais é um erro. Nós não podemos pensar uma pauta só dos costumes se tivesse desatrelada das disputas materiais. Classe, raça e gênero cortam nossas condições de vida”, defende Clarisse Goulart Paradis. É neste cenário que se torna importante analisar as pautas morais no atual governo sob a luz de sua política econômica.
Clarisse explica que nesse contexto neoconservador, as pessoas são muito mais responsáveis pelos riscos e pela reprodução da vida, ou seja, pelos trabalhos invisíveis e não remunerados de gerar e criar novas pessoas. “É essencial para o governo colar a mulher à família, à maternidade, para aproveitar do trabalho gratuito que é fundamental e chamado de amor”.
Como dissemos, um exemplo prático disso no atual governo é como a lógica de privatização e ausência do Estado reflete na questão da educação das crianças. Enquanto o Congresso tenta passar a legislação para a educação domiciliar, o Ministério da Educação não usou nada dos recursos disponíveis para estruturar as escolas para a volta da educação presencial, conforme revelou o jornal O Globo, mas publicou uma cartilha para orientar a educação domiciliar. Para o governo, é essencial que as famílias – e majoritariamente as mulheres – passem a se responsabilizar por essa atividade. Em textos de projetos de lei, parlamentares defendem que “a educação dada pelos pais é um direito natural garantido aos genitores”, e que a “Lei Natural” antecede os direitos humanos. Em outra ação, ao divulgar o programa Auxílio Brasil, o governo passa a incluir um auxílio-creche – que pode ser pago a instituições particulares – ao mesmo tempo em que retira recursos destinados às prefeituras para educação das crianças, como mostrou a Folha de S. Paulo.
Na análise das ações do governo também é perceptível que há muito discurso para embasar a construção da prática. Não se trata apenas das falas dos representantes do Estado, mas também de medidas como a mudança de pastas e programas orçamentários, e a inclusão ou retirada de termos em projetos de lei. Há ainda a Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil no período de 2020 a 2031, que diz que o governo vai “promover o direito à vida, desde a concepção até a morte natural, observando os direitos do nascituro, por meio de políticas de paternidade responsável, planejamento familiar e atenção às gestantes”. Além das recém-anunciadas criações dos dias do nascituro e da paternidade responsável.
No Congresso, são muitos os projetos de lei que tratam de vedar o reconhecimento de identidade de gênero de pessoas trans ou de proibir o uso de termos como gênero ou orientação sexual em escolas.
Ao mesmo tempo em que se reforça a ideia de família como núcleo central da sociedade, há um trabalho de terror sobre os riscos, principalmente para crianças, em relação à pedofilia e às questões de gênero, numa narrativa de crise centralizada na família – a criança em casa, com a família, tem menos chance de ser exposta a esses “riscos”.
“Esse discurso da ideologia de gênero se torna uma pauta fundamental justamente para deixar mais palatável para a sociedade as pautas neoliberais tão impopulares, que no fundo são retiradas de direitos. Se pegar a agenda nua e crua do neoliberalismo, quem vai apoiar isso?”, explica Clarisse.
Também é notável uma mudança de foco das questões da mulher para a família. Assim como no orçamento as políticas para mulheres viraram Proteção à vida, fortalecimento da família, promoção e defesa dos direitos humanos para todos, no combate à violência doméstica o foco saiu do fator de gênero da violência e foi para a questão familiar, como pode ser visto nesta campanha do Ministério. A vítima da violência não é mais a mulher, mas a família, a criança, o idoso, e a agressão, portanto, deixa de ter como motivador o machismo estrutural.
O tema do aborto e saúde sexual e reprodutiva está diretamente atrelado às pautas neoconservadoras e por isso aparece em ações do Congresso, do Ministério da Saúde, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, do Ministério das Relações Exteriores e da Presidência. Em todos os casos, o foco é restringir o direito à interrupção da gestação até nos casos em que ela é permitida no Brasil (estupro, risco à vida da mulher ou anencefalia do feto).
O Congresso lidera o volume, com 29 PLs sobre o assunto, mas sem conseguir a aprovação de nenhum. E vem seguido do Ministério da Saúde, que publicou duas portarias em 2020 dificultando o acesso ao aborto legal, divulgou uma nota contrária à realização do aborto legal por telemedicina e revogou resolução do Conselho Nacional de Saúde que garantia o direito ao aborto legal.
Do presidente, vêm a tentativa de criação do Dia Nacional do Nascituro e também a estratégia federal, que defende o direito à vida desde a concepção. Por fim, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, junto ao Ministério das Relações Exteriores, assinou a Declaração de Consenso de Genebra, um acordo internacional de posicionamento contra o aborto.
Apesar dos retrocessos concretos e riscos, é importante ter em mente também os avanços. No livro “Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina”, Flávia Biroli, Maria das Dores Campos e Juan Marco Vaggione explicam que o conservadorismo é uma resposta a mudanças provocadas por grupos considerados minoritários – uma tentativo de conservar os modos anteriores.
E para Clarisse Goulart Paradis, não podemos esquecer como o movimento de mulheres tem se mantido como uma das principais resistências aos retrocessos: “Não quer dizer que o imaginário feminista esteja acuado, muito pelo contrário. As mulheres têm sido fundamentais pra que esse governo tenha rejeição. O feminismo está num momento de muito engajamento e luta política. E quando esse governo sair, vamos estar preparadas para pensar políticas que sejam mais avançadas do que o que já tivemos”.
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]]>Um levantamento exclusivo da revista AzMina mostra que entre janeiro de 2019 e julho de 2021, o Planalto não gastou R$ 376,4 milhões dos R$ 1,1 bilhão disponíveis para 10 rubricas que têm as mulheres como público-alvo no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e no Ministério da Saúde. É um terço do total de recursos previstos no orçamento da União, carimbados especificamente para este conjunto de políticas públicas e com emprego autorizado pelo Congresso Nacional. O dinheiro, porém, não foi usado para a sua finalidade e possivelmente retornou ao caixa único, abastecendo outros ministérios ou mesmo servindo para fomentar o toma lá dá cá que sustenta o apoio do Centrão ao presidente da República.
Entre os valores que não foram utilizados, está a maior parte dos recursos que deveriam ter servido para a construção e equipagem de Casas da Mulher Brasileira — estruturas de acolhimento, apoio, proteção e acesso à justiça para vítimas de violência doméstica. Desde que Bolsonaro assumiu, dos quase R$ 115 milhões disponíveis para essa política pública, apenas R$ 1 milhão foi efetivamente gasto. Para a Rede Cegonha, a estratégia de planejamento reprodutivo e atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério do Ministério da Saúde, dos R$ 270 milhões autorizados, apenas R$ 182 milhões foram desembolsados e R$ 89 milhões ficaram pelo caminho. Uma contradição e tanto para um governo que tem entre seus lemas a defesa da família desde a concepção.
O período da pandemia marcou os piores desempenhos de Bolsonaro na execução do orçamento voltado às mulheres. As quatro rubricas analisadas pela reportagem no Ministério da Saúde, que tiveram 86,3% dos recursos devidamente empregados em 2019 — seu primeiro ano de mandato — passaram a um patamar de execução inferior a 70% em 2020 e 2021. O problema é generalizado nas respostas à pandemia, conforme mostrou o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em relatório lançado no final de julho: enquanto o número de mortos pela Covid-19 no Brasil atingiu seu pico nos meses de março e abril de 2021, a execução orçamentária destinada para o combate ao coronavírus esteve nos níveis mais baixos no início deste ano.
Quando o recorte de defasagem de investimentos em políticas voltadas para mulheres se detém apenas sobre os recursos de seis rubricas abrigadas atualmente no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a redução nos gastos fica ainda mais evidente. Depois de executar mais de 90% do autorizado em 2019, no ano seguinte a execução orçamentária do governo federal caiu para 30,2%.
O patamar está mantido em 2021 — até julho, 29,14% dos recursos autorizados para políticas públicas que garantem os direitos das mulheres foram empregados — e portanto, esse percentual pode aumentar até dezembro. O problema é que o valor total destinado a estas ações caiu pela metade, de R$ 125 milhões em todo o ano de 2020 para R$ 55 milhões até julho de 2021.
Os valores foram calculados a partir de consulta aos portais do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP) — que permite buscar rubricas orçamentárias por palavra-chave — e do Siga Brasil, do Senado Federal, que fornece acompanhamento em tempo real da execução das despesas do governo federal. Mais sobre a metodologia desta análise pode ser lida no final da reportagem.
Lançada no governo Dilma Rousseff (PT) em 2013, a Casa da Mulher Brasileira reúne em um só espaço físico diversos serviços de atendimento integral a vítimas de violência: alojamentos para receber as mulheres que saíram de casa para se afastar dos agressores, salas para consultas com psicólogas e assistentes sociais, delegacia especializada em crimes contra a mulher e núcleos do Ministério Público e da Defensoria para aconselhar e encaminhar medidas judiciais protetivas. Algumas casas preveem inclusive espaços para cursos profissionalizantes.
A promessa do governo federal quando lançou a ação era chegar a pelo menos uma cidade em cada um dos 27 estados da federação. Mas, apesar da relevância (no final de 2015, 18 estados haviam assinado adesão à política pública), apenas oito casas foram entregues até hoje. Duas delas inauguradas durante o governo Bolsonaro, que apesar disso teve execução orçamentária insuficiente para construir, equipar ou mesmo manter sequer uma dessas casas — pelo menos considerando os contratos fechados pelo governo do Distrito Federal que somam quase R$ 10 milhões para a construção de quatro casas e a manutenção ao longo de dois anos de uma quinta. Trocando em miúdos, o investimento total do atual presidente nessa política pública (pouco mais de R$ 1 milhão) não bastaria para financiar o equipamento, de acordo com os valores de contratos disponíveis para consulta. Segundo apurou o portal UOL, em julho, a Casa da Mulher Brasileira de São Paulo, inaugurada no final de 2019 com a presença de Damares Alves, está sendo mantida apenas com recursos da prefeitura da capital paulistana.
Chama atenção o fato de que em 2019, nenhum real do valor autorizado pelo congresso para a construção das unidades foi pago. Em 2020 e 2021, o dinheiro efetivamente gasto é inferior a 3% do previsto.
A negligência com a Casa da Mulher Brasileira é anterior a Bolsonaro, embora tenha piorado em seu mandato. Em 2017, o ex-presidente Michel Temer (MDB) também destinou zero reais para esses equipamentos, mas seu mandato acumula um valor total aplicado superior, sobretudo graças à execução orçamentária de 2016, ano em que Dilma Rousseff foi afastada do poder e no qual quase R$ 20 milhões foram gastos nesta política.
“O que aconteceu com a Casa da Mulher Brasileira é que não se conseguiu executar o recurso e então, a tendência é a diminuição ao longo dos anos. Teve um problema de gestão, provavelmente agravado pela pandemia”, acredita Carmela Zigoni, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), que estuda o orçamento do governo federal destinado para os direitos das mulheres.
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos atribui o baixo desempenho à complexidade dos projetos necessários para essa política pública. “Vai muito além da mera construção do espaço físico, pois demanda a disponibilização de vários serviços públicos no âmbito federal, estadual e municipal, cuja execução é descentralizada”, justificou a pasta através da sua assessoria de imprensa. Apesar disso, anuncia que há, “no momento, 23 novas unidades em fase de implementação”, sem detalhar o que isso quer dizer.
O orçamento público é todo formatado a partir de códigos e possui uma hierarquia rigorosa. Um ‘programa’ é como se fosse um armário com várias portas que seriam as ‘ações’ e nelas estão gavetas — no linguajar dos técnicos do tesouro, os ‘planos orçamentários’. O armário serve para acomodar dinheiro para uma área comum mesmo quando ele será gasto por diferentes setores do governo. Era o caso do Programa 2016, chamado Políticas para as Mulheres: Promoção da Igualdade e Enfrentamento a Violência, que até 2019 era o principal guarda-chuvas de políticas públicas para mulheres, mas foi extinto por Bolsonaro.
Previsto no Plano Plurianual 2016-2019, o programa tinha objetivos claros relacionados ao combate da desigualdade de gênero: promover a autonomia econômica, social, sexual das mulheres, fortalecer sua participação política, fomentar o diálogo com a sociedade civil e com os movimentos sociais e enfrentar todas as formas de violência contra as mulheres. Outra meta era a transversalidade das políticas dentro do governo federal e entre todas as esferas governamentais – nos estados e nos municípios.
Tudo foi elaborado após debates públicos para a elaboração dos Planos de Políticas Nacionais para Mulheres. “Tivemos a presença de uma diversidade muito grande de mulheres nessa discussão, o que acabava contemplado no Programa: mulheres quilombolas, rurais, indígenas, urbanas, negras, ciganas…”, ressalta Carmela Zigoni.
Mas Bolsonaro substitui tudo isso no Plano Plurianual que elaborou para o período 2020-2023. O Programa 2016 desapareceu, e em seu lugar entrou o Programa 5034 – Proteção à vida, fortalecimento da família, promoção e defesa dos direitos humanos para todos. A palavra “mulher” aparece em apenas um objetivo do novo armário, que coloca ênfase clara no conceito de família.
“O desenho que vinha sendo construído desde 2004 mudou radicalmente e agora adquire um viés mais conservador”, critica o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em relatório lançado no início deste ano que faz um balanço do orçamento do governo federal.
Como consequência, várias portas (ações) desse armário desapareceram ou foram fundidas com outras, dificultando o controle social e reduzindo a transparência, conforme registra um relatório da Comissão Externa de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal.
Bolsonaro também tentou extinguir uma das duas únicas portas preservadas do programa anterior, a ação 218B – Políticas de Igualdade e Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Se dependesse exclusivamente da presidência da República, o orçamento para ela estaria zerado em 2020 e em 2021. Os projetos de lei enviados do Poder Executivo para a Câmara Federal não incluíram essa ação orçamentária no texto.
Foi a insistência da bancada feminina que recriou a ação 218B no orçamento e, desde então, todo o recurso que a alimenta é determinado pelos parlamentares. “A ação é composta por dotação orçamentária exclusivamente oriunda de emendas impositivas de iniciativa do Congresso Nacional”, admite a pasta comandada por Damares Alves. Segundo a nota enviada pela assessoria de imprensa, no âmbito do poder Executivo, essa política pública está contemplada dentro de outra rubrica, de número 21AR (Promoção e Defesa de Direitos para Todos), mas ela abrange outras 21 destinações orçamentárias para públicos diversos, como pessoas com deficiência, quilombolas, idosos, juventude e serve até para garantir medidas de combate ao trabalho escravo.
A Comissão Externa de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados calculou que os valores autorizados nos programas específicos para mulheres dentro do orçamento de direitos humanos e minorias de 2020 cresceram 144% em comparação com os projetos de lei encaminhados pelo Executivo. Segundo os técnicos, “a expansão foi inteiramente proporcionada pela atuação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal” através de emendas parlamentares. “Em realidade, na proposta do Poder Executivo houve um decréscimo de R$ 2,1 milhões [para políticas destinadas às mulheres]”, concluem.
Dados fornecidos pelo Ministério da Justiça à reportagem via Lei de Acesso à Informação revelam outra face do descaso com a garantia de direitos das mulheres que não aparecem nas análises orçamentárias. Recursos do Ministério da Justiça destinados a dois importantes projetos estão caindo vertiginosamente sob Bolsonaro.
No caso mais impressionante, o programa chamado Protejo, que paga bolsas a jovens em situação de violência doméstica como incentivo para frequentarem cursos de capacitação em diferentes áreas gastou, ao todo, R$ 3,3 mil no primeiro semestre de 2021. Em 2019, essa política pública recebeu investimentos de R$ 64,7 mil.
Já o Projeto Mulheres da Paz que também concede bolsas, mas neste caso para mulheres líderes de comunidade que atuam como mediadoras de conflitos em suas regiões, teve gastos sete vezes menores em 2021 do que no primeiro ano de mandato de Bolsonaro: R$ 184,7 mil (em 2019) contra R$ 25.460,00 (até julho deste ano).
Segundo informações prestadas pelo Ministério da Justiça (que utiliza como base de dados a Plataforma+Brasil, diferente da fonte escolhida pela reportagem para este levantamento) dos R$ 15,3 milhão disponíveis para serem gastos desde 2016 em políticas para mulheres, R$ 3,2 milhões foram desembolsados.
Através do portal do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo Federal, a reportagem selecionou 10 ações orçamentárias executadas entre 2016 e 2021 que têm a palavra “mulher” em seu título.
Das 10 ações selecionadas, seis estavam relacionadas ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e quatro ao Ministério da Saúde.
Das seis ações do MMFDH, cinco existiam em 2016. Em 2018, quatro dessas ações foram fundidas e deram origem a uma nova ação, tornando-se cada uma delas Planos Orçamentários (que seriam as gavetas das portas dos armários). Mesmo com a transformação, os recursos foram considerados na comparação da evolução do orçamento.
Das quatro ações contabilizadas no MS em 2016, só restou uma em 2021. Foi possível rastrear o caso da Rede Cegonha, que se transformou em um Plano Orçamentário — incluído no quadro comparativo desta reportagem
A reportagem solicitou à pasta que explicasse o fim das demais ações para eventualmente somar os valores, mas a resposta que obteve foi bastante genérica: “ O Ministério da Saúde informa que as políticas públicas de Saúde da Mulher estão em constante construção destinadas para a redução da mortalidade materna, fortalecimento do pré-natal, estruturação do cuidado materno infantil em rede, oferta de contraceptivos e capacitação de profissionais de saúde. A pasta destaca que há constante revisão e consolidação das ações e que não há fragilidade em manter os programas direcionados para a saúde da mulher diretamente em planos orçamentários, ao invés de em ações orçamentárias, visto que o orçamento para a execução da política pública se mantém e as políticas continuam ativas”.
Para os cálculos desta reportagem, foram considerados os valores incluídos nas etapas “autorizada” e “restos a pagar + pago”— que contabiliza todo o recurso desembolsado em um único ano, ainda quando se refira a projetos contratados em anos anteriores.
Os valores foram coletados na plataforma Siga Brasil, ajustados pelo IPCA de junho de 2021
A tabela para consultar todos os valores pode ser baixada neste link.
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]]>O número de investidoras sobe em ritmo lento. Em dez anos, a porcentagem das que tinham aplicação na bolsa avançou de 25% para 26%. A presença feminina também é menor dentro do próprio mercado financeiro, composto majoritariamente por homens.
“Eu tenho certeza que a minha geração de mulheres tem mais facilidade em relação às gerações anteriores. O que eu sinto e o que sentia, porém, é que a mulher tem que se policiar muito mais no mercado para ser respeitada no mesmo nível dos homens. E isso foi assim em toda a minha carreira”, conta Jéssica Castro, analista de B2B da Ativa Investimentos.
Em relação a investimentos, a analista e influenciadora digital entende que a presença minoritária de mulheres é explicada também pelas barreiras econômicas que as atingem, proporcionalmente mais do que aos homens. “A gente tem que entender que a mulher ainda está galgando posições salariais melhores ou até ainda conquistando a própria renda. Se você não tem capital para investir, você não investe”, diz Castro.
Segundo os dados de desemprego divulgados pelo IBGE na última quarta-feira (10), o índice de desemprego chega a 16,4% entre as mulheres. Já entre os homens, a taxa é de 11,9%.
Os números mostram que, mesmo antes da pandemia, em 2019, a remuneração das mulheres foi menor que a dos homens em todas as faixas etárias. Em cargos de diretoria e gerência, a remuneração em média 38% menor que a dos homens que ocupam os mesmos cargos.
A desigualdade é ainda maior em relação às mulheres negras – dentro e fora dos setores do mercado financeiro ou de análise econômica. A economista Vilma Pinto, pesquisadora licenciada do Ibre/FGV, uma das principais especialistas em contas públicas do país, conta que pensou em desistir da carreira, no início da trajetória, ao não identificar um ambiente com referências em que pudesse se identificar.
“Isso ainda é um grande desafio nesse setor, inclusive em relação às posições de destaque”. Para ela, apesar das melhorias recentes em relação à equidade de gênero, o aumento da presença de mulheres negras ainda teve pouco avanço tanto na área acadêmica relacionada à economia, quanto no mercado financeiro.
“Eu vejo pouca mudança em relação a isso. É frequente eu participar de reuniões em que as pessoas se surpreendem por eu ser mulher e negra. É comum também eu aparecer em programas de TV e jornais e as pessoas fazerem comentários sobre estarem felizes pelo fato de eu ser mulher e negra em um ambiente tão restrito”, relata Vilma Pinto.
Para Kelly Gusmão, sócia-fundadora e CPO da Warren, gestora de investimentos, o ambiente para mulheres que começam hoje no mercado financeiro é menos agressivo que há décadas: “o momento é um pouco mais ameno para mulheres”.
No comando da área de recursos humanos e cultura da empresa, Kelly entende que o trabalho para maior equidade de gênero e diversidade das lideranças traz resultados também financeiros, além dos ganhos sociais e de governança.
“É extremamente importante as pessoas entenderem que a diversidade é rentável. É lucrativa também. A diversidade é um divisor de águas para todas as empresas que querem ter mais rentabilidade e atender toda a sociedade”, diz ela.
Em março do ano passado, Kelly Gusmão criou o fundo Warren Equals, que investe em empresas comprovadamente comprometidas com políticas de equidade de gênero. Em um ano, o fundo – que é o primeiro desse tipo no Brasil – já teve rentabilidade de quase 30%.
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