Assunto voltou à tona depois que Dino suspendeu as emendas impositivas feitas por parlamentares até a criação de regras de transparência e eficiência
por Clara Marinho em 05/09/24 15:23
Ministro Flávio Dino concede entrevista a jornalistas | Foto: Roque de Sá/Agência Senado via Flickr
“Deputados usam seus cargos para direcionar verbas do orçamento para as suas próprias regiões”. Essa poderia ser uma manchete vinculada ao escândalo dos anões do orçamento em 1993 ou da execução de emendas parlamentares em 2024, embora os eventos estejam separados por cerca de trinta anos. Apesar do longo intervalo de tempo, há uma percepção coletiva de que depois de algumas voltas, paramos no mesmo lugar. Para quem está preocupado com a qualidade do gasto e com a modernização do orçamento, a pergunta que emerge é: por quê?
A resposta imediata é que há um notável enfraquecimento do Poder Executivo em alocar recursos discricionários vis-à-vis o fortalecimento do Poder Legislativo desde 2015, expresso pelo avanço das emendas parlamentares de forma pouco transparente e fragmentada.
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Nas últimas semanas, o assunto tem ocupado espaço nos jornais por conta de recente decisão do ministro Flávio Dino, confirmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em 16 de agosto. Em síntese, Dino suspendeu as emendas impositivas feitas por parlamentares até a criação de regras de transparência e eficiência na liberação desses recursos, exceto para obras em andamento ou ações de emergência. Basicamente, a decisão afirma que o dever de executar as emendas não é absoluto. É preciso, assim, que o Poder Executivo avalie o mérito das emendas. E que quaisquer que sejam suas modalidades, elas devem ter plano de trabalho, ser transparentes e rastreáveis, além de compatíveis com o plano plurianual (PPA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), incluindo as metas fiscais.
Não há nada nesta decisão estranho a dispositivos legais associados ao orçamento, às tecnologias de informação que temos à disposição e ao conhecimento científico que temos produzido a respeito. Ocorre que esse repertório não tem sido mobilizado pelo Poder Legislativo. Assim, pouco se sabe o que tem sido feito com os recursos das “emendas pix” — o que exatamente elas têm financiado —, para além da dispersão/concentração dos recursos das emendas de bancada e de comissão — que poderiam estruturar projetos mais robustos. Tampouco se reflete sobre a vinculação das emendas à Receita Corrente Líquida, considerando sua proporção em relação ao total das despesas discricionárias. Aliás, é o que justamente se quer endereçar, conforme nota conjunta da reunião entre ministros do STF, Câmara, Senado e Executivo sobre as emendas, publicada em 20 de agosto.
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Note-se que a decisão de Dino faz referência a diferentes trabalhos feitos sobre o processo orçamentário por Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper. Em comunicação recente sobre pesquisa em curso à Folha de São Paulo, este autor, junto com Hélio Tollini, pondera que o Brasil apresenta práticas de emendas ao orçamento que destoam e muito daquelas feitas no âmbito da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo de países com alto nível de desenvolvimento. Seja pelo volume de recursos mobilizados, seja pela impositividade, eles afirmam que não há paralelo com o caso brasileiro. Isto é – digo eu –, estamos diante de uma jabuticaba orçamentária.
O avanço do Poder Legislativo sobre a alocação de recursos públicos é uma parte importante do problema, mas não a única. Com muita energia voltada para este ponto de tensão, a gestão orçamentária do Poder Executivo Federal tem sido fortemente marcada pelo incrementalismo: acuada pelo conflito entre Poderes e vinculada a uma operacionalidade complexa, criou-se pouco espaço institucional para mudanças segundo uma perspectiva de ampliação da eficiência e efetividade do gasto, visando melhorar o desempenho do orçamento.
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Contrariando este cenário, o Ministério do Planejamento e Orçamento apresentou em 2023 a agenda “Orçamento por Desempenho 2.0”, conjunto integrado de modernização do instrumento ancorada nas melhores práticas internacionais – sem tocar na questão das emendas, por óbvio.
São os pilares da agenda: (1) orçamentação de médio prazo, ampliando a visão da alocação orçamentária e suas consequências para bases plurianuais; (2) revisão de gastos, visando criar espaço fiscal para novas iniciativas governamentais a partir da reestruturação daquelas com problemas alocativos; (3) orçamentação por desempenho, visando fortalecer o vínculo entre dispêndio e entregas à sociedade; (4) transversalidade, buscando avançar na articulação de políticas complexas pela via da despesa (meio ambiente, mulheres, igualdade racial, povos indígenas e crianças e adolescentes); e (5) revisar a lei de finanças públicas, de 1964, ainda em vigor.
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A despeito do caráter promissor do “Orçamento por Desempenho 2.0”, o último capítulo da disputa pelo controle da decisão alocativa vincula-se à exoneração inesperada do Secretário de Orçamento Federal (SOF). No bojo do processo de elaboração da lei orçamentária de 2025, a Câmara dos Deputados encaminhou ofícios ao Ministério do Planejamento e Orçamento solicitando o retorno de seu servidor público à casa de origem.
Quaisquer que sejam os motivos imediatos da saída do SOF, o fato é que ela parece adiar a agenda da reforma orçamentária do país. Para ficarmos em um exemplo, temos a Amazônia, mas ainda estamos nos primeiros passos de um green budgeting, orçamentação por desempenho para a preservação do meio ambiente e atenção às mudanças climáticas.
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Em outras palavras: estamos caminhando para quase uma década de mudanças orçamentárias intensas, ancorada em disputas pelo comando da alocação de recursos sem vínculos imediatos com novos instrumentos de gestão. Sua manutenção tem criado obstáculos políticos à eficiência alocativa e à inovação na gestão orçamentária, reduzindo o impacto positivo do gasto direto na melhoria das condições de vida das pessoas e da economia.
A questão é: até quando? Espero que possamos abrir uma janela política para a reforma orçamentária, envolvendo mais especialistas e a sociedade civil no debate. De maneira diferente de 1993, quando tudo foi impulsionado por um escândalo.
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