Arquivos Jamile Santana - Canal MyNews – Jornalismo Independente https://canalmynews.com.br/post_autor/jamile-santana/ Nosso papel como veículo de jornalismo é ampliar o debate, dar contexto e informação de qualidade para você tomar sempre a melhor decisão. MyNews, jornalismo independente. Fri, 15 Jul 2022 13:37:53 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Jornalistas negras e indígenas são ofendidas quando se posicionam contra racismo https://canalmynews.com.br/mais/jornalistas-negras-e-indigenas-sao-ofendidas-quando-se-posicionam-contra-racismo/ Fri, 28 Jan 2022 15:15:41 +0000 https://canalmynews.com.br/?p=23296 Além da misoginia, profissionais precisam lidar com ofensas pessoais e ataques que descredibilizam a luta antirracista

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Atenção: A reportagem abaixo mostra trechos explícitos de conteúdo misógino e racista. Optamos por não censurá-los porque achamos importante exemplificar como o debate é violento nas redes, como a violência contra mulheres jornalistas se espalha, quais termos são frequentemente utilizados e como podemos identificá-la.   

Mulheres jornalistas, em geral, enfrentam desafios ao se posicionarem nas redes sociais. No caso de mulheres negras e indígenas encontramos aspectos ainda mais problemáticos. Além da misoginia e violência de gênero da qual são alvos apenas por serem mulheres, estes grupos sofrem ataques que tentam descredibilizar as lutas antirracista e pela garantia dos direitos constitucionais de povos indígenas.

Acusações como “discurso de mulher negra”, ”vitimismo” e “oportunista” são frequentemente encontradas em tuítes escritos para estas profissionais. É o que mostra a investigação de dados feita por Revista AzMina, InternetLab e Núcleo Jornalismo, junto ao Volt Data Lab e ao INCT.DD, com apoio do International Center for Journalists (ICFJ).

A segunda reportagem da série sobre violência de gênero contra jornalistas analisou quase 240 tuítes ofensivos direcionados a um grupo de 26 jornalistas mulheres, negras e indígenas. Identificou-se ainda que apenas duas em cada 10 ofensas foram removidas pela plataforma da rede social. Os termos mais incidentes se dividem em categorias como racismo, xingamentos pessoais, ofensas à atuação profissional, descrédito intelectual, machismo, ameaça física e assédio sexual.

Os xingamentos “jornalista parcial”, “tendenciosa” e “manipuladora”, comunista (no contexto ruim), “fracassada” e “ridícula” são os mais frequentes entre os tuítes ao grupo do perfil analisado. Os ataques acontecem sempre quando um usuário discorda da informação ou ponto de vista publicado pelas jornalistas.

Outro fenômeno percebido foi o uso de frases misóginas para descredibilizar e silenciar as profissionais. As mensagens ofensivas continham frases como “vá lavar louça”, “vá cuidar da família” ou “mal amada” e “mal resolvida”. Termos para descredibilizar intelectualmente as mulheres também foram identificados, como “louca”, “burra”, “doente”, “maluca” e “tapada”, por exemplo.

Posicionamentos antirracistas

Mulheres negras são frequentemente atacadas quando se posicionam contra o racismo. Nas mensagens, os agressores relativizam os posicionamentos antirracistas, sugerindo, por exemplo, que “não se pode mais criticar uma pessoa negra” ou que “negros também podem matar pessoas brancas”.

No ano passado, a jornalista Flávia Oliveira, comentarista da Globo News  e colunista nos jornais O Globo e CBN, postou um tuíte repercutindo o episódio em que a estátua de Borba Gato havia sido incendiada em São Paulo. Na mensagem, ela, que é uma mulher negra, recomendou a leitura do livro “Escravidão 2”, de Laurentino Gomes, para que as pessoas conhecessem quem foi a figura alvo do protesto antirracista. A jornalista foi atacada com uma série de ofensas racistas e misóginas, e o conteúdo continua no ar.

Mas, em alguns casos, os ataques sequer são respostas a postagens publicadas pelas profissionais. Quando a  jornalista e apresentadora Maju Coutinho aparece no ar na TV Globo, por exemplo, recebe ofensas gratuitas. Em alguns casos, os ataques são acompanhados de ameaças físicas. O monitoramento sugere ainda que há um comportamento de assédio por parte de alguns usuários: encontramos 10 ataques a Maju Coutinho feitos por um único usuário. Todos os conteúdos seguem no ar.

Profissionais que trabalham em veículos de mídia de alcance nacional, principalmente os de televisão, estão mais expostas às ofensas. Mas jornalistas negras de veículos online ou impressos também sofrem ataques organizados, como conta a jornalista Gabi Coelho, repórter do Estado de S. Paulo e membro do Coletivo Lena Santos — de jornalistas negros e negras de Minas Gerais.

“Os ataques que recebo e já recebi, praticamente todos foram direcionados para as questões de gênero e raça”, contou Gabi. Numa dessas experiências, divulgaram sua foto após uma reportagem que ela fez sobre negacionismo. “O objetivo era fazer meu rosto circular e ficar marcado para os demais usuários da rede”, disse.

No episódio, Gabi contou com o apoio da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), do jornal em que trabalha e do Twitter. Mas a jornalista se questiona como buscar apoio em plataformas de redes sociais, “sabendo que elas reproduzem o que chamamos de racismo estrutural”. E conclui que procurar amparo é importante “pra que a gente continue existindo nesses espaços que são essenciais.”

A jornalista investigativa Cecília Oliveira recebe ataques em seu Twitter quase diariamente. Cecília, que é também fundadora e diretora do Instituto Fogo Cruzado, foca sua cobertura na área de segurança pública, principalmente no tráfico de armas e drogas, temas que são cobertos e debatidos majoritariamente por homens, conta ela. “Aquilo que seria uma crítica ao meu trabalho parte para uma crítica pessoal, com ataques à sexualidade e à raça. São ofensas mais direcionadas ao que você é como pessoa física, exatamente porque muitos deles trabalham nisso de atacar a pessoa e não a ideia”, conta. Mais da metade dos termos ofensivos encontrados pela análise são de ofensas pessoais e não estão relacionados à atuação profissional das jornalistas.

Arte: Estúdio Rebimboca

Luta indígena

Jornalistas indígenas também são atacadas quando abordam temas como demarcação de terras e políticas indigenistas. O questionamento e o descrédito da identidade indígena é há muito tempo uma estratégia de silenciamento, como quando são questionados por ocuparem espaços urbanos, fazerem uso de tecnologias e falarem outras línguas.

Ao postar um tuíte que mostrava o mapa do Brasil completamente demarcado como área indígena, a jornalista Elaíze Farias, repórter e co-fundadora da Amazônia Real, foi atacada por diversos usuários que tentaram descredibilizar a luta pelo reconhecimento de territórios indígenas.

“Quando mulheres indígenas começam a falar de suas vivências, práticas sociais e culturais, utilizando-se de uma das tantas ferramentas dos avanços tecnológicos, quando elas botam o dedo na ferida e denunciam injustiça e violações às quais estão submetidas, isso incomoda, causa desconforto e raiva nas pessoas não-indígenas”, disse Elaíze.

A jornalista indígena Alice Pataxó também é alvo de ataques ofensivos quando faz a cobertura de eventos que discutem o acesso aos direitos fundamentais de povos indígenas. Em um dos episódios, publicou a foto do julgamento sobre o Marco Temporal das Terras Indígenas e um usuário criticou o fato da jornalista ter acesso a um aparelho celular.

Aquilombamento nas redes

Apesar do cenário hostil, em contrapartida à violência, nosso levantamento encontrou 157 tuítes de apoio às mulheres negras em um total de 2.204 mensagens analisadas que incluíam termos sobre raça.

A união de pessoas negras para o fortalecimento dos indivíduos de forma coletiva é conhecida como “estratégia de aquilombamento”. Os quilombos foram dispositivos fundamentais na preservação da identidade, da dignidade, da cultura e da saúde mental da população negra durante o período escravocrata, conforme explica o psicólogo e Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Lucas Veiga, no artigo “Descolonizando a psicologia: notas para uma Psicologia Preta”. “O encontro entre negros e negras é cura”, escreveu ele.

Para Fernanda K. Martins, antropóloga e uma das coordenadoras da pesquisa pelo InternetLab, as redes sociais ocupam um lugar bastante ambíguo na prática profissional de pessoas negras e indígenas.

“Por um lado, há mais espaço para que essas pessoas sejam ouvidas, alcancem maior audiência e encontrem espaços de cura quando lidam com seus pares”, afirma. Por outro lado, Fernanda acrescenta que as plataformas em geral têm dificuldades de lidar com os ataques. Segundo ela, isso se dá em parte por não conseguirem identificar o contexto dos ataques, o que impede, por exemplo, que alguns conteúdos sejam excluídos.

“É urgente a melhoria desse tipo de moderação, pois as redes sociais podem manter disponível inclusive conteúdos que ferem a lei brasileira”, afirmou Fernanda. Esse é o caso dos tuítes explicitamente racistas encontrados no decorrer da pesquisa.

Conteúdos ofensivos permanecem no ar

Apenas 2 em cada 10 postagens ofensivas apontadas na nossa análise foram retiradas do ar — algumas pelo Twitter e outras pelo próprio usuário. Vale ressaltar que nossa análise não seguiu os termos e políticas da plataforma. A empresa segue suas próprias diretrizes para identificar publicações potencialmente nocivas.

Arte: Estúdio Rebimboca

Elaíze conta que, quando recebe esse tipo de ataque na rede social, tenta blindar a saúde mental usando uma estratégia particular. “Não costumo ler os posts e retuítes. Costumo interagir apenas com pessoas que sigo no Twitter e os ataques se perdem nos escombros. O importante é que a mensagem foi dada”, diz. Mas ela defende que as plataformas digitais afinem suas estratégias de combate à violência.  “Acho que poderia ter sim uma moderação sobretudo para as mentiras e postagens racistas. Um meio de identificar quem são os autores, porque racismo é crime no país. Por outro lado, não podemos ser ingênuos que isso ocorrerá a curto prazo”.

Depois de um curso sobre interação nas redes sociais, Cecília também mudou sua forma de lidar com ataques e ofensas. “Antes, quando eu era atacada eu ficava muito abalada, então hoje quando eu sei que tem tuíte com potencial para atrair hater eu já silencio esse tuíte e não volto nele”. Ela também adota, como prática, o não-compartilhamento de ataques que recebe e usa filtros disponibilizados pelo Twitter que limitam, por exemplo, as notificações de usuários sem e-mail e telefone verificados.

Mas nem sempre as ferramentas das redes são satisfatórias. A  jornalista relembra que em setembro do ano passado passou a receber ataques sistemáticos de um mesmo usuário, que respondeu a todos os seus tuítes com um um print do vídeo de ‘Nega do Cabelo Duro’. Ao denunciá-lo pela plataforma, a jornalista recebeu após alguns dias uma notificação de que o conteúdo não violava as políticas da plataforma.

“Eu reclamei no Twitter da resposta da plataforma, falei que eram ataques sistemáticos da mesma conta, ofensas racistas, e que essa tinha sido a resposta que eu recebi, e aí o pessoal do Twitter me enviou um email. Eles agradeceram e suponho que mexeram depois”, disse a jornalista, que possui 173 mil seguidores no Twitter.

Em nota, o Twitter informou que “tem uma política contra a propagação de ódio que proíbe tuítes com conteúdos de linguagem desumanizante com base em religião, casta, idade, deficiência, doença, raça, etnia ou naturalidade, gênero, identidade de gênero ou orientação sexual. Já a política de comportamento abusivo proíbe o envolvimento ou estímulo ao assédio direcionado a alguém”.

A plataforma destacou ainda que nem sempre fica claro se os conteúdos foram produzidos com a intenção de assediar ou atacar uma pessoa com base em seu “status de categoria protegida” e, por isso, pode ser necessário que a  própria pessoa faça uma denúncia. “Para ajudar nossas equipes a entender o contexto, às vezes precisamos ouvir da pessoa diretamente afetada para garantir que temos as informações necessárias antes de tomarmos as medidas corretivas, que podem incluir remoção e/ou redução de visibilidade de um tweet até a suspensão permanente da conta”, diz a nota.

Metodologia

Criamos uma lista de jornalistas com diferentes perfis de gênero, raciais-étnicos e diferentes orientações sexuais que teriam seus perfis monitorados, buscando construir uma análise que nos permitisse articular marcadores sociais. Essa lista incluiu 200 jornalistas (133 mulheres e 67 homens), que mesclava jornalistas com trabalhos em diversos veículos da imprensa brasileira, diferentes regiões e, ao mesmo tempo, em distintas fases de suas carreiras.

Coletamos tuítes e retuítes que mencionavam os jornalistas monitorados e que continham pelo menos uma das palavras presentes em uma lista de termos que poderiam ser utilizados em publicações ofensivas.O léxico inclui termos ofensivos, de misoginia, racismo, homofobia etc, e foi construído por linguistas, jornalistas e outros especialistas.

A coleta dos tuítes foi realizada de 15 de maio a 27 de setembro. Coletamos um total de 7.082.947 tuítes e retuítes direcionados a jornalistas homens e mulheres.

Concluída a coleta, analisamos separadamente os tuítes dirigidos a jornalistas mulheres negras, indígenas e asiáticas. Como não foi possível analisar qualitativamente todos os tuítes e retuítes mencionados, optamos por analisar apenas os tuítes que tiveram pelo menos 1 curtidas e/ou RTs como engajamento. Foram consideradas 2.455 postagens com termos potencialmente ofensivos. A análise manual foi importante para remover tuítes “falsos positivos” que poderiam ter sido incorporados citando palavras que apareciam no léxico, mas eram descontextualizadas e, às vezes, não ofensivas.

Para ter certeza de que havia um entendimento comum entre os pesquisadores sobre o que constituía ofensas e o que era apenas crítica, inicialmente analisamos juntos os primeiros cem tuítes. Além disso, os tuítes que possuíam contextos mais complexos e não podiam ser facilmente rotulados por apenas um pesquisador foram analisados por mais de um pesquisador.

Por fim, os termos ofensivos encontrados foram classificados em categorias:  racismo (que considerou xingamentos ou descrédito à luta antirracista), xingamentos (palavrões e agressões de acordo com contextos pessoais de cada jornalista), ofensas à atuação profissional, descrédito intelectual, machismo, ameaça física e ameaça sexual.

*O projeto “Understanding How Influence Operations Across Platforms Are Used To Attack Journalists And Hamper Democracies” é realizado em uma parceria entre Internet Lab, INCT.DD, Instituto Vero, DFR Lab, AzMina e Volt Data Lab. A pesquisa é financiada pelo Partnership for Countering Influence Operations, do Carnegie for International Peace e também conta com apoio do International Center for Journalists (ICFJ), via Volt. O estudo tem por objetivo compreender os padrões de ataques a jornalistas em ambientes digitais, com especial foco em questões de gênero e raça.

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Mulheres jornalistas recebem mais que o dobro de ofensas que colegas homens https://canalmynews.com.br/mais/mulheres-jornalistas-recebem-mais-que-o-dobro-de-ofensas-que-colegas-homens/ Sun, 28 Nov 2021 21:30:16 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/mulheres-jornalistas-recebem-mais-que-o-dobro-de-ofensas-que-colegas-homens/ Polarização e ataques organizados e institucionalizados à liberdade de imprensa potencializam discurso misógino contra profissionais que cobrem política

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Atenção: A reportagem abaixo, realizada pela Revista AzMina, mostra trechos explícitos de conteúdo misógino e racista. Optamos por não censurá-los porque achamos importante exemplificar como o debate é violento nas redes, como a violência contra mulheres jornalistas se espalha, quais termos são frequentemente utilizados e como podemos identificá-la.

“Puta. Vai abrir a perna e dar pro Lula”. Essa foi a primeira mensagem que Eliane Cantanhêde, jornalista, colunista do Estadão e comentarista do Globonews Em Pauta, da Rádio Eldorado (SP) e da Rádio Jornal (PE), recebeu pela manhã do dia 18 de novembro. A ofensa chegou à sua caixa de mensagens privadas em um dos seus perfis profissionais nas redes sociais. Essa, infelizmente, não é a única frase ofensiva que ela recebe em suas redes. Algumas ficam públicas nos comentários de suas postagens, documentando a misoginia e violência contra mulheres jornalistas para quem quiser ver.

Eliane lidera um ranking de impunidade e ataques a profissionais de imprensa. As mulheres jornalistas recebem mais que o dobro de ofensas em seus perfis no Twitter, se comparado aos colegas homens. Esse foi um dos achados preocupantes de uma investigação de dados feita pela Revista AzMina e pelo InternetLab, junto ao Volt Data Lab e ao INCT.DD, com apoio do International Center for Journalists (ICFJ). A crescente onda de ataques à imprensa brasileira aparece também em relatórios da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Seja no ambiente offline ou online, a violência tem o gênero feminino como principal alvo.

No levantamento realizado no Twitter, constatou-se que os usuários que disparam ataques contra jornalistas tentam deslegitimar a capacidade intelectual feminina para o exercício da profissão e silenciar a imprensa, apontam aspectos físicos das profissionais para desviar a atenção das pautas abordadas e disseminam informações falsas sobre elas.

Foram monitorados 200 perfis de jornalistas brasileiros na rede social. A partir de um dicionário composto de palavras ofensivas, misóginas, sexistas, racistas, lesbo, trans e homofóbicas, coletamos 7,1 milhões de tuítes com conteúdo ofensivo em 133 perfis de mulheres jornalistas e 67 homens. Em uma análise mais minuciosa, que considerou o período entre 1 de maio e 27 de setembro, o monitoramento chegou a um grupo de pouco mais de 8,3 mil tuítes, com cinco ou mais ações de engajamento (RT e/ou curtidas). Eles foram verificados um a um para identificar se o conteúdo era ou não um ataque direto ao jornalista.

Profissionais que trabalham com cobertura política estão mais expostos aos ataques massivos. Mas, enquanto 8% dos tuítes ofensivos direcionados para os jornalistas homens eram de fato hostis, 17% dos direcionados às jornalistas mulheres eram ataques. Entre os termos mais usados contra elas estão “ridícula”, “canalha”, “louca”, “mulherzinha”. A maioria das agressões também sugerem que as mulheres são incapazes de interpretar um texto ou cenário político.

No caso dos homens, a incidência de ataques diretos é menor e, muitas vezes, as ofensas se misturam com ataques a outras mulheres ou à imprensa no geral. Várias mensagens direcionadas aos homens também continham comentários misóginos ofendendo outras figuras femininas relacionadas a eles, como mãe, irmã e colegas de profissão.

De acordo com a antropóloga Fernanda K. Martins, uma das coordenadoras da pesquisa no InternetLab, “a misoginia se sustenta e se espraia socialmente a partir de movimentos que colocam as mulheres como alvo mesmo quando o objetivo é atingir um homem. Os ataques direcionados às colegas e às familiares mulheres apontam para um comportamento social que coloca o gênero feminino como naturalmente atacável, naturalmente suscetível a discursos que inferiorizam e menosprezam as mulheres”.

O que se vê em comum em ambos são expressões que tentam posicionar os profissionais em espectros políticos, chamando-os de “comunista” ou de “jornazistas”, além dos que afirmam que os jornalistas são, de alguma maneira, “parciais” em suas coberturas.

arte - violência jornalistas mulheres Twitter

Ações orquestradas contra as mulheres jornalistas

No topo do ranking das jornalistas mais ofendidas estão Eliane Cantanhêde; Vera Magalhães, apresentadora do programa Roda Viva, colunista no jornal O Globo e comentarista na rádio CBN; Daniela Lima, apresentadora da CNN; e Miriam Leitão, jornalista de O Globo, TV Globo, Globonews e CBN. Elas compartilham a opinião de que os ataques são ainda mais virulentos quando iniciados ou instigados por figuras políticas, como o presidente Jair Bolsonaro. AzMina já mostrou em seu canal no YouTube porque as agressões de Bolsonaro a jornalistas mulheres são um problema.

Eliane lembra que os ataques nominais a jornalistas começaram na época do PT na presidência, por apoiadores do partido. Ela também recorda que já foi muito atacada pelo PSDB. Um mesmo artigo desagradava os dois lados. “Mas o Bolsonaro não só usou essa tática, como passou a descredibilizar nominalmente jornalistas, o que inflama os apoiadores”, avaliou.

Para Vera, os ataques são estratégicos. “Eu entendo que eles são propositalmente misóginos, machistas, exatamente como uma forma de tirar a credibilidade de mulheres jornalistas”. Ela acredita que seu caso é agravado pelo fato de ter feito muitas críticas ao PT, “e faço contra o governo Bolsonaro”. Mas hoje a coordenação das ofensas, diz Vera, parte do presidente, de sua família e seus ministros. “Isso não havia nos governos anteriores. É violento e orquestrado”.

A jornalista Mariliz Pereira Jorge, colunista da Folha de S.Paulo, roteirista e apresentadora do Canal MyNews, conta que enfrentar a hostilidade para exercer a profissão infelizmente já faz parte da sua rotina. O problema, na opinião dela, é que agora os ataques estão mais organizados e massivos. “Quando um tuíte parte da própria presidência, ou dos parlamentares da base governista, já sei que vai ter uma enxurrada de ofensas”. E, muitas vezes, além de ofensivas, as mensagens são intimidatórias.

Além dos xingamentos, as jornalistas precisam combater a disseminação de notícias falsas sobre suas trajetórias, o que é também uma estratégia política de descredibilização dessas profissionais. Miriam Leitão, por exemplo, é constantemente ofendida com termos como “assaltante de banco” e “mulher da cobra”, expressão criada por seguidores do presidente Jair Bolsonaro, que minimizou e zombou do episódio de tortura sofrido pela jornalista na época da ditadura militar.

“Já entrei no Trending Topics do Twitter porque usaram uma foto minha dizendo que era da minha prisão por ter assaltado um banco”, comentou Miriam, acrescentando que nunca pegou em uma arma e essa informação já foi desmentida dezenas de vezes. “Mas vira e mexe, surge uma nova onda usando isso volta”. Ela nota que perfis falsos criam ondas artificiais de ataque que poluem o debate, distorcem o diálogo.

arte - violência contra jornalistas

Gênero e raça

Como é de praxe em narrativas misóginas, as mulheres também sofrem ofensas que são direcionadas aos seus corpos, seus relacionamentos e também suas idades. Com Eliane Cantanhêde e Vera Magalhães, por exemplo, colocaram em cheque a saúde intelectual delas. “Eles acham que me ofendem, mas nunca fiz questão de esconder minha idade. Tenho orgulho da minha história, da avó que sou”, disse Eliane.

A atuação profissional do marido de Vera Magalhães, que também é jornalista e já trabalhou na assessoria de diferentes políticos do cenário nacional, frequentemente é discutida nas redes sociais como algo que supostamente interfere na trajetória e opiniões delas. Estratégia semelhante acontece com a jornalista Eliane Catanhêde.

As conclusões do monitoramento são muito similares às do relatório desenvolvido pela Abraji, que mostrou um índice de 56% de ataques online para mulheres jornalistas em 2020. Também foram usados xingamentos, palavrões e termos misóginos quando as vítimas eram mulheres. “Esse cenário chama atenção para a necessidade de mecanismos de proteção legal e institucional da liberdade de expressão, especificamente atentos à questão de gênero”, defendeu Cristina Zahar, secretária executiva da associação.

Muitos usuários insinuam que mulheres negras e indígenas se aproveitam de suas características para acessarem os espaços profissionais que conquistaram. É o caso das jornalistas Maju Coutinho, mulher negra, e Alice Pataxó, mulher indígena. “vc não é monarquista? E essa eletricidade que cê tá usando aí, cabra? No tempo do império tinha essas coisas não”, postou um perfil depois que a jornalista postou uma foto onde um indígena tira foto com o celular.

arte - matéria violência contra jornalistas

Como agir nesses casos

Além da experiência violenta que é abrir as redes sociais todos os dias e se deparar com ataques como esses, as jornalistas também chamam a atenção para a dificuldade de denunciar isso dentro das próprias plataformas.

Mariliz Pereira Jorge conta que já reportou vários ataques, mas não obteve respaldo. As respostas que recebeu foi de que aquilo não feria as políticas da plataforma. “Uma mulher que postar foto do seio pode ser banida porque isso fere muito mais as políticas das plataformas do que uma ameaça de estupro, de morte, como já aconteceu comigo e outras colegas”. Ela avalia também que agressões geram engajamento.

Para Miriam Leitão, todo perfil deveria ter uma pessoa física e/ou empresa, identificável juridicamente. Ela sugere que as plataformas tenham a responsabilidade de apontar quem é real em ondas de ataques organizadas, neutralizar e excluir perfis que não são verdadeiros, porque os bots (robôs) não têm rosto. “Quando recebo uma ofensa sexista, mentirosa, quem posso processar se eu quiser?”, questiona.

O monitoramento identificou que muitos tuítes com conteúdo agressivo explícito, como “puta” e “vagabunda”, por exemplo, já foram retirados do ar.

arte - jornalistas mulheres mais atacadas

Posicionamento da plataforma

Em nota, o Twitter informou que possui política de comportamento abusivo (que trata de tentativas de assediar, intimidar ou silenciar a voz de outra pessoa) e política contra propagação de ódio (que estabelece que não é permitido promover violência, atacar diretamente ou ameaçar outras pessoas com base em categorias ou características específicas). Se confirmada a violação, são tomadas diferentes medidas corretivas, que vão desde a remoção e/ou redução de visibilidade de um Tweet até a suspensão permanente de uma conta.

Sobre o grande volume de perfis falsos identificados como autores dos tuítes ofensivos, o Twitter informou que tem regras para endereçar tentativas de manipulação do debate na plataforma, seja via spam ou contas falsas. Essas regras determinam que não é permitido usar os serviços do Twitter com o intuito de amplificar ou suprimir informações artificialmente nem de se envolver em comportamento que manipule ou prejudique a experiência das pessoas na plataforma. A rede social tem usado aprendizado de máquina e treinamento da equipe para identificar esses perfis. Quando há suspeita, as contas detectadas passam então pelo chamado desafio (como confirmação de e-mail ou telefone ou digitação de um código Captcha, por exemplo) para provar que existe uma pessoa por trás dela. Se a conta não passa pelo desafio, ela sofre as medidas corretivas cabíveis.

Por fim, o Twitter informa que faz revisão periódica das regras e políticas, entre elas a política contra propagação de ódio para incluir mais categorias no que chama de linguagem desumanizante. A empresa afirmou ainda que conta com um Conselho de Confiança e Segurança composto por 40 organizações e especialistas em 13 regiões, inclusive brasileiros.

 


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