A democracia pode naufragar: um alerta que vem da Universidade Yale Donald Trump posa ao lado de apoiadores durante a campanha de 2024, em Phoenix, no Arizona | Foto: Wikipédia

A democracia pode naufragar: um alerta que vem da Universidade Yale

Confira a coluna de Daniel Carvalho de Paula no MyNews

Três dos mais respeitados intelectuais da Universidade de Yale — Marci Shore, Timothy Snyder e Jason Stanley — soam um alarme que deveria ecoar em toda parte onde ainda se valoriza o Estado de Direito: os Estados Unidos, há décadas símbolo autodeclarado de democracia liberal, vivem uma emergência democrática. A prisão de residentes legais fora do país sem devido processo, a repressão a estudantes por suas opiniões políticas e as ameaças a juízes federais por decisões contrárias aos interesses do governo não são desvios isolados, mas sintomas de uma degradação sistêmica. Jason Stanley, filósofo e especialista em propaganda autoritária, não hesita: sua mudança para a Universidade de Toronto é um protesto deliberado contra os ataques da administração Trump às liberdades civis. “Quero que os americanos percebam que estamos em uma emergência democrática”, afirma.

Democracia em perigo

A professora Marci Shore, historiadora das experiências totalitárias da Europa Central e Oriental, emprega uma metáfora inquietante para ilustrar o estado de negação em que vive parte da elite norte-americana: “Somos como pessoas no Titanic dizendo que nosso navio não pode afundar. […] E o que você aprende como historiador é que não existe navio que não possa afundar.” A erosão da democracia não se dá, quase nunca, por rupturas espetaculares, mas por uma série de pequenas concessões que vão normalizando o inaceitável. Shore observa, ainda, que o vocabulário político em inglês, calcado na autopercepção de excepcionalismo e estabilidade, é por vezes insuficiente para nomear a gravidade dos acontecimentos — por isso recorre a expressões eslavas para descrever fenômenos como o proizvol, o arbítrio absoluto do poder.

Timothy Snyder, autor de Sobre a tirania e um dos principais analistas da história do fascismo europeu, também optou por deixar Yale em direção à Universidade de Toronto. Embora declare razões familiares e acadêmicas, ele corrobora os temores dos colegas: o espaço público para o debate franco está encolhendo, inclusive nas universidades. “Mesmo que eu não tenha saído diretamente por causa de Trump ou Yale”, diz, “essa seria uma decisão compreensível, e é uma decisão que outros certamente tomarão.” A lição histórica é clara: não existe democracia imune, nem país invulnerável à regressão autoritária. A crença de que certas instituições são inabaláveis, como tribunais e universidades, é perigosa justamente porque adormece a vigilância democrática.

O alerta desses três professores vai além de uma escolha profissional: trata-se de uma advertência civilizatória. A democracia norte-americana, segundo eles, está em risco não apenas por ações de um governo específico, mas pela passividade diante da corrosão lenta de suas estruturas fundamentais. O silêncio institucional, a normalização da violência política e o ataque contínuo à independência do Judiciário e das universidades são marcos de um processo de autocratização já em curso. O mundo deve ouvir esse grito vindo de Yale — não como uma curiosidade intelectual, mas como um sinal de que a história pode, sim, se repetir. E que, como mostram Shore, Snyder e Stanley, o tempo de agir é agora.

*Daniel Carvalho de Paula é Doutor em História e professor do curso de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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