Os muitos desafios do partido do presidente da República, às vésperas de outra acirrada eleição; o principal deles, reconquistar as ruas e, se possível, também as redes, domínio quase exclusivo do bolsonarismo
O que está em disputa na eleição para a presidência do PT não é apenas o futuro do partido que sempre foi visto como a legenda que hegemonizou a esquerda brasileira nas últimas décadas. É algo maior: a própria reconfiguração da esquerda no país.
A escolha do novo presidente do PT revelará muito sobre os caminhos que esse campo político pretende seguir nos próximos anos. O partido manterá raízes fincadas na militância e no projeto original de transformação social — que nasceu para combater a opressão, a exploração e a desigualdade? Ou adotará de vez um perfil mais institucional, buscando alianças no centro e até entre setores conservadores, como evangélicos e liberais, em nome da governabilidade?
Essa tensão, que já não é nova, se tornou explícita na disputa interna que hoje opõe dois projetos distintos de esquerda: um mais combativo, movido por utopias e por uma visão crítica do sistema; outro mais pragmático, disposto a negociar com as estruturas existentes para se manter no poder.
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De um lado, Edinho Silva, ex-prefeito de Araraquara e ex-ministro, é o nome preferido do presidente Lula e da corrente majoritária do partido, a Construindo um Novo Brasil. Edinho é visto como defensor do diálogo com o centro e da ampliação das bases eleitorais do PT.
Do outro, surge Rui Falcão, ex-presidente do partido, no grupo de fundadores do partido e apoiado por alas que defendem um retorno às origens, como o ex-deputado José Genoino que mergulhou na campanha de Falcão com a garra da juventude de quando fundou o partido ( você pode ver na entrevista exclusiva que deu ao MyNews neste link)
Também em entrevista recente ao MyNews, Falcão foi direto: “O PT perdeu o transformar do seu slogan original.” A frase é potente — e simbólica. Representa a crítica à adaptação do partido à lógica institucional e a perda da ousadia de disputar corações e mentes com um projeto de sociedade profundamente transformador.
Essa polarização interna se torna ainda mais decisiva diante do adversário que se desenha no campo oposto. A direita brasileira, embora ainda fragmentada, se move com velocidade. O bolsonarismo mantém força nas redes e nas ruas, com Jair Bolsonaro ainda influente e nomes como Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado e até Michelle Bolsonaro sendo testados como alternativas mais “palatáveis” para 2026. Ao mesmo tempo, a direita liberal busca ocupar espaço com discursos de eficiência, antipolítica e promessas de “limpeza” institucional.
A militância petista, que foi o motor original do partido, também está em processo de transformação. Nas décadas de 1980 e 1990, tratava-se de um ativismo de base, articulado em sindicatos, pastorais e associações comunitárias. Hoje, essa militância se fragmentou. Parte migrou para o funcionalismo público e ONGs; outra parte aderiu às redes sociais como novo campo de disputa política. Há também uma geração mais jovem, sem memória direta da fundação do partido, que cobra coerência ética, causas identitárias e novas formas de participação.
Essa militância ainda é o principal ativo político do PT. É ela que sustenta campanhas de rua, mobilizações nas periferias e defesas públicas do partido em momentos de crise — como se viu nos ataques à figura de Lula durante a Lava Jato. Mas esse ativo pode se tornar passivo se o partido romper demais com suas origens. Uma direção que afaste o PT das pautas históricas corre o risco de desmobilizar sua base mais fiel, sem necessariamente conquistar o eleitorado mais conservador.
A direção que o partido tomar agora terá efeitos profundos. Porque o PT não é só um partido — é um símbolo da esquerda no Brasil. E, por mais que haja outras forças progressistas em ascensão, nenhuma tem ainda a capilaridade, a história e o poder de mobilização que o PT acumulou ao longo de quatro décadas. A eleição interna do PT é, portanto, muito mais do que um processo burocrático: é o laboratório onde se define o tipo de esquerda que o Brasil vai ter para enfrentar uma direita cada vez mais agressiva, sofisticada e adaptada aos novos tempos.