Imunidade parlamentar não é um salvo-conduto para a prática de crimes Hugo Motta (Republicanos-PB) retoma Presidência da Câmara dos Deputados na noite de quarta-feira (6) | Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Imunidade parlamentar não é um salvo-conduto para a prática de crimes

Coluna do Daniel Carvalho de Paula no MyNews

A obstrução do plenário da Câmara dos Deputados nos dias 5 e 6 de agosto, que paralisou os trabalhos por mais de 30 horas, não pode ser interpretada como simples exercício do direito de oposição. Trata-se de um episódio que ultrapassa os limites legítimos da atuação parlamentar e toca em um ponto sensível da história política brasileira: o fechamento do Parlamento. Ao longo de nossa trajetória, o Congresso Nacional já foi dissolvido ou fechado 18 vezes, sempre como resultado de choques autoritários entre o Executivo e o Legislativo. A diferença é que, desta vez, a interrupção foi promovida por integrantes da própria Casa, o que revela a gravidade institucional do ocorrido.

É preciso deixar claro que a imunidade parlamentar, pilar de proteção à liberdade de expressão e atuação legislativa, não é um salvo-conduto para a prática de crimes ou para a inviabilização deliberada do funcionamento da instituição. Sua finalidade é garantir que deputados e senadores possam legislar e fiscalizar o Executivo sem medo de retaliações indevidas. Usar essa proteção para impedir que o presidente da Câmara conduza os trabalhos ou para bloquear o funcionamento do Legislativo não encontra amparo no texto constitucional e subverte a própria razão de ser dessa garantia.

Fechar ou paralisar o Parlamento, ainda que temporariamente, é prática típica de regimes autoritários. Todos os episódios em que isso se passou na história brasileira guardam em comum o desprezo pelas regras democráticas e pelo debate institucional. É por isso que, em democracias maduras, quem assim age é punido, não por divergência política, mas por atentar contra o funcionamento regular de um dos poderes da República. A democracia, para existir, precisa de um Parlamento que funcione.

Nesse contexto, a decisão do presidente da Câmara, Hugo Motta, de encaminhar as representações contra 14 deputados à Corregedoria Parlamentar preserva o devido processo e abre caminho para a responsabilização política e disciplinar. O rito, que pode culminar em suspensões de mandato, não é apenas uma questão interna da Casa: é um sinal de que o Parlamento está disposto a defender-se contra ações que buscam enfraquecer sua própria autoridade. Permitir que tais condutas passem impunes seria validar o precedente de que, por conveniência política, é aceitável fechar as portas da democracia. Defender o direito de oposição é essencial; defender o direito de sabotar o funcionamento do Legislativo é inaceitável. Ao contrário do que muitos pensam, proteger a democracia exige, por vezes, firmeza contra aqueles que, em nome de supostas liberdades, agem para destruí-la.

*Daniel Carvalho de Paula é Doutor em História e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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