Coluna de Daniel Carvalho de Paula no MyNews traz embate nos Estados Unidos
Nos Estados Unidos, onde a Primeira Emenda à Constituição consagra a liberdade de expressão e de imprensa como pilares inegociáveis da democracia, assiste-se a um preocupante processo de erosão institucional conduzido por dentro. A Comissão Federal de Comunicações (FCC), órgão criado para garantir a regulação técnica e plural das comunicações, tem sido instrumentalizada por interesses partidários sob a liderança de Brendan Carr, nomeado por Donald Trump e assumidamente leal ao projeto político trumpista. O que deveria ser uma agência independente converte-se em uma engrenagem da máquina de repressão ideológica, com graves consequências para o ecossistema midiático e para o próprio regime democrático americano.
Brendan Carr, de maneira sistemática, tem empreendido uma campanha articulada para deslegitimar a imprensa livre, valendo-se do aparato regulatório da FCC para atingir grupos de mídia tradicionais. Essa ofensiva combina elementos de lawfare — o uso estratégico e abusivo da legislação para silenciar opositores — com investigações seletivas e pressões veladas que visam “domesticar” a cobertura jornalística. O resultado é um ambiente de crescente autocensura, onde a divergência se torna arriscada e o jornalismo crítico, desestimulado por ameaças burocráticas e retaliações políticas.
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A situação torna-se ainda mais alarmante quando se considera que o papel da imprensa livre em uma democracia não é agradar governantes, mas servir ao público com informações que lhe permitam tomar decisões conscientes. O cerco à imprensa promovido pela FCC, ao invés de proteger a diversidade de vozes e assegurar o equilíbrio na comunicação pública, tem atuado como catalisador de um projeto de hegemonia discursiva. Trata-se de um retrocesso civilizacional que afeta não apenas os meios de comunicação como instituições, mas o direito do cidadão à informação plural, crítica e independente.
As advertências de Maria Ressa, jornalista filipino-americana e laureada com o Prêmio Nobel da Paz em 2021, soam hoje com uma clareza quase profética diante da ofensiva institucional contra a imprensa nos Estados Unidos. Ressa, figura central na resistência ao autoritarismo nas Filipinas, tem reiterado que o assédio governamental à imprensa não é apenas um ataque a jornalistas, mas uma ameaça direta à integridade da democracia. Em seus discursos e artigos, ela adverte que a erosão da liberdade de imprensa, especialmente quando travestida de legalidade, é um sinal clássico da ascensão de regimes autoritários. A sua experiência mostra que a repressão à mídia começa com intimidações, passa pelo uso seletivo de leis e culmina em silêncios forçados — um roteiro que, infelizmente, a gestão atual da FCC parece seguir com preocupante familiaridade.
*Daniel Carvalho de Paula é Doutor em História e professor do curso de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie