Novas dinâmicas nas relações entre a Rússia e a América Latina: oportunidades e desafios para o Brasil Foto: Ricardo Stuckert

Novas dinâmicas nas relações entre a Rússia e a América Latina: oportunidades e desafios para o Brasil

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Yuliana Titaeva para o MyNews

O mundo entrou na Segunda Guerra Fria. Diante dos nossos olhos, a paisagem geopolítica está mudando rapidamente, e muitos preferem adotar uma postura de espera, na esperança de apenas sobreviver à tempestade. Assim como no século XX, o que impede a humanidade de escorregar para um conflito global direto é, essencialmente, a existência de armas nucleares — e espera-se que esse fator de dissuasão continue funcionando. Isso significa que a transição de um modelo unipolar para uma ordem mundial mais equilibrada multipolar levará mais de uma década. Nos próximos 10, 20 ou até 30 anos, enfrentaremos uma série de conflitos locais de baixa e média intensidade por proxy acompanhados por competições prolongadas e uma reestruturação profunda das relações internacionais.

Nesse contexto, não há tempo a perder. O próprio tempo dita a necessidade de ocupar seu lugar na arquitetura do mundo em formação — e isso vale não apenas para os Estados, mas também para o setor empresarial.

A Rússia, estando no epicentro dessa mudança geopolítica, assumiu de forma forçada, mas consciente, o papel de locomotiva das transformações globais. Ao seu lado estão os países da chamada “maioria global” — Estados que, em maior ou menor grau, estão interessados em reduzir a dependência do modelo norte-americano e construir um sistema internacional mais justo.

A chegada do mundo multipolar já não é negada por ninguém — sua formação é apenas uma questão de tempo. Para o Brasil, fazer parte do grupo de países dissidentes abre novas perspectivas: aumento do peso político global, fortalecimento da posição dentro do BRICS, diversificação das relações econômicas e participação ativa na criação de estruturas financeiras e institucionais alternativas. Esta última, aliás, parece ser uma das tarefas mais estratégicas na transição para a multipolaridade, já que um dos pilares da hegemonia ocidental é o dólar como moeda de reserva global e a supremacia do sistema financeiro atual.

De forma cautelosa, mas firme, o Brasil avança nesse caminho, assumindo os riscos e desafios inerentes. Esses riscos não são existenciais como no caso da Rússia, mas ainda assim podem se materializar em golpes dolorosos.

No entanto, é justamente a presença desses riscos que estimula a ação consciente — promovendo uma reorientação gradual e calculada da política externa em direção à cooperação com a Rússia e os países do Sul Global.

Tarifas sobre produtos brasileiros, ameaça de sanções secundárias, pressões políticas e midiáticas, além da retórica cada vez mais agressiva contra o BRICS — tudo isso, ao contrário do que se pretende, apenas acelera a aproximação do Brasil com seus parceiros multipolares.

Vale lembrar: nem mesmo uma potência como os Estados Unidos é capaz de travar uma guerra econômica contra o mundo inteiro ao mesmo tempo — e é justamente isso que abre espaço para manobra. Um espaço que hoje é crucial aproveitar.

O Brasil na política global

No mundo atual, marcado pelo declínio do neocolonialismo, estão emergindo novos centros de poder entre os países do Sul Global. O Brasil consolida sua posição como líder da América Latina, o que naturalmente alimenta suas ambições de política externa. O BRICS surge como a principal plataforma para a realização dessas ambições.

A Rússia, que ao lado do Brasil esteve na fundação do grupo, continua apoiando firmemente uma agenda voltada à reforma das instituições globais estabelecidas após a Segunda Guerra Mundial. Trata-se, sobretudo, da reforma da Organização das Nações Unidas, incluindo a ampliação do Conselho de Segurança com a inclusão do Brasil e da Índia, bem como da modernização das instituições de Bretton Woods — o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Além disso, avançam os esforços de cooperação humanitária. Tudo isso oferece ao Brasil uma oportunidade concreta de aumentar seu peso político no cenário internacional.

O Carnaval das oportunidades econômicas

Diante das pressões vindas dos Estados Unidos, o Brasil se vê praticamente forçado a acelerar a diversificação de suas relações econômicas externas, voltando-se para mercados promissores e amistosos. O comércio entre os países do BRICS cresce constantemente, e isso exige a criação de uma infraestrutura econômica e financeira alternativa, independente do sistema formado pelos EUA.

A participação direta do Brasil no lançamento de uma nova moeda de reserva do BRICS, na construção de uma infraestrutura financeira completa — com seguradoras, instituições de crédito, rotas logísticas e mecanismos de investimento — pode transformá-lo em um dos líderes globais e garantir seu crescimento econômico no longo prazo.

Esse processo exige pensamento estratégico, vontade institucional e uma diplomacia proativa. Na essência, o tão aguardado mundo multipolar nada mais é do que a maturidade da política internacional — a capacidade de dialogar com múltiplos atores, cada um com seus próprios interesses. Trata-se de um jogo contínuo de equilíbrio, flexibilidade e cálculo. Se o Brasil souber usar esse momento com perspicácia, poderá se tornar um dos países responsáveis por definir a arquitetura do mundo no século XXI.

Sobre a autora

Diretora da Agência para o Desenvolvimento de Cooperação Bilateral Rússia-Brasil e Membro do conselho do Centro analítico privado Russo “Estratégias de Recursos

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