Sessão plenária do STF | Foto: Ton Molina/STF
NOVAS REGRAS DO JOGO
O impacto da decisão do STF sobre a responsabilidade das plataformas
Decisão acarreta em desafios operacionais e regulatórios para as plataformas, que precisarão adotar políticas ativas de moderação
Em 26 de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) mudou significativamente o seu entendimento sobre a responsabilização das plataformas frente aos direitos dos usuários. A decisão da corte constitucional definiu a notificação extrajudicial como instrumento capaz de conferir responsabilidade às gigantes da tecnologia na moderação de conteúdos.
O STF julgou o artigo 19 do Marco Civil da Internet como parcialmente inconstitucional – até então, só admitia-se responsabilização das plataformas após descumprimento de ordem judicial. Nesse sentido, as empresas poderão ser responsabilizadas civilmente se:
- Não removerem conteúdos ilícitos após notificação extrajudicial, exceto casos envolvendo crimes contra a honra, que continuam exigindo ordem judicial. No entanto, nada impede que a remoção de publicação seja baseada apenas em notificação extrajudicial.
- Forem omissas diante de compartilhamento de conteúdos relacionados a crimes graves (racismo, terrorismo, pedofilia, homofobia, ataque à democracia, suicídio, entre outros.)
- Não removerem conteúdo previamente reconhecido como ilícito em decisão judicial. Sendo assim, deverão ser removidas as publicações com conteúdos idênticos, independentemente de novas decisões judiciais nesse sentido.
- Não contarem com instrumentos de autorregulação que abranjam sistema de notificações, devido processo e relatórios anuais de transparência em relação a notificações extrajudiciais, anúncios e impulsionamentos.
- Para atendimento aos usuários, as plataformas deverão disponibilizar canais permanentes e específicos de atendimento, preferencialmente eletrônicos, acessíveis e amplamente divulgados.
Em outras palavras, a partir de agora, vítimas ou representantes legais podem notificar diretamente a plataforma pedindo a remoção de conteúdos ofensivos. A omissão ou falha na remoção de conteúdo pode levar a responsabilização objetiva, sem necessidade de comprovação de culpa por parte da plataforma.
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A decisão do STF acarreta em desafios operacionais e regulatórios para as plataformas, que precisarão adotar políticas ativas de moderação. Serão necessários investimentos em tecnologia e mão de obra capazes de garantir:
- Sistemas para monitoramento ativo e automático
- Processamento rápido de notificações extrajudiciais
- Políticas transparentes e canais de apelação
- Relatórios periódicos de transparência
Além disso, até que o Congresso Nacional edite nova lei sobre o assunto, a plataforma poderá ser responsabilizada civilmente pelos danos causados por conteúdos de terceiros em casos de crimes ou atos ilícitos, caso, após receber um pedido de remoção, não retire o conteúdo. Essa regra também se aplica a contas denunciadas como falsas. Para o seu melhor entendimento sobre como isso impacta você e as suas plataformas favoritas, confira alguns exemplos práticos abaixo:
Facebook
Caso: Discurso de ódio ou fake news
- Novo entendimento do STF: Se alguém notifica o Facebook extrajudicialmente sobre um post com informações falsas ou discurso racista, e a plataforma não remover em tempo razoável, poderá ser responsabilizada civilmente por danos.
- Exemplo da vida real: Uma postagem com desinformação sobre vacinação ou ataques a instituições democráticas que permanece ativa mesmo após notificação formal. O Facebook pode ser condenado por omissão.
Instagram
Caso: Exposição de imagens íntimas sem consentimento (“revenge porn”)
- Novo entendimento do STF: Ao receber notificação extrajudicial da vítima, o Instagram deve agir rapidamente para remover o conteúdo. A omissão pode gerar responsabilidade da plataforma que é corresponsável pelo conteúdo compartilhado.
- Exemplo da vida real: Uma garota descobre que fotos íntimas suas foram postadas por um ex-parceiro. Ela envia uma notificação via e-mail da plataforma, se o Instagram demorar tempo considerável ou se recusar a remover, poderá responder pelos danos materiais e morais causados à vítima.
YouTube
Caso: Vídeo promovendo golpe financeiro (ex: pirâmide ou “investimento milagroso”)
- Novo entendimento do STF: Ao receber uma notificação extrajudicial que denuncia o conteúdo como fraude ou crime, o YouTube deve analisar e remover se constatada ilegalidade. Se manter o vídeo no ar, poderá ser responsabilizado solidariamente.
- Exemplo da vida real: Um nfluenciador divulga esquema ilegal de “day trade infalível”. Após notificação extrajudicial, o YouTube se omite. Sendo assim, poderá ser obrigado a indenizar os usuários prejudicados.
TikTok
Caso: Conteúdo incentivando automutilação ou “desafios perigosos”
- Novo entendimento do STF: Deve agir de forma imediata diante de conteúdos que coloquem em risco a integridade física de usuários.
- Exemplo da vida real: Um desafio viral que incentiva adolescentes a se cortarem. O TikTok poderá ser responsabilidade, se não adotou medidas adequadas para a prevenção ou remoção de conteúdos ilícitos, em violação do dever de atuar de forma responsável, transparente e cautelosa.
Mercado Livre
Caso: Venda de produtos falsificados ou ilegais
- Novo entendimento do STF: Após recebimento de notificação extrajudicial, o Mercado Livre tem o dever de remover o anúncio. Se não o fizer, responde solidariamente com o vendedor.
- Exemplo da vida real: Uma marca de tênis notifica a empresa sobre centenas de produtos falsificados usando seu nome. Se a plataforma ignorar ou demorar demasiado, poderá ser condenada por conivência e omissão.
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* Juliana Roman é mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em parceria com o Centro de Estudos Europeus e Alemães (CDEA/DAAD). Especialista em Compliance pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Especialista em Direito do Consumidor pela Universidade de Coimbra (FD/UC). Especialista em Direito Digital pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).