Por que o pêndulo político avança à direita? Criminalidade e recessão econômica Fotos: Daniel Torok/Official White House Valter Campanato/Agência Brasil Gage Skidmore/Flickr

Por que o pêndulo político avança à direita? Criminalidade e recessão econômica

Coluna do Daniel Carvalho de Paula no MyNews

As duas primeiras décadas do século XXI na América Latina foram marcadas por uma notável hegemonia de governos de esquerda e centro-esquerda. Brasil, Argentina, Uruguai e Chile, cada um à sua maneira, experimentaram uma onda progressista sustentada, em grande medida, pelo boom das commodities e pelo crescimento econômico. Esse período trouxe ganhos sociais significativos e consolidou, em muitos países, políticas de redistribuição e inclusão. Contudo, como todo ciclo histórico, a bonança inicial foi seguida por momentos de retração: a desaceleração econômica, a crise de representatividade e os escândalos de corrupção minaram a credibilidade desses projetos.

Ao longo da segunda década, a conjunção de fatores adversos foi implacável. A queda dos preços internacionais das commodities reduziu drasticamente a capacidade fiscal dos Estados, corroendo programas sociais e investimentos. O aumento da criminalidade urbana, aliado à disseminação de grandes escândalos de corrupção, como os revelados pela Operação Lava Jato no Brasil, reforçou a percepção popular de que os governos de esquerda haviam se convertido em parte do problema, e não mais da solução. A chegada da pandemia de COVID-19 apenas agravou esse cenário, deixando governos desgastados e sociedades exasperadas.

Esse esgotamento abriu caminho para uma guinada à direita, que vem ganhando força nos últimos anos. O fenômeno, contudo, não se explica apenas pelo desgaste da esquerda no poder. Pesquisas de opinião demonstram que a criminalidade e a insegurança figuram entre as principais preocupações dos eleitores latino-americanos, muitas vezes disputando o primeiro lugar com o desemprego. E, em praticamente todos os contextos nacionais, a agenda da segurança pública é reivindicada pela direita, que capitaliza politicamente o medo social e promete respostas mais duras e imediatas ao crime.

Assim, a combinação entre o desgaste da esquerda e o crescimento da violência urbana produziu um terreno fértil para a ascensão de projetos conservadores e autoritários. A sensação de vulnerabilidade cotidiana, do trabalhador que teme o trajeto até o emprego à mãe que receia enviar seus filhos à escola, alimenta a demanda por discursos de ordem e punição, ainda que sua eficácia prática permaneça incerta. Esse cenário não é exclusivo da América Latina; trata-se de um padrão global, no qual a insegurança fortalece as direitas.

O futuro, portanto, dependerá da capacidade das forças progressistas de se reinventarem, apresentando respostas concretas e convincentes aos desafios econômicos e, sobretudo, à questão da segurança pública. Sem essa renovação, a tendência é que a “direitização” do continente se aprofunde, com vitórias eleitorais sucessivas. Mas a história latino-americana ensina que nenhum ciclo político é eterno: se o pêndulo se moveu da esquerda para a direita, nada impede que, diante de novas condições, volte a se deslocar em sentido contrário. O desafio reside em como transformar esse movimento pendular em estabilidade democrática e inclusão social duradoura.

*Daniel Carvalho de Paula é Doutor em História e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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