Trump quer um quintal para chamar de seu. Doutrina Monroe do século XXI? Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump | Foto: Joyce N. Boghosian/Official White House Photo

Trump quer um quintal para chamar de seu. Doutrina Monroe do século XXI?

Coluna do Daniel Carvalho de Paula no MyNews

Em 1823, o presidente dos Estados Unidos, James Monroe, proclamou a famosa Doutrina Monroe, cujo lema “América para os americanos” serviu como base para uma política externa que, sob a retórica de proteção das Américas contra o colonialismo europeu, legitimou a intervenção norte-americana na América Latina ao longo de quase dois séculos. Embora em sua formulação original estivesse associada a um discurso de autodeterminação, na prática consolidou a ideia de que o hemisfério ocidental seria a zona de influência exclusiva de Washington. Hoje, quase duzentos anos depois, sinais preocupantes indicam que tal lógica pode estar sendo reeditada sob novas roupagens.

Depois de mirar o Brasil, os Estados Unidos parecem direcionar esforços também contra a Colômbia e o México: economias relevantes, governos de orientação progressista e importância estratégica no continente. Não se trata apenas do uso de tarifas comerciais como instrumento de pressão, mas também da aplicação de mecanismos jurídicos e diplomáticos, como a Lei Magnitsky, para constranger governos e redesenhar o mapa político da região segundo interesses próprios. O objetivo, ao que tudo indica, é reconstituir, no século XXI, um ambiente de hegemonia similar ao da Guerra Fria, quando a América Latina era tratada, sem disfarces, como quintal geopolítico dos EUA.

É verdade que a correlação de forças mudou desde então. A dependência econômica latino-americana em relação a Washington já não é a mesma de décadas atrás, e países como o Brasil dispõem hoje de maior autonomia para diversificar suas parcerias e mercados. Ainda assim, o poder militar e a capacidade de sanção dos Estados Unidos continuam formidáveis, tornando necessária uma estratégia cuidadosa de resistência e reposicionamento. Medidas de proteção comercial, compensação a setores atingidos por sanções e a busca deliberada por novas rotas de comércio, com China, Índia e outros atores do Sul Global, são passos indispensáveis para a afirmação soberana.

Nesse contexto, fortalecer a integração regional entre países latino-americanos é mais que um gesto de solidariedade: é uma condição estratégica. A cooperação com Colômbia e México, por exemplo, pode criar massa crítica suficiente para reduzir vulnerabilidades comuns e negociar de forma mais equilibrada com potências externas. O desafio, contudo, é que a extrema-direita não avançou apenas no Brasil, mas também em outros países, fragmentando a região e dificultando a construção de uma frente comum. Ainda assim, a concertação política e econômica regional permanece como um dos instrumentos mais eficazes contra a pressão unilateral.

É preciso reafirmar, sem ambiguidades: não somos o quintal de ninguém. A independência latino-americana, no mundo contemporâneo, não se alcança pelo isolamento ou pelo protecionismo absoluto, mas pela diversificação inteligente de parcerias e pela inserção ativa em múltiplos circuitos econômicos e diplomáticos. Se a Doutrina Monroe foi o nome que, no século XIX, justificou a tutela estrangeira sobre o continente, a palavra de ordem, no século XXI, deve ser outra: diversificação.

*Daniel Carvalho de Paula é Doutor em História e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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