Coluna do Daniel Carvalho de Paula no MyNews
A formação nacional brasileira sempre esteve atravessada por um dilema: seríamos apenas uma cópia malfeita dos países centrais? As elites, em especial, cultivaram ao longo da história um “colonialismo mental”, assumindo como métrica de sucesso padrões externos, ora norte-americanos, ora europeus, ora japoneses. Esse olhar enviesado nos condena a um eterno sentimento de subdesenvolvimento: somos medidos não pelos nossos avanços ou pela riqueza de nossa cultura, mas pelo quanto ainda nos falta para nos tornarmos “iguais” aos outros. O resultado é uma sociedade que vive sob a sombra de um ideal inalcançável, sempre frustrada por não corresponder a um modelo que não lhe pertence.
A crise da sociedade americana, no entanto, ajuda a revelar o equívoco desse paradigma. O Nobel de Economia Angus Deaton já chamou atenção para o fenômeno das mortes por desespero nos Estados Unidos, fruto de suicídios, overdoses e doenças associadas ao abuso de drogas. Ali, um jovem branco de classe média, mesmo situado entre os 5% mais ricos da população mundial, sente-se derrotado por não ter atingido a excelência do consumo e da acumulação. A obsessão pelo êxito financeiro reduziu a vida a um monovalor: ganhar dinheiro. O trumpismo, nesse sentido, não é causa, mas sintoma de uma doença social mais profunda, que corrói a democracia e as relações humanas.
Na Europa, a situação difere porque há sistemas de proteção social que conferem segurança econômica, saúde pública e previdência, amortecendo os impactos da competição desenfreada. Isso demonstra que não existe um único caminho para o desenvolvimento e que os EUA, longe de serem modelo universal, enfrentam desafios que, por vezes, são mais graves que os de países considerados periféricos. A decadência do “sonho americano” deveria servir, para nós, como libertação: não precisamos nos enxergar como “um Estados Unidos fracassado”, mas como um Brasil em construção, capaz de definir sua própria noção de bem-estar.
Isso não significa ignorar nossas mazelas. É inaceitável que metade dos domicílios ainda não disponha de saneamento básico, que o ensino fundamental de qualidade não chegue a todas as crianças, que a insegurança seja realidade cotidiana. Esses problemas não podem ser romantizados, mas enfrentados. O ponto crucial é compreender que eles são obstáculos superáveis e que sua superação não exige a abdicação de nossa identidade em favor de cópias estrangeiras. O desafio é articular progresso material com a preservação de valores que nos distinguem.
O Brasil pode, sim, forjar um sonho nacional. Um sonho que não é o americano, nem o chinês, nem o europeu. Um sonho que não se reduz ao consumo, mas que incorpora justiça social, dignidade no cotidiano e alegria de viver. Se o colonialismo mental nos prende à ilusão de que só seremos alguém ao imitarmos os outros, a maturidade nacional nos convida a criar um horizonte próprio: um país em que a realização individual não se faça contra a sociedade, mas em comunhão com ela. Esse é o verdadeiro desafio, e talvez também a grande promessa, do século XXI brasileiro.
*Daniel Carvalho de Paula é Doutor em História e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie