“Ainda Estou Aqui” fez governo abandonar esquecimento da ditadura Ainda Estou Aqui | Foto: Divulgação ANOS DE CHUMBO

“Ainda Estou Aqui” fez governo abandonar esquecimento da ditadura

Nos 60 anos do golpe, em 2024, ordem de Lula era ignorar a data para não melindrar os militares; agora, com o filme, tudo mudou, a orientação é contrária

Se no ano passado, nos 60 anos do golpe militar, a ordem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi de esquecer a data para não melindrar os militares, neste 2025 a orientação é que a ditadura e seus arbítrios sejam lembrados, o que faz o assunto estar na ordem do dia.

Essa virada de chave do Palácio do Planalto tem nome e coube ao sucesso de “Ainda Estou Aqui” essa mudança de entendimento do presidente, que até chegou a criar o Prêmio Eunice Paiva de Defesa da Democracia, em janeiro agora. Como são as coisas. Em agosto de 2023, Lula não recebeu no Planalto um grupo de familiares que cobrava a volta da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, extinta por Jair Bolsonaro. Neste grupo, estava Vera Paiva, filha de Rubens e Eunice, que protestou em frente ao Palácio.

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O filme concorre neste domingo a três indicações do Oscar: Melhor Atriz, com Fernanda Torres; Melhor Filme Internacional e Melhor Filme.

Filme moveu familiares e até o STF

Ao contar ao público de milhões de brasileiros que o país viveu uma dura ditadura, “Ainda Estou Aqui” prestou um grande serviço a causa. O filme estimulou que familiares de desaparecidos buscassem também as certidões de óbito de seus familiares mortos pelos agentes daquele regime, reabriu casos emblemáticos, como o da morte de Juscelino Kubitschek, e levou o Supremo Tribunal Federal (STF) ao entendimento de que crimes da ditadura, como desaparecimento, não estão prescritos.

Presidente da Comissão de Anistia nos dois primeiros anos do governo Lula, a professora da UnB (Universidade de Brasília) Eneá Stutz viveu bem de perto esse momento de silêncio por parte do governo em 2024. Ela mesmo teve que suspender algumas atividades que pretendia promover para lembrar a data.

“Fico muito feliz que o filme tenha tocado tanta gente e inclusive ao governo federal para uma mudança de postura em relação a esses temas de memória, verdade, reparação e justiça com relação à ditadura. Feliz que o governo tenha inclusive instituído um prêmio com o nome de Eunice Paiva, em muita merecida homenagem. E que é extensivo a todos familiares de vítimas do golpe de 1964. Fundamental o Brasil fazer a justiça de transição”, disse Eneá Stutz ao Canal MyNews. A professora enalteceu a importância do filme nessa mudança de comportamento do governo.

“O filme presta um serviço enorme a memória do Brasil. É um filme belíssimo e que demonstra a rotina absolutamente corriqueira e normal de qualquer família brasileira e que, de uma hora para outra, pode ser vítima de ataques de arbitrariedade de um regime de exceção.  Já é um filme vitorioso pelo serviço prestado à sociedade brasileira. Uma obra que alterou a postura do governo e o fez fomentar esse debate, de valorizar a memória e de continuar promovendo a reparação e começar a se fazer justiça”, completou Stutz.

A presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos, Eugênia Gonzaga, também já disse que o filme está sendo muito relevante para jogar luz sobre a história da repressão no Brasil e que até poupou seu trabalho.

“Dois meses depois da reinstalação da Comissão de Mortos e Desaparecidos, em julho de 2024, o filme estourou. E nos poupou um trabalho imenso, que é explicar para as famílias, uma sensibilização que só a arte é capaz de fazer. O filme entrou na casa das pessoas, que não era a história  de um suposto terrorista. Pessoas que nem eram solidárias com essa causa da ditadura do Estado passaram a se identificar com essa luta”, afirmou Eugênia, que destacou ainda a importância do filme para o entendimento no STF sobre a Lei da Anistia.

“Outro ponto que o filme ajudou foi no campo jurídico. Duas ações que estavam paradas no STF há anos foram movimentadas. E não é coincidência. É a repercussão do filme. Tanto que o ministro Flávio Dino citou-o como justificativa (na sua decisão de que a Lei de Anistia não é óbice para investigar crimes continuados, como desaparecimento). Quem sabe vamos mudar esse posicionamento no STF, chega de Lei de Anistia na aplicação a graves violações de direitos humanos”.

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