Ivo Herzog, filho de Vlado, fala ao MyNews da conexão desses fatos e da provável condenação de Bolsonaro: “sentimos na pele a ditadura”
No dia 25 de outubro completa 50 anos da morte do jornalista Vladimir Herzog, assassinado pelos agentes da repressão nas dependências do Doi-Codi, em 1975, em São Paulo, após uma falsa versão oficial de suicídio. No 25 de outubro deste ano, o país já poderá ter conhecido a condenação do primeiro ex-presidente e vários oficiais generais por uma tentativa de golpe de Estado, regime semelhante ao que tirou a vida de Vlado.
Os fatos se entrelaçam, são íntimos e se comunicam. Herzog foi mais um de centenas de perseguidos, torturados, mortos e desaparecidos pela ditadura. O grupo de Jair Bolsonaro e seus seguidores tem apreço pelo regime de exceção, não reconhecem a ditadura como um processo de violações dramáticas dos direitos humanos.
Para conversar sobre os 50 anos sem Vlado, o MyNews conversou com Ivo Herzog, seu filho e de Clarice Herzog, e presidente do instituto que leva o nome do pai. A conexão do que ocorreu 50 anos atrás com o momento atual é límpida. Ivo falou sobre o julgamento de hoje, lamentou que os torturadores do passado não tenham sido julgados e condenados e lembrou da imagem do pai, de quem não guarda no instituto uma foto sequer de Herzog morto.
Abaixo, trechos da entrevista, cuja íntegra do vídeo do MyNews Especial com Ivo Herzog está abaixo do texto.
“Vivemos um momento histórico, com a possibilidade de militares presos pela tentativa de golpe. A condenação acontecerá. A democracia tem instituições robustas e reage para aplicar a Justiça contra os que atentaram contra o estado democrático.
“Para nós, que vivemos na pele o golpe de 64, que tivemos familiares mortos, torturados e desaparecidos, ainda falta aplicação semelhante de justiça aos autores daquelas violências de 1964 até 1985. Existe luta ainda de algo que se encontra engavetado pelo ministro Dias Toffoli, do STF, sobre Lei de Anistia que permita que militares e agentes envolvidos com aquela violência com golpe que se concretizou sejam levadas à Justiça. É uma ferida ainda aberta para nós”. (Toffoli é o relator da revisão da Lei de Anistia, que está parada). O Toffoli, ao não levar ao plenário, é sinal de continuidade da impunidade.
“Em nenhum país do mundo o que ocorreu aqui é tema de perdão. Ao não ter debatido anistia, o STF gera construções fantasiosas do que é anistia. Me pergunto muito, um tema que me incomoda na alma, se o julgamento que acontece agora ocorre só porque o Supremo foi invadido. Se fosse só o Congresso invadido, estariam julgando também? Não podem dizer como nós, que sentimos na pele por termos pessoas nossas que foram presas, torturadas e desaparecidas. O que ocorreu com meu pai foi muito significativo na via deles. Quando ocorreu com meu pai os ministros eram estudantes, estavam para entrar no curso de direito, ou começando a vida no mundo da Justiça. Três deles compartilharam a história pessoal deles, como foram influenciados pela história do meu pai.
“Na admissão da denúncia estava no STF. Não estava prevista a presença do Bolsonaro, não estava no meu radar. Não estava preparado para isso. Até ele chegar, havia um clima de descontração, os familiares (de vítimas da ditadura) reunidos, mas isso acabou quando o Bolsonaro chegou. E veio com toda corte, aqueles ministros do governo dele, todas pessoas que não vou convidar para jantar aqui em casa. Os crimes terríveis que cometeram antes, a Covid. Veio à cabeça o currículo de atrocidades daquele governo.
“Quando acontece o crime contra meu pai, lembrando que o Estado forjou a versão do suicídio, minha mãe (Clarice Herzog) começou uma luta pela verdade, de que ele não tirou sua própria vida. Nunca minha mãe buscou reparação financeira. A busca da justiça e culpados transcende muito isso. Em 1978 a primeira vitória, a sentença histórica que condena o Estado pela responsabilidade da morte do meu pai e que se apurasse as circunstâncias da morte, que nunca foi cumprida. A Lei de Anistia, de 1979, obstaculizou via tribunais o processo do meu pai. Era indeferido já que existia a lei. O Estado brasileiro também foi responsabilizado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2018, exigindo medidas.
Criaram a Comissão de Anistia (em 2002) e não entramos com pedido de reparação econômica, pelo entendimento de minha mãe. Mas, mais recente, com minha mãe apresentando sinais e sintomas de Alzheimer, ficamos preocupados e resolvemos entrar na comissão por uma reparação financeira, para garantir a ela todos os cuidados necessários dessa fase difícil da vida dela. (O acordo com a AGU assegurou uma indenização por danos morais de R$ 3 milhões à família).