A nova política regulatória do Banco Central do Brasil Foto: arquivo pessoal

A nova política regulatória do Banco Central do Brasil

Aylton Gonçalves no site do MyNews esclarece novidades no BCB

O contexto

Podemos compreender o termo “política regulatória” como o instrumento para definição de critérios e condições de operação de atividades econômicas e sociais, de modo a alinhar o interesse privado ao interesse público.

Com base nesse conceito, é possível afirmar que o Banco Central do Brasil (BC) tem nova política regulatória[1], cujos efeitos precisam ser identificados, avaliados e refletidos nas tomadas de decisão de gestores de instituições reguladas.

Como pano de fundo para a nova política do BC, podemos mencionar (i) a Operação Carbono Oculto da Polícia Federal, com relação a possível envolvimento de fintechs no ambiente do crime organizado; e (ii) os ataques cibernéticos realizados contra prestadoras de serviços de tecnologia da informação (PSTIs) durante o segundo semestre de 2025.

É interessante notar, no entanto, que a atual atividade normativa do BC não se orienta somente à resolução desses casos e de outros com circunstâncias fático-jurídicas semelhantes[2]. Isso porque os efeitos das últimas normas publicadas pela autarquia desbordam sobremaneira das eventuais lições aprendidas com os casos citados. Essa compreensão é importante, porque antever movimentos regulatórios é item crucial para correta alocação de recursos.

Os exemplos da nova política regulatória do BC

Instituições de Pagamento (IPs)

A regulação das IPs exemplifica a afirmação que dá título a este texto. Nesse sentido, chamo a atenção do leitor para o seguinte ponto: a partir de setembro de 2025, todas as IPs precisam de autorização prévia de funcionamento .

Para efeito de comparação, em uma timeline de normas de regência da autorização de IPs (Circular BCB nº 3.683/2013 , Circular BCB nº 3.885/2018 e Resolução BCB nº 80/2021 ), somente a primeira norma obrigou a autorização prévia de IPs. Assim, se tomarmos como referência os últimos 7 (sete) anos, o momento atual é um ponto de inflexão para o setor, que, de maneira brusca, precisa adequar processos e procedimentos para obtenção de autorização de funcionamento.

Em adição à necessidade de autorização, também a partir de setembro de 2025, toda instituição de pagamento precisa de sede física . Essa determinação normativa aumenta custos de manutenção da atividade de IPs. Para além disso, ela chega em momento no qual grande parte das discussões nacionais sobre mercado financeiro orientam-se predominantemente a ambientes virtuais, vide o caso do banking-as-a-service (Edital de Consulta Pública nº 108 ), dos ativos virtuais (Editais de Consultas Públicas nº 109 e 110 ) e prestadoras de eFX (Edital de Consulta Pública nº 124 ).

Em adição à necessidade de autorização, também a partir de setembro de 2025, toda instituição de pagamento precisa de sede física . Essa determinação normativa aumenta custos de manutenção da atividade de IPs. Para além disso, ela chega em momento no qual grande parte das discussões nacionais sobre mercado financeiro orientam-se predominantemente a ambientes virtuais, vide o caso do banking-as-a-service (Edital de Consulta Pública nº 108 ), dos ativos virtuais (Editais de Consultas Públicas nº 109 e 110 ) e prestadoras de eFX (Edital de Consulta Pública nº 124 ).

Prestadoras de Serviço de Tecnologia da Informação (PSTIs)

Mais um exemplo da nova política regulatória do BC está no caso das PSTIs. Em resumo, essas sociedades empresárias ajudam instituições reguladas pelo BC, por exemplo, na oferta de TED e Pix, por meio de infraestrutura tecnológica.

Entre 2019 e 2025, mesmo diante de possíveis riscos operacionais e sistêmicos relevantes, as PSTIs contaram com regulação branda. Podemos tomar como parâmetro disso o capital mínimo exigido. Enquanto a redação original da Circular BCB nº 3.970/2019 sequer contava com previsão a esse respeito, a Resolução BCB nº 498/2025 exige R$ 15 milhões de capital mínimo para PSTIs, podendo ser requerido mais, a depender do caso concreto. Com vistas à comparação, o capital mínimo exigido para o funcionamento de um banco comercial é de R$ 17,5 milhões .

Prestadoras de Serviço de Pagamento ou Transferência Internacional (eFX)

Por fim, vale notar o exemplo das prestadoras de eFX, que, em linhas gerais, são intermediadoras de operações cambiais. No tradicionalmente concentrado mercado de câmbio, a prestação de eFX representa uma forma de entrada simplificada e validação de modelo de negócios, uma vez que prescinde de autorização.

Assim, pela redação atual da Resolução BCB nº 277/2022 , uma sociedade empresária que note uma oportunidade de negócios pode iniciar a sua prestação de serviços via eFX, para, caso tenha sucesso, submeter um pedido de autorização de instituição autorizada a operar em câmbio ao BC, como é o caso das sociedades corretoras de câmbio.

Ocorre que, no dia 19 de setembro de 2025, o BC publicou o Edital de Consulta Pública nº 124, submetendo à análise da sociedade civil a regra de que somente instituições autorizadas a funcionar pela autarquia podem prestar serviços de eFX.

Os exemplos acima – notadamente quanto a IPs, PSTIs e prestadoras de eFX – parecem indicar que o BC tem, sim, uma nova política regulatória. Esta política tende a ser centrada na segurança do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), mesmo que com possíveis efeitos prejudiciais à inovação e à competitividade. Isto está em linha com a missão institucional da autarquia, mas é preciso que se tenha em vista: tal expediente tende a reforçar e ampliar market share de players que, neste momento, já se encontram consolidados do ponto de vista normativo e mercadológico.

O impacto regulatório

Nenhuma das alterações descritas neste texto contou com prévia análise de impacto regulatório (AIR), apesar de existirem relevantes custos econômico-financeiros decorrentes destas.

Embora seja uma obrigação legal, a experiência de AIR é ainda bastante incipiente na regulação do mercado financeiro. No momento de redação deste texto, somente 6 (seis) avaliações de impacto regulatório foram publicadas pelo BC .

Isso decorre do entendimento de que o decreto regulamentador da AIR, o Decreto nº 10.411/2020, traz exceção pela qual pode ser dispensado de AIR o ato normativo que vise a preservar liquidez, solvência ou higidez dos mercados financeiros, de capitais e de câmbio ou dos sistemas de pagamentos.

É por meio dessa exceção que quase a totalidade de atos normativos do BC tem afastado a necessidade de AIR, como ocorreu com a norma que determinou que todas as instituições de pagamento devem ter autorização prévia de funcionamento.

Como conclusão desta breve reflexão, questiono ao leitor se a realização de AIR poderia ter resultado em normas distintas e talvez mais bem amoldadas às necessidades do regulador e dos regulados. Além disso, recomendo que, diante da nova política regulatória do BC, tenha-se cautelosa reflexão quanto à tomada de decisão principalmente no que toca a itens que ainda contam com modesta atividade normativa.

Refêrencias

[1] O título se refere a um novo momento da regulação do Banco Central do Brasil tendo como parâmetro principal a administração anterior da autarquia. Nesse sentido, não se deixa de observar que as novas normas da autarquia encontram fundamento em sua missão institucional, de modo que a novidade abordada diz respeito a períodos recentes da atividade normativa.

[2] Embora largamente veiculada, não pode ser tomada como verdade a afirmação de que “fintechs não são reguladas”. A regulação do mercado financeiro orienta-se à atividade, de modo que a denominação comercial “fintech” pode ser utilizada para instituições de pagamento ou instituições financeiras, com legislação constituída a partir dos comandos, respectivamente, da Lei nº 12.865/20213 e da Lei nº 4.595/64, com extensa granularidade infralegal fornecida pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil. . Acesso em 22 de setembro de 2025.

[3] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução BCB nº 494, de 5 de setembro de 2025. Altera a Resolução BCB nº 80, de 25 de março de 2021, que disciplina a constituição e o funcionamento das instituições de pagamento, estabelece os parâmetros para ingressar com pedidos de autorização de funcionamento por parte dessas instituições e dispõe sobre a prestação de serviços de pagamento por outras instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Brasília, DF: BCB, 2025. Disponível aqui

[4] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Circular nº 3.683, de 4 de novembro de 2013. Estabelece os requisitos e os procedimentos para constituição, autorização para funcionamento, alterações de controle e reorganizações societárias, cancelamento da autorização para funcionamento e condições para o exercício de cargos de administração nas instituições de pagamento. Brasília, DF: BCB, 2013. Disponível aqui .

[5] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Circular nº 3.885, de 26 de março de 2018. Estabelece os requisitos e os procedimentos para autorização para funcionamento, alteração de controle e reorganização societária, cancelamento da autorização para funcionamento, condições para o exercício de cargos de administração nas instituições de pagamento e autorização para a prestação de serviços de pagamento por instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Brasília, DF: BCB, 2018. Disponível aqui .

[6] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução BCB nº 80, de 25 de março de 2021. Disciplina a constituição e o funcionamento das instituições de pagamento, estabelece os parâmetros para ingressar com pedidos de autorização de funcionamento por parte dessas instituições e dispõe sobre a prestação de serviços de pagamento por outras instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Brasília, DF: BCB, 2021. Disponível aqui .

[7] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução BCB nº 495, de 5 de setembro de 2025. Altera a Resolução BCB nº 81, de 25 de março de 2021, que disciplina os processos de autorização relacionados ao funcionamento das instituições de pagamento e à prestação de serviços de pagamento por parte de outras instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Brasília, DF: BCB, 2025. Disponível aqui .

[8] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Edital de Participação Social nº 108/2024: proposta de regulamentação do BaaS. Brasília: BCB, 31 out. 2024. Disponível aqui

[9]  BANCO CENTRAL DO BRASIL. Edital de Participação Social nº 109/2024: proposta de regulamentação da prestação de serviços de ativos virtuais (PSAVs). Brasília: BCB, 8 nov. 2024. Confira aqui

[10]  BANCO CENTRAL DO BRASIL. Edital de Participação Social nº 110/2024: proposta de regulamentação dos processos de autorização das SPSAVs, SCCs, SCTVMs e SDTVMs. Brasília: BCB, 8 nov. 2024. Veja aqui

[11] BRASIL. Edital de Consulta Pública nº 124/2025, de 19 de setembro de 2025. Divulga proposta de resolução BCB destinada a alterar a Resolução BCB nº 277, de 31 de dezembro de 2022, para aprimorar os dispositivos relativos ao serviço de pagamento ou transferência internacional – eFX. Brasília, DF: Governo Federal, 2025. Confira aqui

[12] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Circular nº 3.970, de 28 de novembro de 2019. Estabelece os critérios gerais de comunicação eletrônica de dados no âmbito do Sistema Financeiro Nacional (SFN), dispõe sobre os requisitos e as vedações aplicáveis ao Provedor de Serviços de Tecnologia da Informação (PSTI) e dá outras providências. Brasília, DF: BCB, 2019. Confira aqui aqui

[13] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução BCB nº 498, de 5 de setembro de 2025. Disciplina, no âmbito do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro, os requisitos, os procedimentos e as condições para o credenciamento de Provedor de Serviços de Tecnologia da Informação – PSTI e dá outras providências. Brasília, DF: BCB, 2025. Veja aqui

[14] CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. Resolução CMN nº 5.060, de 16 de fevereiro de 2023. Dispõe sobre a organização e o funcionamento dos bancos comerciais e dos bancos múltiplos. Brasília, DF: CMN, 2023. Veja aqui

[15] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução BCB nº 277, de 31 de dezembro de 2022. Regulamenta a Lei nº 14.286, de 29 de dezembro de 2021, em relação ao mercado de câmbio e ao ingresso no País e à saída do País de valores em reais e em moeda estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 dez. 2022. Seção 1, p. 1-9. Veja aqui

[16] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Análises de Impacto Regulatório – AIR. Brasília: BCB, 2025.  confira aqui

[17] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Voto 111/2025-BCB, de 3 de setembro de 2025. Assuntos de Regulação – Propõe a edição de resolução do Banco Central do Brasil para alterar a Resolução BCB nº 80, de 25 de março de 2021, que disciplina a constituição e o funcionamento das instituições de pagamento, estabelece os parâmetros para ingressar com pedidos de autorização de funcionamento por parte dessas instituições e dispõe sobre a prestação de serviços de pagamento por outras instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Brasília: BCB, 2025. Veja aqui

Sobre o autor

Advogado com especialização em Regulação dos Mercados Financeiro e de Capitais, com foco também em Direito Societário, em demandas consultivas e contenciosas. Foi Diretor Jurídico e de Compliance de instituição de pagamento. Sócio-fundador do escritório Aylton Gonçalves Advogados. Consultor Jurídico e Regulatório da GMS.

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