Foto: Foto: Caio Gomes/Governo do estado de São Paulo
Coluna do Daniel Carvalho de Paula no site do MyNews
A declaração recente do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, de que o diploma “tem cada vez menos relevância” não é um deslize discursivo, mas a expressão cristalina de um projeto político antigo e persistente: o de convencer a juventude trabalhadora de que o conhecimento não lhe pertence. Ao sugerir que o mercado estaria interessado apenas em “habilidades” e não em formação acadêmica, o governador reativa a lógica classista que reserva o pensamento crítico às elites e destina aos pobres apenas a instrução mínima necessária ao labor. Se o rico pode comprar escolas, intercâmbios, línguas estrangeiras e universidades renomadas, ao pobre basta “saber fazer”. Essa é, em síntese, a pedagogia tácita da extrema direita: educação é investimento para uns e desperdício para outros.
No entanto, os dados objetivos desmontam essa premissa. Estudos do IBGE mostram que brasileiros com diploma ganham, em média, três vezes mais que aqueles sem ensino superior. Não se trata de detalhe estatístico, mas de uma correlação robusta entre escolaridade, qualidade de vida e desenvolvimento nacional. País nenhum se torna potência científica, tecnológica ou econômica desvalorizando suas universidades. O ataque de Tarcísio ao ensino superior, portanto, não é inocente: enfraquecer a universidade significa enfraquecer a mobilidade social, manter as estruturas de privilégio intocadas e impedir que filhos e filhas da classe trabalhadora ascendam por mérito acadêmico. É uma política que, sob o pretexto de “realismo de mercado”, perpetua a desigualdade.
A retórica de que “o mercado” rejeita diplomas dirige-se, sobretudo, aos jovens pobres. Não se aplica, evidentemente, aos filhos da elite, que continuam a disputar vagas em colégios bilíngues, universidades internacionais e carreiras prestigiadas. Eis a contradição fundamental: na prática, o diploma continua valioso para os que sempre puderam tê-lo, enquanto se tenta convencer os demais de que esse valor “desapareceu”. Tal discurso serve apenas para justificar cortes bilionários na educação pública, como os promovidos pelo governo estadual, e para pavimentar o caminho da privatização do ensino e da mercantilização do conhecimento.
Esse projeto político tem raízes profundas. O Brasil esperou 420 anos desde sua colonização para fundar sua primeira universidade; enquanto isso, elites coloniais e pós-coloniais fizeram do atraso educacional um instrumento de dominação. A universidade representa o contrário do que querem os arautos do anti-intelectualismo: ela forma pesquisadores, professores, profissionais liberais, servidores públicos qualificados. Ela abre portas, verticaliza trajetórias e estrutura emancipação. Por isso, atacar o ensino superior significa atacar a própria ideia de futuro. Significa dizer ao adolescente da periferia: “seu lugar não é ali”. Significa conservar um país em que a pobreza é destino, não condição a ser superada.
Em última instância, o recado embutido na fala de Tarcísio é simples e brutal: o rico compra educação, o pobre não precisa dela. Contra essa tese perversa, cabe afirmar o óbvio: conhecimento transforma vidas. A universidade é patrimônio público, motor de mobilidade social e pilar da democracia. Um país que desvaloriza o saber destrói a si mesmo. Um governo que minimiza o diploma não está preparando jovens para o mercado; está preparando o mercado para explorar jovens com menor resistência. De nossa parte, é preciso reafirmar que educação não é privilégio: é direito, e que nenhuma sociedade pode aspirar a grandeza mantendo a maioria de seus cidadãos de costas para o conhecimento.
*Daniel Carvalho de Paula é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutor, Mestre, Licenciado e Bacharel em História pela USP.
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