Zohran Mamdani: um “socialista” eleito no coração da Trump Tower Foto: divulgação rede social X de Zohran

Zohran Mamdani: um “socialista” eleito no coração da Trump Tower

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O novo prefeito de Nova York é oposto do presidente americano em posicionamentos e ideias políticas

Nova York, cidade que sintetiza o caos moderno e a promessa do novo, acaba de protagonizar uma ironia histórica: elegeu como prefeito Zohran Mamdani, um político abertamente socialista-democrático, defensor do Estado de bem-estar social e crítico contundente das desigualdades urbanas, na mesma cidade em que Donald Trump construiu sua mitologia empresarial, fincada na arrogante verticalidade da Trump Tower. A vitória de Mamdani, um nome outsider, reflete mais do que uma guinada eleitoral: é o triunfo de uma outra imaginação política sobre o discurso do medo, da xenofobia e da concentração de riqueza. Mamdani venceu onde Trump foi coroado, tornando-se o anti-Trump eleito no terreno simbólico do trumpismo.

Ao contrário do ocupante da Casa Branca, que sempre tratou Nova York como palco para autopromoção, Mamdani construiu sua campanha sobre temas palpáveis, quase mundanos, mas urgentes: transporte público gratuito, prioridade ao direito à moradia e limitação do poder imobiliário sobre o planejamento urbano. Sua proposta de tarifa zero no metrô e ônibus, inevitavelmente criticada como utópica, apoia-se em estudos que demonstram ganhos econômicos com o aumento da mobilidade dos trabalhadores e a redução da dependência de automóveis, hoje um problema crônico na metrópole. Se Trump defendia muros, Mamdani defende pontes, literal e metaforicamente: quer remover barreiras ao acesso à cidade e expandir aquilo que os economistas chamariam de “infraestrutura de dignidade”.

Além disso, Mamdani reconhece a realidade que boa parte da elite preferiu ignorar: Nova York tornou-se hostil aos próprios nova-iorquinos. Aluguéis impraticáveis, gentrificação acelerada, precarização dos trabalhadores de aplicativo, fechamento de pequenos comércios, sintomas de um modelo urbano submetido à lógica financeira. A resposta de Mamdani não é abstrata: congelamento de aluguéis, incentivo à construção de moradias de interesse social e taxação de imóveis ociosos pertencentes a fundos especulativos. Em uma cidade onde 90 mil pessoas dormem em abrigos enquanto apartamentos vazios são tratados como ativos financeiros, o discurso simples, casa é direito, não investimento, encontrou eco não nas elites, mas nos trabalhadores.

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O grande teste, contudo, não será discursivo, mas administrativo. Nova York é uma máquina trituradora de prefeitos. David Dinkins sucumbiu à violência urbana, Bill de Blasio à exaustão institucional, Eric Adams à toxicidade da política policial. A história mostra: o amor do eleitor nova-iorquino é volátil. Mamdani sabe disso e aposta no que chama de “governo participativo”: orçamento com consulta direta aos bairros, ampliação da transparência e redução da influência de lobbies imobiliários no processo decisório. Sua força política está menos nos corredores do poder e mais nas ruas — e talvez seja isso que o diferencie dos que ruíram antes.

Em última instância, a vitória de Mamdani não representa apenas a derrota de um adversário político. Representa a derrota de uma visão de mundo. Se Trump simboliza o triunfo do individualismo narcísico, Mamdani simboliza o retorno da comunidade. Em uma democracia desgastada pela exaustão da retórica da “salvação individual”, personificada por torres douradas e carrões blindados, a ascensão de um líder que fala em bens comuns, mobilidade social, solidariedade e cidade vivível não é apenas refrescante: é um antídoto.

 

*Daniel Carvalho de Paula é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutor, Mestre, Licenciado e Bacharel em História pela USP.

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