Debate de universidade com presidente americano segue em alta nos Estados Unidos
O recente embate entre o governo Trump e a Universidade Harvard — estendido, aliás, a outras instituições de ensino superior nos Estados Unidos — expõe, com contornos cada vez mais alarmantes, uma tentativa deliberada de subjugar o espaço universitário à lógica de uma agenda política autoritária. O condicionamento do financiamento público, instrumento historicamente utilizado para fomentar pesquisa, diversidade e excelência acadêmica, passou a ser manipulado como ferramenta de chantagem ideológica. Harvard, símbolo global de produção de conhecimento e de liberdade intelectual, tornou-se bode expiatório em uma guerra que visa deslegitimar qualquer voz que escape à ortodoxia trumpista. Trata-se de um movimento que já não disfarça sua intenção: dobrar a universidade aos interesses de um poder que se pretende absoluto.
Essa forma de extorsão política — sonegar verbas a instituições que se recusam a alinhar-se ao discurso oficial — equivale, em última instância, a uma tentativa de destruição do patrimônio cultural e intelectual dos Estados Unidos. As universidades são, com todas as suas imperfeições, depositárias da memória crítica de uma nação, guardiãs do debate plural, e forjadoras de pensamento independente. Suprimir sua autonomia ou enfraquecer sua infraestrutura equivale a dinamitar os fundamentos sobre os quais repousa a democracia constitucional. A erosão do apoio público ao ensino superior não é apenas um ataque orçamentário; é uma investida simbólica contra a ciência e a cultura.
Historicamente, as universidades constituem uma zona de fronteira das democracias modernas. São elas que acolhem o dissenso, que ensinam a lidar com a complexidade e que recusam respostas fáceis a problemas difíceis. Por isso mesmo, tornam-se alvo preferencial de regimes autoritários e populistas. O trumpismo, ao tentar humilhar Harvard e outras instituições, reedita esse padrão histórico com roupagem nacionalista e retórica de guerra cultural, mas com a mesma vocação antidemocrática: calar, subjugar, instrumentalizar.
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A universidade, mesmo atravessada por contradições e desigualdades internas, é um para-choque contra o negacionismo científico, contra a interdição de debates, contra a corrosão do pacto civilizatório. Desacreditar a academia é estratégia de regimes que temem o pensamento autônomo, pois sabem que a liberdade acadêmica é, em essência, liberdade política. A cruzada contra Harvard é mais do que uma política pública equivocada; é um sintoma claro de regressão democrática. Defender a universidade hoje é defender o futuro da democracia, é recusar a chantagem do Estado que deseja impor o silêncio como moeda de troca pelo financiamento.
*Daniel Carvalho de Paula é Doutor em História e professor do curso de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie