Principal opositora à ditadura de Nicolás Maduro segue tentando pôr fim ao regime chavista
Nos últimos dias, uma das pessoas mais citadas no mundo é a venezuelana María Corina Machado, que venceu o Nobel da Paz de 2025. Ela é a principal opositora ao regime do ditador da Venezuela, Nicolás Maduro. Ao conceder o reconhecimento, o comitê do prêmio destacou a luta da ex-deputada “para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia”.
Logo após ser anunciada, Corina Machado dedicou a honraria “ao povo sofrido da Venezuela” e ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pelo que chamou de “apoio decisivo” a causa que representa. O gesto ascendeu um alerta para um flerte dela com uma intervenção estrangeira para tirar Maduro do poder.
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“Este reconhecimento da luta de todos os venezuelanos é um impulso para concluir nossa tarefa: conquistar a liberdade. Estamos no limiar da vitória e hoje, mais do que nunca, contamos com o presidente Trump, o povo dos Estados Unidos, os povos da América Latina e as nações democráticas do mundo como nossos principais aliados para alcançar a liberdade e a democracia”, escreveu.
Em entrevista ao MyNews, José Niemeyer, professor e fundador do Departamento de Relações Internacionais do IBMEC RJ, afirmou que o reconhecimento a María Corina lhe parece merecido: “Há quase 20 anos, ela vem, a partir da ação política e partidária, tentando junto com a oposição abrir o debate político na Venezuela, levar mais transparência, levar a um processo de alternância do poder”.
“Ela é uma agente política importante num país relevante na América do Sul, inclusive relevante para o sistema internacional, é um grande exportador de petróleo e faz parte da OPEP”, destacou. A OPEO é a Organização dos Países Exportadores de Petróleo, um cartel que reúne os maiores produtores de petróleo do mundo.
Ao MyNews, Flávia Loss, professora de Relações Internacionais no Instituto Mauá de Tecnologia e coordenadora da Pós-Graduação em Relações Internacionais na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), comentou a trajetória de María Corina nas últimas décadas da política venezuelana.
“O papel dela na defesa da democracia na Venezuela não é tão simples como parece. Obviamente olhando o cenário de hoje, María Corina realmente é uma pessoa que defende a democracia, ela tem muito mérito nisso, mas no passado já defendeu o golpe de estado que, em 2002, tirou Hugo Chaves do poder por 48 horas, fechou o Congresso e cancelou a Constituição da Venezuela. Essa é a María Corina”, destaca.
Flávia Loss pontuou que, com uma ascensão de Maduro, a agora vencedora do Nobel da Paz tem se colocado como uma defensora da democracia, do estado de direito: “Teve uma mudança e María Corina Machado se tornou a partir de 2024, principalmente, a principal representante da oposição.”
“Ela conseguiu algo muito difícil que foi unificar a oposição da Venezuela contra o Maduro e ganhou muito apoio popular, algo que é inédito desde a ascensão do Hugo Chaves em 1998, porque a população sempre esteve a favor dele. Os que não concordaram saíram da Venezuela e ela consegue apoio interno. Então ela é importante nesse sentido. Hoje comparada com o Maduro, ela é uma defensora da democracia.”
Em declaração à coluna da jornalista Raquel Landim, do UOL, o assessor especial do presidente Lula para assuntos internacionais, Celso Amorim, disse esperar que a honraria “não leve a atitudes mais radicais, nem facilite uma intervenção estrangeira” na Venezuela. “Só o tempo dirá. Se, após esse prêmio, os navios de guerra forem retirados, foi bom”, declarou.
O governo Trump enviou, há mais de um mês, oito navios de guerra e um submarino nuclear ao sul do Caribe, frente à costa da Venezuela, com o argumento de combater o “narcotráfico”. Em resposta, o regime chavista informou sobre uma nova mobilização militar em duas regiões costeiras do norte, próximas ao principal aeroporto do país.
“Acho que não vai haver uma intervenção na Venezuela. Os Estados Unidos vêm tendo, do ponto de vista estratégico militar, uma ação muito dura com relação, até agora, a narcotraficantes venezuelanos. No início o discurso era mais aberto, menos específico, mas logo a Casa Branca mudou e começou a atuar especificamente contra grupos narcotraficantes”, avaliou Niemeyer.
“Acho que o Nobel é importante, mas não é tão simbólico a ponto disso servir para uma intervenção norte-americana na Venezuela. A Casa Branca tem muitos problemas a resolver. A Venezuela é um problema, mas os Estados Unidos, como eu venho dizendo em todas as minhas entrevistas e palestras, vem perdendo poder relativo”, disse o professor.
“Outro parêntese que precisa ser feito, María Corina defende que os Estados Unidos façam uma intervenção em território venezuelano. Isso é muito complicado. Aqui no Brasil tem uma torcida muito forte para que isso aconteça, para que os Estados Unidos tirem o Maduro do poder, coloque a María Corina ou o Edmundo González”, destacou Flávia Loss.
A professora de Relações Internacionais, no entanto, ressaltou que as coisas não são simples assim: “A intervenção de um país estrangeiro, mesmo que você esteja numa situação horrível, muito delicada, sempre traz mais problemas. Posso te dar inúmeros exemplos aqui na América Latina, como no Haiti”.
“Trump nunca disse que quer restaurar a democracia na Venezuela, que quer defender o estado de direito. Toda essa movimentação de tropas próxima à Venezuela, ele sempre falou que é contra o narcotráfico, nunca que era contra o governo. Ele diz que tem o envolvimento do governo venezuelano de Maduro com narcotráfico. Nunca falou em democracia e muito menos que tem um plano para isso.”
Flávia Loss pontuou que María Corina Machado “joga com algo muito perigoso para ter o apoio do partido republicano e de Trump”. “Ela ganhou um apoio internacional muito importante com esse Nobel da Paz, um reforço do apoio americano. Agora, a oposição na Venezuela está numa situação muito delicada. Eles não têm força para mudar as coisas lá dentro”.