Economia
“André foi infeliz na forma como apresentou o problema, mas errado ele não está”, disse meu interlocutor para minha completa surpresa. Perguntei então sobre Ciro. “Concordei com ele em vários pontos”.
A ironia reside na teimosia do tempo. A notícia não é de hoje, mas é tão atual que deveria vir com um selo de validade estendida. O que a resgatou da prateleira foi o telefonema de um banqueiro de investimento nesta sexta-feira de novembro de 2025 para comentar um programa que ancorei em novembro de 2020 com Ciro Gomes e André Lara Resende (veja vídeo abaixo). O tempo passou, o cenário mudou… mas o desafio brasileiro segue firme, intacto, quase imortal.
Ele ligou para dizer que Lara Resende e mesmo Ciro não estavam errados. “André foi infeliz na forma como apresentou o problema, mas errado ele não está”, disse meu interlocutor para minha completa surpresa. Perguntei então sobre Ciro. “Concordei com ele em vários pontos”.
Inacreditável. André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, foi praticamente exilado pela ortodoxia econômica por ousar trazer a Teoria Monetária Moderna (MMT) ao debate nacional. Ciro Gomes causa arrepios por defender um Projeto Nacional de Desenvolvimento (PND) que exige o protagonismo estatal. MMT e PND, embora distintos, convergem por tocarem em dogmas sagrados do mainstream financeiro e por criticarem duramente um modelo econômico que nos condena à estagnação crônica e ao aprofundamento da miséria.
“O Brasil está numa armadilha”, disse o banqueiro. “Tenta equilibrar o déficit fiscal com aumento de carga tributária, isso asfixia a indústria. Só quem ganha é o rentista”, acrescentou. Parecia que eu estava ouvindo André e Ciro.
O debate entre o político e o economista revela uma notável convergência em soluções estruturais, exigindo a reorientação do Estado e o fim da prioridade absoluta ao rentismo.
O ponto de partida é o mais fácil de concordar, mas o mais difícil de resolver: a miséria.
Ciro Gomes: Aponta a miséria e a desigualdade como o problema mais grave, com “sequelas terríveis na saúde pública e na violência”. Uma tragédia social cujo risco de agravamento é matematicamente previsível.
André Lara Resende: De forma elegante, define o dilema brasileiro como a incapacidade crônica de superar o fosso entre o país rico e o “Brasil pobre, onde impera a pobreza, a miséria e a desesperança.” O objetivo de toda política, segundo ele, deveria ser a redução desse fosso em busca de uma sociedade “minimamente homogênea, educada e solidária.”
A convergência mais perigosa para o mercado é a crítica ao papel viciado do setor financeiro e ao rentismo como mecanismo de transferência de riqueza.
O Estado como Agente de Transferência: Ciro Gomes não mede palavras: a engenharia econômica do Brasil está montada para transformar o Estado Nacional em um mecanismo de transferência de renda de quem produz e trabalha para quem “especula no rentismo”.
A hipertrofia: André Lara Resende oferece o verniz acadêmico, chamando a hipertrofia financeira de uma distorção “caríssima”, que causa “enorme concentração de riqueza” e interrompe a prosperidade da classe média produtiva.
A asfixia: André critica a combinação fatal de taxa de juros real elevadíssima (por tempo demais) e pesada carga tributária, que juntas “asfixilaram a economia”. Manter juros acima do crescimento potencial é, na prática, uma garantia de má distribuição de riqueza.
Veja o programa na íntegra. No fim das contas, a conversa de quatro anos atrás permanece um espelho desconfortável para o presente: o Brasil precisa trocar a fé cega no dogma fiscal pelo investimento estratégico e desmontar o sistema rentista.
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