De inflação à produtividade, os bancos centrais mostram como a falta de trabalhadores ameaça o crescimento global
Durante muito tempo, o envelhecimento da população foi tratado como um risco exclusivo para a previdência. A narrativa era conhecida: mais aposentados, menos contribuintes, colapso das contas públicas. Mas o que os chefes dos principais bancos centrais do mundo revelaram no encontro de Jackson Hole, nos Estados Unidos, vai muito além da aposentadoria.
A combinação explosiva de gente vivendo muito mais e nascendo muito menos está prestes a chacoalhar toda a lógica das economias desenvolvidas. E os efeitos disso já estão em curso: inflação pressionada, produtividade em queda e escassez crônica de trabalhadores. A consequência direta? Uma demanda crescente por imigrantes, num momento em que o discurso político de extrema direita avança justamente na direção oposta.
Uma matéria publicada ontem pelo jornal inglês Financial Times mostra que Kazuo Ueda, presidente do Banco Central do Japão, resumiu bem: a falta de mão de obra é hoje um dos maiores desafios da economia japonesa. E os estrangeiros que representam apenas 3% da força de trabalho japonesa foram responsáveis por metade do crescimento recente do emprego. Ou seja: sem imigrante, não gira.
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Na Europa, ainda segundo o Financial Times, a presidente do BCE, Christine Lagarde, foi direta: sem um aumento expressivo da imigração, a zona do euro pode perder, até 2040, 3,4 milhões de pessoas em idade ativa. E quem segurou as pontas nos últimos anos? Imigrantes. Eles representaram 9% da força de trabalho em 2022, mas foram responsáveis por metade da expansão do mercado.
No Reino Unido, a situação é ainda mais delicada. Andrew Bailey, presidente do Banco da Inglaterra, alertou que 40% da população britânica estará acima da idade produtiva em 2040. Ao mesmo tempo, o país enfrenta uma queda persistente na taxa de participação no mercado de trabalho: menos jovens trabalhando, mais pessoas fora do mercado por doença de longo prazo, sendo a saúde mental o principal motivo.
A ironia fina, digna de registro, é que o Banco da Inglaterra hoje se preocupa menos com o desemprego e mais com a inatividade. O problema já não é mais “falta de emprego”, é “falta de gente querendo ou podendo trabalhar”.
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Outro dado curioso: enquanto as mulheres mais velhas seguem ativas no mercado, os homens estão abandonando o barco. E a escassez de trabalhadores pressiona a inflação, a produtividade e dificulta ainda mais o crescimento.
E aí vem o ponto central: a imigração como solução inevitável.
Justamente quando o discurso político se fecha, as engrenagens econômicas mostram que, sem trabalhadores de fora, não haverá futuro sustentável para as economias maduras. Os bancos centrais estão pedindo portas abertas, enquanto parte da política continua construindo muros.
O retrato mais emblemático dessa contradição é o próprio palco da reunião: os Estados Unidos. Lá, Donald Trump promove com gosto deportações, enquanto os formuladores de política monetária defendem, com todas as letras, a necessidade de atrair mais imigrantes.
Jackson Hole deixou claro que os desafios globais não serão resolvidos com frases prontas nem com slogans eleitoreiros. A longevidade é uma conquista civilizatória, mas exige planejamento de longo prazo, coragem política e disposição para lidar com o impopular.
Enquanto isso, aqui nos trópicos, o debate ainda gira em torno de como a inteligência artificial vai roubar empregos. Um tema legítimo, mas que contrasta com a nova realidade do mundo desenvolvido: a escassez de gente para trabalhar.
O futuro, ao que tudo indica, não será apenas tecnológico.
Será, sobretudo, humano, e rarefeito.