Muito além do Fla-Flu político: o caso Master e a financeirização sem freios Prédio sede do Banco Central em Brasília | Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil Sistema Financeiro

Muito além do Fla-Flu político: o caso Master e a financeirização sem freios

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Master cresceu com igual desenvoltura em dois governos de orientações opostas, o que desmonta teses fáceis eleitoreiras

Há uma tentação recorrente no debate público brasileiro: transformar qualquer problema estrutural em Fla-Flu político. Basta um banco balançar, uma operação policial aparecer ou uma teia de influências ser exposta, que imediatamente surgem análises preguiçosas culpando “o governo Lula” ou “o governo Bolsonaro”. A crise do Banco Master, e sua extensa rede de conexões políticas, econômicas e institucionais, é apenas o exemplo mais recente dessa pobreza analítica.

Mas os fatos contam outra história, e ela é bem menos conveniente para quem prefere explicações de dois parágrafos. O Master não virou um gigante do dia para a noite, nem nasceu em 2023. Em 2019, o banco tinha R$ 2,5 bilhões em CDBs emitidos. Em 2022, já eram R$ 17 bilhões. Em 2024, chegava a R$ 40 bilhões em exposição. Cresceu, portanto, com igual desenvoltura durante dois governos de orientações opostas, o que já deveria ser suficiente para desmontar as teses fáceis que tentam colar a responsabilidade exclusivamente em um lado ou outro da disputa eleitoral.

Esse salto só foi possível porque a engrenagem contava com um elemento-chave: o FGC.

É aqui que entra outro ponto ignorado nas análises rasas: o papel do Banco Central. A gestão de Roberto Campos Neto apostou em concorrência a qualquer custo, uma agenda compreensível, mas que abriu espaço para distorções relevantes. A gestão de Gabriel Galípolo está justamente tendo de lidar com os efeitos dessa estratégia: canais de supervisão pressionados, assimetrias ampliadas e a necessidade de rever a arquitetura de proteção ao investidor, especialmente no que diz respeito ao FGC.

E é importante lembrar: o BC é um órgão independente. Decisões de intervenção ou fiscalização reforçada não são tomadas por um iluminado solitário, mas por um colegiado técnico. São decisões difíceis, que precisam ser calibradas milimetricamente. Um movimento tardio pode gerar prejuízos sistêmicos; um movimento apressado pode resultar em processos pessoais contra o presidente do BC, algo que já ocorreu com ex-presidentes processados por ex-controladores de bancos que sofreram intervenção. É um jogo institucional delicado, que não cabe nos memes do debate binário. E sim, a pressão política ocorre. Mas é bem mais complexa do que o Fla-Flu político e a independência do Banco Central por si só não blinda 100% a instituição.

Reduzir a teia de interesses, incentivos e fragilidades do sistema financeiro brasileiro a “culpa do Lula” ou “culpa do Bolsonaro” não só empobrece o debate, ele o torna perigoso. Porque deseduca o público, alimenta desinformação e enfraquece a confiança nas instituições responsáveis por manter o sistema funcionando.

O problema é maior. É estrutural. É global. E começa pela financeirização crescente da economia: a capacidade de gerar fortunas sem produzir um parafuso, sem empregar uma pessoa a mais, sem sequer adicionar valor real ao ciclo produtivo. É a economia transformada em um tabuleiro onde ativos são empilhados sobre ativos e onde o risco, quando mal distribuído, se transforma em bomba-relógio.

Se quisermos entender o caso Master e tantos outros, precisamos abandonar o conforto das narrativas de torcida. A realidade é bem mais complexa. E justamente por isso merece ser enfrentada com seriedade, não com slogans.

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