A criptoeconomia brasileira no mercado de câmbio Foto: Canva

A criptoeconomia brasileira no mercado de câmbio

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A nova regulação do Banco Central redefine a criptoeconomia no Brasil e a aproxima o setor do mercado de câmbio.

A criptoeconomia não foi criada para fazer parte do controle estatal. Os estudos e os avanços tecnológicos que resultaram no bitcoin¸ case de maior sucesso do setor, objetivavam criar uma alternativa ao sistema financeiro tradicional. A proposta, que foi ousada e até certo ponto exitosa, foi estabelecer mecanismos que permitissem a segurança de transações financeiras sem a necessidade de intermediários: o modelo peer-to-peer.

Durante a década de 2010, não houve quem ficasse indiferente à criptoeconomia. As pessoas foram atingidas principalmente por dois vieses do mercado cripto: meio de pagamento e investimento. Provavelmente, o caro leitor ouviu falar do caso de alguém que, com um aporte financeiro pequeno, adquiriu um imóvel ou outro relevante bem da vida por meio da conversão crypto-fiat, ou seja, convertendo os seus criptoativos valorizados em uma moeda fiduciária como o real.

Por óbvio, esse potencial da criptoeconomia não saltou aos olhos somente de pessoas bem-intencionadas. Em diversos lugares do mundo, incluindo no Brasil, vimos casos de ilícitos cometidos pela via cripto, do ponto de vista do relacionamento com investidores e até mesmo da utilização de sistemas para ocultação de atividades criminosas, especificamente no tipo penal da lavagem de dinheiro.

As pressões sociais a respeito da criptoeconomia chegaram ao Congresso Nacional e diversos projetos de lei foram apresentados nesse sentido. Esse foi o caso do Projeto de Lei nº 2.303, apresentado no dia 08 de julho de 2015, que, após muitos anos, tornou-se a Lei nº 14.478/2022, norma que rege a atividade com criptoativos (na lei, “ativos virtuais”, que, para fins deste artigo, são termos sinônimos). Uma curiosidade: a redação inicial do projeto de lei, completamente modificada na lei atual, utilizava a nomenclatura “moeda virtual”, além de tratar sobre cripto e  programas de milhas aéreas. O texto foi um reflexo de seu tempo.

De lá até aqui, algumas coisas importantes aconteceram e o mínimo que você precisa saber é o seguinte: (i) o Banco Central do Brasil foi designado regulador principal da criptoeconomia brasileira; (ii) depois disso, a autarquia publicou várias consultas públicas com o objetivo de entender mais sobre o mercado cripto e sua futura regulação e (iii) no dia 10 de novembro de 2025, segunda-feira, o regulador publicou as normas que regram a atividade com ativos virtuais no Brasil, as Resoluções BCB nº 519, 520 e 521.

As novas normas atribuem papel central ao mercado de câmbio no novo cotidiano da criptoeconomia. Isso decorre, em primeiro lugar, de uma relevante e necessária alteração entre o texto posto para consulta e a norma publicada: as corretoras de câmbio e os bancos de câmbio podem prestar, concomitantemente a suas atividades econômicas tradicionais, serviços de ativos virtuais.

Em palavras mais simples, essas instituições poderão, por exemplo, emitir, vender, comprar, trocar e administrar carteiras de ativos virtuais. Especificamente no mercado de câmbio, as corretoras e os bancos de câmbio terão a possibilidade de prestar serviços para pagamentos internacionais via ativos virtuais, inclusive por meio de stablecoins.

Para os menos familiarizados, explico: as stablecoins são ativos virtuais lastreados em moedas fiduciárias, como euro ou dólar, e em títulos públicos federais tais quais os T-Bills estadunidenses. É justamente esse lastro que permite a esses ativos uma estabilidade (o “stable” de “stablecoin”) maior que a dos demais ativos virtuais. Essa estabilidade somada à evidente possibilidade de conversão global, rápida e segura para moedas fiduciárias fez das stablecoins a “bola da vez” do mercado cripto nos últimos anos.

Aqui reside uma das principais razões para o título deste artigo: operar com stablecoins, principal ponto do debate público atual em criptoeconomia, exigirá autorização específica para câmbio a ser fornecida pelo Banco Central do Brasil. Além de corretoras e bancos de câmbio, as prestadoras de serviços de ativos virtuais, os bancos comerciais, os bancos de investimento, os bancos múltiplos, as corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários e a Caixa Econômica Federal terão a possibilidade de integrar stablecoins a suas cestas de produtos e serviços. De todos esses agentes econômicos, somente as prestadoras de serviço de ativos virtuais são novas no mercado de câmbio.

A relação cripto-câmbio traz consigo importantes reflexos para instituições reguladas pelo Banco Central do Brasil e para consumidores.

As instituições reguladas — notadamente as tradicionais do mercado de câmbio, como corretoras e bancos de câmbio — têm, nas novas normas, importante perspectiva de modelos de negócios. Nos últimos anos, alguns tipos regulatórios tiveram seu rol de atividades econômicas elastecido, enquanto outros não foram contemplados do mesmo modo pela regulação. Mais recentemente, na semana passada, o BC publicou normas que tornaram mais difícil o acesso e manutenção dessas instituições no mercado financeiro, pela via do capital e patrimônio mínimos.

Nesse contexto, a criptoeconomia pode representar um “respiro” para diversas sociedades empresárias. Apenas como exemplo, uma corretora de câmbio poderá concomitantemente: realizar suas operações tradicionais, como na intermediação em câmbio; comprar e vender stablecoins; e prestar, via modelos de banking-as-a-service a serem regulados pelo BC, serviços de gestão de contas de depósito ou pagamento. A integração de criptoeconomia ao setor financeiro tradicional tende a tornar modelos regulatórios mais viáveis do ponto de vista econômico-financeiro.

A introdução à criptoeconomia de players bem adaptados ao mercado de câmbio tende a ter impacto positivo. Esses agentes econômicos já estão acostumados a todas as demandas operacionais e informacionais que integram o segmento, para fins de cumprimento da regulação. Do lado de fora do SFN, vemos somente as instituições, mas compõem esse trabalho, por exemplo, contadores, economistas, desenvolvedores de programas e sistemas, auditores, consultores e advogados. Todos esses agentes que já estão no dia a dia do câmbio serão fundamentais para o novo momento da criptoeconomia.

Pelo lado dos consumidores, a experiência cripto tende a ficar cada vez mais fluida. Agora mesmo, enquanto você lê este texto, certamente há alguém pensando em como alinhar a experiência do usuário (UX) tradicional de mercado financeiro às especificidades da criptoeconomia. Vale a menção: esta é uma estrada que, há muitos anos, tem sido pavimentada diariamente pelas crypto exchanges e por todos os profissionais que se relacionam com elas. É preciso notar, porém, que os incentivos econômicos devem mudar com a regulação e, por conta disso, alguns modelos cripto conhecidos terão de se reinventar para novamente provocar interesse aos olhos do consumidor.

Por fim, do que “não tem governo nem nunca terá” para o alvo de audiência pública no Congresso, lei, decreto, consulta pública e intensa atividade normativa do BC, temos uma certeza: a criptoeconomia mudou. Seus desafios são inúmeros e impossíveis de serem abarcados no texto de qualquer norma, haja vista os elementos constitutivos da sua formação. Independentemente disso, o horizonte que se enxerga a partir da nova regulação é de sustentabilidade de negócios e capilaridade do mercado — itens que certamente serão importantes para consumidores e investidores que, cada vez mais, enxergarão na criptoeconomia um mar seguro para se navegar.

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