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Emendas parlamentares: dinheiro de todos servindo ao interesse de poucos

Recursos são o oxigênio que garante a sobrevivência da imensa maioria dos políticos no Congresso. E é por isso que geram tanto interesse em Brasília

por Tiago Mitraud em 21/08/24 11:30

Fachada do Congresso Nacional, em Brasília | Foto: Pixabay

Ainda no início de 2019, recém-empossado como deputado federal, estava em uma das longas sessões da Câmara quando fui abordado por um colega mais ou menos assim:

“Tiago, é verdade que você foi eleito sem ‘ter’ nenhum prefeito?”

Ainda sem estar habituado ao fato de que prefeitos são tratados quase como propriedade dos deputados em Brasília, respondi: “Sim, realmente não tive nenhum prefeito me apoiando.”

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“Mas como você conseguiu os votos, então?”

Expliquei que, em resumo, passei meses rodando o estado, reunindo pessoas tão indignadas com a situação política do Brasil quanto eu. Aos poucos, elas me ajudaram a atrair outras pessoas, que se engajaram no projeto e fizeram meu nome chegar aos eleitores. Além disso, usei bastante as redes sociais para amplificar a mensagem.

“Caramba, que interessante. Não é comum um deputado ser eleito assim.”

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“Ah, é? E como você foi eleito?” – perguntei, ainda sem ter tanta clareza do mecanismo que “tradicionalmente” elege deputados.

“Ah, eu já tenho os ‘meus’ prefeitos, que fui herdando ou conquistando ao longo do tempo. No início da campanha, já sei exatamente quantos votos cada um deles vai me dar.”

“Mas como você tem tanta certeza? O que eles fazem para garantir esses votos? E em troca de quê?”

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“Bom, como eles fazem, não é problema meu. Eles que se virem. Mas, se não trouxerem os votos que me devem, eu fecho a torneira e interrompo o repasse de emendas para o município. O prefeito vai passar os próximos dois anos sem um real, até eu tirá-lo de lá e colocar alguém que cumpra o combinado.”

Esse diálogo mostra a razão do alvoroço em Brasília na última semana, causado pela paralisação momentânea no repasse das emendas parlamentares.

Esqueça aquele papo de que “as emendas são importantes porque só os deputados conhecem a realidade dos municípios”. A verdade é uma só: elas são o oxigênio que garante a sobrevivência da imensa maioria dos políticos no Congresso. E é por isso que geram tanto interesse em Brasília.

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Sem elas, os parlamentares perdem seu principal instrumento de cooptação de prefeitos para garantir votos na próxima eleição. E, como consequência dessa dinâmica eleitoral – claramente imoral, quando não ilegal – quem controla a distribuição das emendas, controla os políticos que dependem delas para sobreviver.

Historicamente, esse controle era exercido pelo Poder Executivo. Em troca dos votos para aprovar seus projetos, o governo distribuía emendas aos parlamentares fiéis. Com esse recurso, esses deputados e senadores irrigavam suas bases de prefeitos, garantindo suas reeleições.

A partir de 2015, enquanto Dilma preocupava-se com sua própria sobrevivência, o controle começou a mudar de lado. Um governo fraco permitiu ao Congresso aprovar a Emenda Constitucional 86, que criou as emendas impositivas, tornando seu pagamento obrigatório a todos os parlamentares.

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Ou, pelo menos, tornou obrigatória a distribuição de parte das emendas. Com as impositivas, o governo passou a utilizar outros mecanismos, distribuindo emendas “extras” para quem votava com ele, mantendo assim um diferencial competitivo, digamos, para sua base.

Com os sucessivos governos também cambaleantes, as emendas foram abocanhando parcelas cada vez maiores do orçamento, e os parlamentares passaram a se apropriar não só de mais recursos, mas também da chave do cofre. De 2019 para cá, com a impositividade das emendas de bancada, a criação das chamadas “Emendas PIX”, das emendas de relator, e, mais recentemente, a nova roupagem das emendas de comissão, o poder de destinar os recursos paroquiais praticamente saiu das mãos do governo e foi parar nas mãos de poucos líderes do Congresso.

As tentativas de mudanças recentes – e ainda em curso – como as anunciadas após a “reunião dos poderes” da última terça, que aparentam colocar alguma ordem na casa, têm sido inúteis para conter o caráter eleitoreiro e ineficiente, e muitas vezes corrupto, das emendas.

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A realidade é que o rio segue correndo para o mar, e o recurso do pagador de impostos continua deixando de servir ao interesse público para servir aos interesses políticos daqueles que controlam a destinação de emendas e dos parlamentares que se dobram a elas.

Por mais meritórias que sejam as iniciativas que buscam dar mais transparência e rigor à destinação das emendas, bem como dos parlamentares que buscam dar destinações mais técnicas e transparentes a esses recursos – foi o que fiz enquanto deputado, com um edital público de seleção de projetos –, a verdade é que só deixaremos de ter problemas com emendas parlamentares quando elas deixarem de existir. Ou, no mínimo, quando forem drasticamente reduzidas e fiscalizadas.

Dada a improbabilidade desse cenário no curto prazo, cabe a nós, como sociedade, seguir denunciando o mau uso desses recursos e encontrar alternativas aos políticos que, tanto do lado dos prefeitos quanto dos parlamentares, se entregam à perpetuação desse modelo nefasto de uso de dinheiro público para manutenção de poder.

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