População certamente não merece viver só para trabalhar; até hoje, no entanto, nenhuma proposta similar à PEC discutida nesta semana se mostrou viável
por Tiago Mitraud em 14/11/24 15:36
Deputados discutem propostas legislativas no plenário da Câmara dos Deputados | Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados - 13.11.2024
“Comissão Especial da Câmara aprova redução de jornada sem redução salarial.”
Não, essa manchete não se refere a uma tramitação expressa da PEC do fim da escala 6×1, tão discutida na última semana, mas a uma notícia de 2009. Naquele ano, após quase 15 anos de tramitação, a PEC 231/1995 – apoiada por intensa mobilização das centrais sindicais – foi aprovada em 30 de junho pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados dedicada a debatê-la. A proposta, cuja tramitação se iniciou há quase 30 anos, previa a redução da jornada semanal de 44 para 40 horas, sem corte de salários.
A etapa seguinte para a PEC seria sua votação em dois turnos no plenário da Câmara. Caso recebesse o apoio de 3/5 dos deputados, seguiria para o Senado. No entanto, a votação no plenário nunca ocorreu, e a proposta foi finalmente arquivada em janeiro de 2023.
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O debate sobre a redução da jornada de trabalho no Brasil, portanto, não é novidade. Inclusive, diversas outras propostas semelhantes já tramitam no Congresso, como a PEC 221/2019, que prevê a redução da jornada semanal para 36 horas.
Mas seja em 1995 ou agora em 2024, a narrativa é a mesma: o trabalhador não merece viver só para o trabalho, uma demanda certamente louvável, e parlamentares surgem com soluções milagrosas que prometem menos horas de trabalho, mantendo o salário. Contudo, ao menos até aqui, essas propostas acabaram barradas pelo mesmo obstáculo: a realidade.
E a explicação é simples. Ao contrário do que os defensores dessas propostas sugerem, não existe fórmula mágica para reduzir a carga horária e aumentar a renda do trabalhador. Reduções de jornada e aumentos salariais não se garantem por canetadas.
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Se aprovada, uma PEC dessa natureza causaria impactos na economia que levariam a uma junção de três consequências prováveis: a diminuição das vagas de trabalho (pela redução da atividade econômica ou pela automação), o aumento da informalidade ou o repasse dos custos ao consumidor, pressionando os preços.
O motivo é claro: nenhuma proposta milagrosa substitui o que realmente pode melhorar a renda e o bem-estar da população, que é o aumento da produtividade. E produtividade depende de uma força de trabalho mais qualificada e da redução dos custos de produção, o chamado “Custo Brasil” – discussões que seguem em segundo plano nos debates brasileiros.
E entre os altos custos de produção no país, está justamente o custo trabalhista, já elevado devido ao excesso de obrigações impostas ao empregador, tornando a contratação formal cada vez mais em baixa. Acabar com a escala 6×1 só aumentaria ainda mais esses custos e a complexidade da contratação pela CLT, acelerando a pejotização e a escalada da informalidade.
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Felizmente, até o momento, propostas desse tipo não prosperaram. Em 2009, as centrais sindicais conquistaram uma vitória parcial com a aprovação na comissão, mas o tema esfriou – até mesmo em governos que tendem a atender pressões sindicais, como os do PT. O impacto econômico era grande demais para ser ignorado, mesmo para aqueles que frequentemente relativizam lições básicas de economia.
Nem tudo, porém, está perdido. Se o objetivo for realmente aumentar o número de empregos e oferecer aos brasileiros opções de relação de trabalho mais flexíveis, temos a oportunidade de avançar na construção de um modelo alternativo à CLT, que permita uma maior negociação entre empregado e empregador, semelhante ao modelo de contratação por hora dos EUA. Esse modelo, aliás, também entrou em pauta no Congresso, com parlamentares apresentando uma PEC nesta linha como contraponto ao debate simplista do fim da escala 6×1.
Mesmo em tempos de polarização e populismo, é possível que o retorno da discussão abra espaço para que a sociedade e o Congresso discutam soluções com potencial real de melhorar a vida dos trabalhadores. E estas soluções passam, invariavelmente, pela revisão de premissas presentes na CLT. Que ao menos a entrada do tema na agenda permita a exploração de alternativas mais viáveis – e mais benéficas – do que a que iniciou a discussão, e possamos trazer melhorias concretas para as condições de trabalho e a produtividade no Brasil.
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