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DINHEIRO DO NOSSO BOLSO

O Fundo Eleitoral não deveria existir

Valor destinado ao financiamento de campanhas das eleições municipais de 2024 foi superior ao orçamento anual de 16 ministérios do governo federal

por João Amoêdo em 08/11/24 17:55

Quase R$ 5 bilhões foram destinados ao Fundo Eleitoral nas eleições de 2024| Foto: Pixabay

Mais uma eleição se encerra. Novamente dominada pelo dinheiro público, que sai dos nossos bolsos para pagar a campanha de alguns. E não é pouco: foram R$ 4,9 bilhões de Fundo Eleitoral, valor superior ao orçamento anual de 16 ministérios do governo federal.

Na cidade de São Paulo, por exemplo, foram disponibilizados R$150 milhões de verba pública para as campanhas à prefeitura. Para efeito de comparação, nas eleições presidenciais de 2018 o valor gasto foi de R$ 144 milhões.

Quem liderou o ranking nas eleições desse ano foi Guilherme Boulos, que recebeu R$ 81 milhões, 9 vezes mais do que havia gasto na mesma disputa em 2022. Apesar disso, não foi eleito e obteve uma votação apenas 7% superior à da última disputa.

Leia mais: A vitória de Trump e as eleições de 2026

No Rio de Janeiro, outra capital importante, o prefeito Eduardo Paes reeleito já no 1º turno não recebeu um único real de doação privada. Sua campanha, que custou R$ 21 milhões, foi inteiramente financiada por recursos públicos. O segundo colocado não foi muito diferente. Gastou R$ 25 milhões do Fundo Eleitoral e recebeu apenas R$ 50 mil em doações privadas, ou seja 0,2% do total.

O aumento contínuo dos juros de longo prazo e da taxa de cambio real X dólar, beirando os R$ 6, expressam a preocupação crescente da sociedade com os gastos públicos. Nesse cenário deveríamos nos perguntar: usar R$ 5 bilhões do orçamento federal para financiar campanhas políticas é de fato prioritário e necessário? A resposta simples e direta é não.

O Fundo Eleitoral foi criado em 2017 e utilizado pela primeira vez nas eleições de 2018. A principal justificativa para a sua existência foi a proibição, em 2015, de doações de pessoas jurídicas para campanhas políticas. Entretanto, quando analisamos os principais impactos do Fundo Eleitoral até o momento, o resultado para a sociedade é negativo:

Abstenção

O dinheiro gasto não tem contribuído para o aumento do interesse e da participação do cidadão no pleito eleitoral. Nas eleições de 2016, quando não existia mais financiamento de empresas e nem ainda o Fundo Eleitoral, a abstenção foi de 17,5% dos eleitores, representando 22 milhões de brasileiros aptos a votar.

No primeiro turno das eleições municipais de 2024, a abstenção foi de 21,7%, equivalente a 34 milhões de brasileiros aptos a votar. Já no segundo turno de 2024 a situação foi ainda pior: a abstenção foi de 29,3%, menor apenas que os 29,5% registrados nas eleições de 2020, quando o país enfrentava a pandemia de Covid-19.

Alternância de poder

A essência de uma democracia é facilitar a alternância de poder. Contudo, quando avaliamos o valor do Fundo Eleitoral, a forma da sua distribuição entre partidos e depois entre candidaturas, a constatação é de que esse mecanismo atua na direção contrária, dificultando a alternância e perpetuando os mesmos no poder.

Os defensores da existência do Fundo deveriam pregar uma distribuição semelhante entre os partidos, com ajustes apenas em relação à quantidade de candidaturas a serem lançadas e ao número de eleitores desses locais. A competição pelo voto seria mais justa e todas as legendas teriam as mesmas oportunidades.

A regra existente (nota abaixo*), porém, é outra: 98% da divisão dos recursos tem como base o desempenho de cada partido no último pleito federal, funcionando, portanto, muito mais como uma premiação pelos resultados passados.

A distribuição do Fundo Eleitoral entre candidaturas dentro dos partidos é também bastante concentrada. Os que já possuem cargos públicos são os maiores contemplados.  Um estudo feito pelo Instituto Millenium com base nas eleições de 2024 demonstra que o grupo daqueles que tem alguma função pública abocanhou 1/3 da verba eleitoral, cerca de R$ 1,6 bilhões.

Não por acaso, e graças também à ampla distribuição de emendas parlamentares, a reeleição em 2024 bateu recorde histórico para as prefeituras, atingindo 82%. Em resumo, os novos entrantes, partidos ou candidatos, recebem valores significativamente menores, dificultando em muito a renovação.

Custo da democracia

Um dos argumentos mais comuns para justificar o Fundo Eleitoral é de que ele faz parte do “custo da democracia”. Contudo, um dos efeitos práticos do Fundo é o aumento do custo das campanhas.

A disponibilização de R$ 5 bilhões para serem gastos pelas candidaturas no prazo de 45 dias acarreta um enorme efeito inflacionário nos itens consumidos durante uma campanha. Pesquisas, material de áudio visual e impressos têm seus preços inflados onerando o processo.

E, por fim, como acontece sempre que o dinheiro sai do bolso do cidadão e vai para a gestão do Estado brasileiro, aumenta-se o espaço para corrupção e desvio de verbas. Apesar dos esforços do TSE e dos custos adicionais envolvidos, é impossível se fazer uma fiscalização completa e precisa da utilização de todos esses recursos.

Na verdade, o que precisamos para fortalecer a nossa democracia são: campanhas mais baratas — graças ao avanço tecnológico, às redes sociais e ao acesso mais fácil à informação —, partidos com valores e princípios claros e maior participação do cidadão no processo político.

Os recursos públicos devem ser alocados nas áreas essenciais, como saúde, segurança e educação. E não na perpetuação de políticos no poder.

Nota: O valor é fixado com base no seguinte critério: 2% igualmente entre todos os partidos; 35% divididos entre aqueles que tenham pelo menos um representante na Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos obtidos na última eleição geral para a Câmara; 48% divididos entre as siglas, na proporção do número de representantes na Câmara, consideradas as legendas dos titulares; e 15% divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes no Senado Federal, com base nas legendas dos titulares.

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