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Economia
Veja as mudanças que aconteceram nos últimos tempos
Na última segunda-feira, dia 03 de novembro de 2025, o Banco Central do Brasil (BC) publicou normas que elevam em até 2.185,75%[2] o montante mínimo que uma instituição regulada pela autarquia precisa possuir permanentemente para prestar serviços[3]. Essas normas são: a Resolução Conjunta CMN-BCB nº 14/2025[4] e a Resolução BCB nº 517/2025[5], ambas com entrada em vigor na data da publicação.
Até a publicação das novas normas, a aferição do capital social a ser integralizado e do patrimônio mínimo líquido a ser mantido por uma instituição regulada pelo BC era bastante simples. Em muitas ocasiões, bastava a consulta à norma de regência do tipo regulatório. Por exemplo, facilmente identificava-se, pela leitura do revogado artigo 17 da Resolução BCB nº 80/2021[6], os patamares mínimos para o funcionamento de uma instituição de pagamento emissora de moeda eletrônica: R$ 2 milhões.
A partir de agora, esse cálculo é bem mais complexo. Isso porque ele leva em conta quatro componentes, quais sejam: custos iniciais (operacionais e tecnologia), atividades operacionais, atividades de investimento e fatores de captação. Como item adicional, verifica-se a circunstância de a instituição utilizar a expressão “banco” ou outra semelhante em sua nomenclatura — o que acrescenta R$ 30 milhões ao valor mínimo requerido.
Em resumo, a regulação de capital social integralizado e patrimônio líquido mínimo passou a ter foco na atividade (por exemplo, se uma instituição oferta empréstimos e cartões de débito) ao invés do tipo da instituição (por exemplo, uma instituição financeira, como um banco, ou uma instituição de pagamento). A nova fórmula pode ser sintetizada do seguinte modo: “Custo + (Atividades Operacionais + Atividades de Investimentos × Fator de Captação) + Adicional Banco”, conforme se observa na ilustração abaixo.

O primeiro impacto já foi percebido: a dificuldade quanto à identificação exata do capital social integralizado e patrimônio líquido mínimo requeridos. No momento de redação deste texto, circulam diversas calculadoras criadas com o objetivo de auxiliar no cálculo apresentado pela Resolução Conjunta CMN nº 14/2025 e pela Resolução BCB nº 517/2025. Principalmente pela via associativa, instituições pedem que o BC publique a sua própria calculadora, o que permitiria segurança jurídico-regulatória não obtida quando da publicação das normas.
Como exercício de reflexão, convido o leitor a imaginar quão significativa é a criação de barreira de entrada, via regulação, que não somente aumenta sobremaneira a exigência de alocação de recursos, como dificulta a compreensão (até mesmo por quem já está no mercado) dos valores necessários para se operar.
A melhor forma para entender o racional formador da norma publicada pelo BC é a leitura da “Exposição de Motivos”. No caso das novas normas, a Exposição de Motivos (Voto nº 146/2025–BCB, de 29 de outubro de 2025)[7] foi publicada posteriormente a 03 de novembro de 2025, dia em que a Resolução Conjunta CMN-BCB nº 14 e a Resolução BCB nº 517 entraram em vigor.
Em seus sete parágrafos, a Exposição de Motivos da Resolução BCB nº 517/2025 informa que as alterações normativas visaram:
Além da análise da Exposição de Motivos, há outro importante vetor interpretativo para as alterações normativas. No dia de publicação das normas, o BC realizou, como de costume, coletiva de imprensa que teve o seguinte título: “Coletiva sobre Novas Medidas de Reforço da Segurança do Sistema Financeiro”[8].
No momento da coletiva, alguns comentários foram realizados a respeito dos porquês da edição da Resolução Conjunta CMN-BCB nº 14 e da Resolução BCB nº 517/2025. Uma das razões mencionadas foi a ocorrência de fraudes cibernéticas e outros ilícitos no âmbito do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro. A palavra repetida naquela ocasião foi “resposta”.
Há, no entanto, certa dificuldade em correlacionar as alterações normativas realizadas com os fatos mencionados como justificantes. Isso porque nenhuma dessas circunstâncias decorreu de eventual nivelamento baixo dos parâmetros de capital social a ser integralizado e de patrimônio líquido mínimo a ser mantido por instituições reguladas.
De fato, não se tem notícia recente de como os itens alvo das novas normas contribuíram, de algum modo, para inconsistência de atividades de instituições reguladas pelo BC, principalmente sob a ótica de temas como Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLD/FT), Prevenção a Fraudes e Cibersegurança, aspectos centrais nas discussões que colocaram o mercado financeiro na pauta do debate público nos últimos tempos.
Além disso, talvez caiba avaliar se o meio adotado pelas novas normas foi o menos gravoso para a consecução do objetivo intentado, que, em última instância, é a higidez do SFN e do SPB. Em regra, as restrições à livre iniciativa devem sempre ser as menos onerosas possíveis para obtenção do resultado social pretendido[9].
Por fim, é também importante notar que, mesmo para os defensores do binômio “concentração-estabilidade”[10], possível alvo da nova política regulatória do BC, a concentração só é bem-vinda e asseguradora da estabilidade do sistema quando balanceada com possibilidades reais de ingresso de entrantes[11].
Respostas virão do tempo: entre a “saída organizada” e as estratégias para preservação da atividade econômica
A maior alteração normativa na história recente do mercado financeiro não contou com Análise de Impacto Regulatório[12]. Do mesmo modo, não contou com consulta pública.
Por conta disso, não se consegue mensurar as consequências das medidas adotadas pela autarquia. Não se tem, assim, estimativa de quais agentes econômicos terão de realizar uma “saída organizada”[13] do perímetro regulatório do BC, encerrando as suas atividades, em razão da impossibilidade de observância dos elevados patamares de capital criados pelas novas normas. Vale lembrar que o mercado financeiro possui influência relevante em diversos campos da economia brasileira. Assim, é legítimo o interesse da sociedade civil quanto a conhecer os impactos das medidas[14].
Embora a “saída organizada” tenha sido opção ressaltada pelo BC, durante a coletiva de imprensa que anunciou as novidades, este caminho certamente não se coaduna com os incontáveis esforços realizados pelas instituições reguladas para se manterem ativas e competitivas até o momento.
Desse modo, de maneira introdutória, tenho indicado ao menos três vias para a preservação da atividade econômica de instituições reguladas: (i) elaboração de plano de integralização de capital social; (ii) avaliação de modelos regulatórios distintos do atual; e (iii) realização de operações societárias de M&A. Os itens “ii” e “iii” são os ideais para instituições que, após profunda avaliação, entendam pela impossibilidade de suportar a nova carga regulatória de seu modelo de negócios[15].
Há que se ter atenção: essas escolhas devem ser avaliadas imediatamente, uma vez que o “tempo de reação”[16] é extremamente exíguo, considerado o impacto para diversos modelos regulatórios.
As instituições reguladas pelo BC têm dois anos para se adaptar aos novos patamares mínimos exigidos.
Até o fim de 2027, com escalonamento de montantes obtidos via diferença do capital atual das instituições e do exigido pela norma, as instituições precisarão integralizar 100% do montante exigido.
Para facilitar o entendimento do leitor, o quadro abaixo exemplifica como se daria a adequação de uma instituição de pagamento emissora de moeda eletrônica que (i) prestasse concomitantemente serviço de emissão de instrumento de pagamento pós-pago; (ii) detivesse o montante mínimo exigido para o tipo regulatório na norma revogada e (iii) participasse do arranjo de pagamento Pix como provedora de conta transacional.

No exemplo acima, a instituição de pagamento precisaria integralizar R$ 15,2 milhões em 2 anos. Esse tipo de situação deverá ser comum para diversas instituições reguladas pelo BC, mesmo que em tipos distintos dos de instituições de pagamento.
Como se pode depreender, a timeline proposta pelo BC pode não ser exequível para muitos agentes econômicos. Por essa razão, seria essencial que a autarquia (i) possibilitasse a apresentação de planos de integralização individualizados, com vistas à adequação a distintas realidades empresariais; ou (ii) postergasse o prazo previsto no artigo 12, inciso II, da Resolução Conjunta CMN-BCB nº 14/2025. É importante notar: há precedentes, na regulação dos últimos anos, para implementação da solução apontada no item “ii”.
Independentemente da perspectiva adotada quanto às novas normas, positiva ou não, há algo de incontestável: elas reformulam o mercado financeiro como o conhecemos nos últimos anos. Ainda não podemos precisar se este período marca o fim do que se apelidou de “revolução fintech”. Não sabemos também até que ponto esforços passados quanto à inovação e competitividade serão perdidos.
Neste momento, há só uma afirmação quanto a qual se tem poucas dúvidas: o mercado financeiro mudou a partir do dia 03 de novembro de 2025
[1] “Nada será como antes” é a vigésima faixa do álbum “Clube da Esquina”, de 1972. O disco foi eleito, por diversas publicações, um dos melhores de todos os tempos. Coincidentemente, Lô Borges, cofundador do movimento artístico que ficou conhecido como “Clube da Esquina”, faleceu na semana de publicação deste texto. O título do artigo é, portanto, uma singela homenagem a Lô Borges e ao Clube da Esquina.
[2] O chamativo percentual é extraído da análise comparativa do capital social integralizado e patrimônio líquido mínimo de sociedades corretoras de câmbio, que eram de R$ 350 mil (Resolução CMN nº 5.009/2025) e passaram a ser de R$ 8 milhões (Resolução Conjunta CMN-BCB nº 14/2025 e Resolução BCB nº 517/2025). Os diversos modelos regulatórios regrados pelo BC, como instituições de pagamento e demais instituições financeiras, tiveram alterações percentuais diferentes, apesar de extremamente significativas.
[3] Considerados os fins aos quais visa este texto, aspectos societários de grande importância que explicam os conceitos e distinções de “capital social integralizado” e “patrimônio líquido mínimo” não são abordados. Nelson Eizirik explica que “O capital social, formado pela contribuição dos sócios e pelas reservas (…) assim, o capital social, pela intangibilidade de direito, não de fato, evidentemente não se confunde com o patrimônio, formado pelo conjunto de bens, direitos e obrigações da empresa; o capital constitui um valor estático, ao passo que o patrimônio é dinâmico, por excelência, sofrendo mutações diária” (EIZIRIK, Nelson. Incorporação de reservas de capital ao capital social seguida da redução do capital – legitimidade da operação. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 115, p. 257, 1999). Nos termos do artigo 3º da Resolução Conjunta CMN-BCB nº 14/2025: “Para efeito de verificação do atendimento dos limites mínimos estabelecidos nesta Resolução Conjunta, o patrimônio líquido deve ser ajustado mediante: I – a soma dos saldos das contas de resultado credoras; e II – a dedução dos valores correspondentes: a) aos ajustes de avaliação patrimonial; b) à reserva de reavaliação; c) ao saldo das contas de resultado devedoras; e d) às participações no limite mínimo de capital social integralizado e de patrimônio líquido ajustado de instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, apurado na forma deste artigo”.
[4] BANCO CENTRAL DO BRASIL; CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. Resolução Conjunta nº 14, de 3 de novembro de 2025. Dispõe sobre a metodologia de apuração do limite mínimo de capital social integralizado e de patrimônio líquido das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Brasília, DF: Banco Central do Brasil, 2025. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20Conjunta&numero=14. Acesso em: 7 nov. 2025.
[5] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução BCB nº 517, de 3 de novembro de 2025. Dispõe sobre os procedimentos a serem observados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil na apuração do limite mínimo de capital social integralizado e de patrimônio líquido. Brasília, DF: Banco Central do Brasil, 2025. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20BCB&numero=517. Acesso em: 7 nov. 202
[6] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução BCB nº 80, de 25 de março de 2021. Disciplina a constituição e o funcionamento das instituições de pagamento, estabelece os parâmetros para ingressar com pedidos de autorização de funcionamento por parte dessas instituições e dispõe sobre a prestação de serviços de pagamento por outras instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Brasília, DF: Banco Central do Brasil, 2021. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20BCB&numero=80. Acesso em: 7 nov. 2025.
[7] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Voto do BC nº 146/2025-BCB, de 29 de outubro de 2025. Assuntos de Regulação – Propõe a edição de resolução do Banco Central do Brasil dispondo sobre os procedimentos a serem observados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil na apuração do limite mínimo de capital social integralizado e de patrimônio líquido. Brasília, DF: Banco Central do Brasil, 2025. Disponível em: https://normativos.bcb.gov.br/Votos/BCB/2025146/Voto_do_BC_146_2025.pdf. Acesso em: 7 nov. 2025.
[8] ANCO CENTRAL DO BRASIL. Coletiva sobre Novas Medidas de Reforço da Segurança do Sistema Financeiro. [S. l.: s. n.], 2025. 1 vídeo (ca. 1h 01min ). Publicado pelo canal Banco Central do Brasil. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=x7xQVcE1s4M&t=3653s. Acesso em: 7 nov. 2025.
[9] Nesse sentido, Marçal Justen Filho ensina: “O regulador manejará suas competências regulatórias em excesso, insista-se, quer editando norma que não observe parâmetros justificáveis de adequação e necessidade das restrições, quer atuando, em concreto, sem atenção à devida ponderação entre os ônus impostos ao regulado e os bônus que, potencialmente, este venha a obter com a observância das pautas regulatórias” (JUSTEN FILHO, Marçal. Princípios da Proporcionalidade e da Legalidade na Regulação Estatal. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 226, p. 373-402, out./dez. 2001, p. 380-381).
[10] Noutra via, há quem defenda o binômio “concentração-fragilidade”.
[11] BECK, T.; DEMIRGÜÇ-KUNT, A.; LEVINE, R. Bank Concentration and Crises. NBER Working Paper, n. 9921, Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research, ago. 2003. Disponível em: http://www.nber.org/papers/w9921. Acesso em: 6 nov. 2025.
[12] Lê-se, na Exposição de Motivos da Resolução BCB nº 517: “Por fim, o art. 5º da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, determina que as propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública federal, incluídas as autarquias e as fundações públicas, serão precedidas da realização de análise de impacto regulatório – AIR. Contudo, conforme dispõe o art. 4º, inciso V, do Decreto nº 10.411, de 30 de junho de 2020, que regulamenta essa Lei, a AIR poderá ser dispensada, desde que haja decisão fundamentada do órgão ou da entidade competente, na hipótese de ato normativo que vise a preservar a liquidez, a solvência ou a higidez dos mercados financeiros, de capitais ou de câmbio e dos sistemas de pagamentos. Portanto, com fundamento nos dispositivos mencionados, entendo que o ato normativo ora proposto está dispensado da AIR”. Conforme expliquei em texto anterior, também publicado no Canal My News, esta exceção tem sido regra na atividade normativa do BC.
[13] A opção da “saída organizada”, que diz respeito ao encerramento de atividades pela instituição regulada, foi indicada quando da realização de coletiva de imprensa pelo BC.
[14] SILVA, Gabriela Borges. Better banking regulation for Brazil: regulatory impact analysis in the financial sector. 2024. Tese (Doutorado em Direito) – FGV DIREITO RIO, Rio de Janeiro, 2024. Disponível em: https://hdl.handle.net/10438/35493. Acesso em: 7 nov. 2025. PAULA, Luiz Fernando de; ALVES JÚNIOR, Antonio José. Financiamento, crescimento econômico e funcionalidade do sistema financeiro: uma abordagem pós-keynesiana. Estudos Econômicos (São Paulo ), São Paulo, v. 43, n. 2, p. 363-396, abr./jun. 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-41612013000200006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ee/a/CPCSLCcyCjqdd9LKP4WkwqB/. Acesso em: 7 nov. 2025.
[15] Em texto posterior, tratarei de cada uma dessas opções de modo pormenorizado.
[16] A expressão “tempo de reação” foi empregada pelo BC, em sede de coletiva de imprensa, para identificar a correção do prazo estabelecido para adequação de agentes econômicos às novas regras.
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