Aposentado dispensa intermediário para lidar com seu dinheiro Agência do INSS. Foto: Arquivo (Agência Brasil) FRAUDE NA PREVIDÊNCIA

Aposentado dispensa intermediário para lidar com seu dinheiro

Por que o INSS precisa fazer o trabalho de repassar dinheiro a sindicatos e associações? Se essas instituições forem realmente boas e oferecerem serviços e produtos de qualidade, os beneficiários poderão contratá-las de forma privada.

A troca de ministros não resolve o problema de fraudes na Previdência. O verdadeiro nó é a falta de blindagem política do sistema. Técnicos que conhecem a fundo o funcionamento do INSS apontam que o esquema que levou à queda de Carlos Lupi é antigo e ganhou dimensão estratosférica em 2023 e 2024.

E o mais grave: o atual ministro, Wolney Queiroz, era secretário-executivo do Ministério da Previdência nesse período. Ou seja, acompanhou tudo de perto — e nada fez. Aliás, a supervisão técnica do INSS é muito mais atribuição do secretário-executivo do que do próprio ministro.

(acima, ata da reunião de 2023 no qual Lupi e Wolney Queiroz, novo ministro, ficaram cientes dos desvios no INSS)

Por que o INSS precisa fazer esse trabalho?

Para acabar com a farra dos descontos na folha do INSS, técnicos do setor entendem que só há um caminho: impedir que esses descontos ocorram diretamente na folha de pagamento do instituto. Por que o INSS precisa fazer o trabalho de repassar dinheiro a sindicatos e associações? Como o episódio deixou claro, esse modelo interessa muito mais às entidades do que aos aposentados e pensionistas.

Se essas instituições forem realmente boas e oferecerem serviços e produtos de qualidade, os beneficiários poderão contratá-las privadamente. O INSS, por sua vez, deveria estar concentrado no que realmente importa: a fila de mais de 2 milhões de trabalhadores aguardando análise de benefícios.

Leia Mais: Desvio em contas de aposentados derruba Lupi do governo

Os escândalos na Previdência não são novidade. As fraudes que minam os recursos do INSS se arrastam há décadas, com esquemas que evoluem, se reciclam e, muitas vezes, contam com a conivência silenciosa de estruturas políticas e sindicais. A que derrubou o ministro Carlos Lupi, no entanto, é particularmente conhecida dentro do setor — e antiga.

Trata-se de um tipo de golpe já mapeado por técnicos da casa, no qual aposentados e pensionistas são filiados compulsoriamente a entidades que descontam mensalidades direto do benefício. O negócio com desconto em folha se mostrou tão lucrativo que houve um salto expressivo no número de associações atuando no setor — muitas delas, inclusive, levantando dúvidas sobre se operam de fato ou apenas mantêm uma fachada para ter acesso a esses recursos.

Assédio institucionalizado

Essas instituições usam o assédio institucionalizado para manter sua fonte de receita ativa, especialmente após o fim do imposto sindical. Sem fiscalização efetiva, o modelo se perpetua, atingindo diretamente quem deveria ser protegido pelo sistema.

A queda de Lupi era previsível. Mas sua saída não resolve o problema. Combater esse tipo de prática exige enfrentamento político: é preciso barrar interesses organizados e adotar medidas de controle e transparência que resistam às pressões corporativas.

Blindar o INSS da captura institucional e garantir que aposentados não sejam tratados como moeda de troca é urgente. Sem isso, continuaremos trocando nomes nos ministérios, mas mantendo intocada a estrutura que permite esse tipo de violação ao sistema previdenciário.

Aposentadoria rural é outro foco

Outro foco de fraudes é a aposentaria rural. Até 2018 o sindicato dava uma declaracao e a pessoa se aposentava sem sequer ter visto uma enxada na vida. É dificil estimar o tamanho das fraudes originadas enquanto houve a vigência desta prática que se encerrou com a MP 871 em 2019.

Em 2024, o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) rural teve uma receita de R$ 9,9 bilhões e uma despesa de R$ 196,9 bilhões — um déficit de R$ 187,1 bilhões. Isso significa que a arrecadação cobriu apenas 5% das despesas do setor.

O enorme déficit na previdência rural é também resultado da contribuição previdenciária ser baixa e ser calculada sobre as vendas que, em muitos casos, são informais e portanto gera uma arrecadação bem inferior ao que efetivamente deveria representar a contribuição tanto de patrões como de empregados.

É fundamental revisar as regras da aposentadoria rural, que permanecem inalteradas desde a Constituição de 1988. O estudo “A Reforma Previdenciária que Faltou”, de Fábio Giambiagi, Rogério Nagamine e Otávio Sidone, mostra que a diferença de idade mínima entre trabalhadores urbanos e rurais aumentou após a reforma de 2019 — sete anos para mulheres, cinco para homens.

Os autores propõem uma equiparação gradual dessas idades, o que poderia gerar uma economia de R$ 900 bilhões em 30 anos. Enfrentar as fraudes e rever distorções históricas como as da aposentadoria rural são passos urgentes para garantir a sustentabilidade da Previdência. Trocar o ministro sem mexer na estrutura só adia a próxima crise.

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