Fotos: Ricardo Stuckert / PR
Coluna Daniel Carvalho de Paula
A política, por vezes, revela seus personagens de forma mais nítida nos gestos simbólicos do que nas decisões formais. A recente declaração de Donald Trump sobre Luiz Inácio Lula da Silva, chamando-o de “um cara muito vigoroso” e demonstrando admiração por sua trajetória, não é mero ato protocolar entre chefes de Estado. É, antes, um movimento de reconhecimento: Trump enxerga em Lula, mutatis mutandis, uma imagem que gostaria de projetar de si mesmo. Ao celebrar os 80 anos de Lula, Trump não o homenageia apenas como líder estrangeiro, mas como símbolo de um tipo de popularidade, carisma e resiliência que ele, Trump, almeja alcançar, sobretudo em um cenário em que ele próprio enfrenta acusações, processos e desafios políticos internos.
Lula encarna, para seus adversários e admiradores, a figura de um líder que sobreviveu à tempestade. Foi preso, sofreu uma das mais intensas campanhas de deslegitimação política do país e, no entanto, saiu da prisão não como um homem diminuído. Voltou ao poder democraticamente e reassumiu a Presidência com prestígio internacional, sendo recebido como estadista em cúpulas e fóruns multilaterais. Poucos líderes políticos no mundo contemporâneo podem reivindicar trajetória semelhante. É justamente essa capacidade de sobreviver, mais ainda, de transformar o revés em combustível político, que desperta em Trump uma forma enviesada de admiração.
Ao ressaltar sua “vitalidade”, Trump tenta capturar para si a aura que cerca Lula: a de um líder octogenário que não se dobrou ao bullying político, que mantém, a trancos e barrancos, sua popularidade doméstica e prestígio internacional. Trata-se de um gesto narcisista, um espelho em que o presidente americano procura se ver como gostaria de ser visto. Afinal, Trump, que enfrenta acusações criminais e judiciais, sonha com a narrativa de triunfal, capaz de transformá-lo de réu a herói.
Mas há uma diferença crucial: Lula conquistou sua posição atual por meio de uma combinação rara de liderança popular orgânica, habilidade política e legitimação internacional. Seu retorno ao poder foi respaldado pelas urnas e reforçado pela capacidade de sua equipe de construir pontes diplomáticas, como o recente encontro com Trump demonstra no plano estratégico. Já Trump, ao contrário, busca reescrever a narrativa de sua própria história política a partir de um discurso de vitimização e confronto permanente. Sustém, então, o porrete!
A cena do presidente americano elogiando Lula, portanto, ultrapassa a anedota. É um ato revelador de como lideranças populistas, mesmo tão distintas em contexto e conteúdo, podem se espelhar em símbolos de força e sobrevivência política. Trump olha para Lula como Narciso diante da água: admira a imagem refletida, deseja incorporá-la, mas ignora que o reflexo não é ele, é o outro.
*Daniel Carvalho de Paula é graduado, mestre e doutor em História pela USP, professor e pesquisador na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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