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INDICADO AO OSCAR

“Ainda Estou Aqui” estimula novas revelações de quem viveu a ditadura

A presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, Eugênia Gonzaga, tem sido procurada por pessoas que desejam contar fatos do passado: "Com toda essa repercussão, está voltando a acontecer esse tipo de manifestação, de pessoas que querem trazer seus documentos, que querem falar, que querem contar coisas"

por Evandro Éboli em 30/01/25 20:15

Ainda Estou Aqui | Foto: Divulgação

O alcance do sucesso do filme “Ainda estou aqui” vai além de lotar as telas dos cinemas com quase quatro milhões de espectadores, de jogar luz e levar ao conhecimento de parte da sociedade que o país viveu um período totalitário e arbitrário de prisões, mortes e desaparecimentos e ainda pode possibilitar ao Brasil a conquista de um inédito Oscar, ou mais. A repercussão do filme que conta a vida de Eunice Paiva, do marido Rubens Paiva, alvo do regime militar da época, e de seus filhos já parece ir além e está encorajando quem viveu de perto aquele período a fazer revelações sobre as violações de direitos humanos contra os opositores do regime.

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A procuradora Eugênia Gonzaga, que preside a Comissão de Mortos e Desaparecidos, em entrevista ao Canal MyNews, contou que já foi procurado por pelo menos duas pessoas que querem fazer revelações daquele período. A dirigente do colegiado disse que este é um tipo de fenômeno comum na Justiça de transição e que, por isso, esse tipo de crime não pode jamais prescrever. E mesmo familiares de vítimas, que tinham receio de revelar detalhes, estão com esse estímulo. Veja esse trecho da entrevista:

“Era muito tensa essa relação interna vítimas e suas famílias e vítimas e seus algozes. As pessoas trabalham com esse sentimento, de que estavam cumprindo uma ordem. E temos que pensar com essa cabeça. É preciso que se passe anos para essas pessoas irem assimilando o fato de que devem contribuir e contar a verdade, para fins humanitários, para a localização dos corpos (ela cita as revelações feitas por Cláudio Guerra e Paulo Malhães). Esses dois, que resolveram falar em algum momento, não carregar mais esse tipo de coisa. E agora, com esse distanciamento desse fato, com a repercussão do filme, os próprios familiares dizem: ‘olha, tenho documento sobre isso’. E quem decide divulgar mais para a frente, que as famílias entreguem, porque, por mais que certa parte do Exército diga que o que tinha para abrir já abriu, em 2011 e 2012, houve uma transferência para o Arquivo Nacional. Muita coisa foi liberada, mas muita coisa foi destruída. Mas sabemos que não é da cultura das Forças Armadas essa destruição. E a gente sabe que documentos foram encontrados em poder e mãos de ex-militares, nas mãos do Manhães, por exemplo. que ajudaram a desvendar a morte de Rubens Paiva e ajudou no caso do Riocentro. Então, hoje, com toda essa repercussão, está voltando a acontecer esse tipo de manifestação, de pessoas que querem trazer seus documentos, que querem falar, que querem contar as coisas. A gente não sabe ainda até que ponto será uma contribuição positiva, mas temos que ouvir”.

A presidente da comissão contou ao MyNews que foi procurada por duas pessoas. Perguntada se era eram só familiares ou se tinha também “gente do outro lado”, Eugênia Gonzaga respondeu uma se tratar de um familiar e outra de “pessoa que estava naquele período, sim”.

Sobre o efeito de Ainda Estou Aqui no seu trabalho na comissão, Gonzaga diz que “Ainda estou aqui” poupou sua missão à frente do colegiado.

“Dois meses depois (da reinstalação da Comissão de Mortos e Desaparecidos, em julho de 2024) o filme estourou. E nos poupou um trabalho imenso, que é explicar para as famílias, uma sensibilização que só a arte é capaz de fazer. O filme entrou na casa das pessoas, que não era a história  de um suposto terrorista. Pessoas que nem eram solidárias com essa causa da ditadura do Estado passaram a se identificar com essa luta…Outro ponto que o filme ajudou foi no campo jurídico. Duas ações que estavam paradas no STF há anos foram movimentadas. E não é coincidência. É a repercussão do filme. Tanto que o ministro Flávio Dino citou o como justificativa (na sua decisão de que a Lei de Anistia não é óbice para investigar crimes continuados, como desaparecimento). Quem sabe vamos mudar esse posicionamento no STF, chega de Lei de Anistia na aplicação a graves violações de direitos humanos”.

Eugênio Gonzaga ocupa pela segunda vez a presidência da comissão. Sua primeira passagem pelo comando do colegiado foi no período entre 2014 a 2019. Ela foi exonerada pelo então presidente Jair Bolsonaro, que teve como um dos últimos atos de sua gestão a extinção da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos.

A entrega da certidão de óbito dos desaparecidos aos familiares foi uma tônica no seu trabalho. Sempre deu ênfase que esses documentos fossem retificados com a inclusão da real causa das mortes desses militantes que lutaram contra a ditadura, e que deixasse claro que foram assassinados pelo Estado. A presidente, e sua equipe, preparam um grande ato para a entrega dessas certidões retificadas a 414 vítimas do regime de exceção, incluída a família do ex-deputado Rubens Paiva. Nessas cerimônias haverá o pedido de desculpa oficial a esses familiares.

Eugênia Gonzaga falou também sobre o paradoxo de o filme que trata de um tema da ditadura militar, que completou 60 anos em 2024, faça esse sucesso em meio a uma escalada da extrema-direita no Brasil e no mundo.

“Pois é, o poder da sutileza do filme. Muitas pessoas saíram do cinema dizendo ‘nossa, mas esse filme dourou a pílula, não mostrou cena de tortura, tinha que ter exibido o que Rubens Paiva passou. Há uma tendência dos novos diretores e diretoras de não mostrar uma cena de tortura. A tortura é algo tão abjeta, tão indigna que não merece nem ser representada, não ser espetacularizada. Nenhum ator merece encenar esse tipo de situação. Esse foi o grande poder do filme, deixou aquele drama subentendido e focou na família. As pessoas se identificaram com aquela mãe.

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