Portugal nas urnas: certezas, dúvidas e o risco da extrema-direita Eleições portuguesas foram acompanhadas com apreensão pelo resto do continente (Foto: Pixabay) DERROTA DA ESQUERDA

Portugal nas urnas: certezas, dúvidas e o risco da extrema-direita

A Europa acompanhou com atenção o desenrolar das eleições portuguesas, com receio do avanço da extrema-direita. O Chega saiu fortalecido, ecoando um padrão que vem preocupando democracias consolidadas do continente.

Há uma dúvida e duas certezas entre os analistas políticos portugueses depois das eleições legislativas do último domingo, 18 de maio. A primeira certeza: a esquerda foi a grande derrotada. A segunda: o Partido Socialista (PS) e o Partido Social Democrata (PSD), que por décadas alternaram o poder em Portugal, terão que superar suas diferenças e, em algum momento, formar uma coalizão para conter o avanço da extrema-direita.

A dúvida que paira é se André Ventura, líder do Chega, pode de fato ser considerado o grande vitorioso do pleito. Seu partido praticamente dobrou de tamanho no Parlamento, mas ainda há sérias dúvidas sobre sua capacidade de liderar o país ou compor uma maioria estável. Digo liderança a nível nacional no atual contexto. A Aliança Democrática (AD), com apoio dos liberais, e o próprio PS devem garantir a governabilidade nos próximos anos.

Falta ao Chega estofo político

O Chega, por sua vez, ainda é um “one man show”, centrado exclusivamente na figura de Ventura. Falta ao partido estofo político. A nova bancada deixa isso evidente: muitos dos eleitos são assessores internos, repetindo o padrão da eleição anterior. Faltam quadros qualificados e com densidade política para conduzir uma expansão consistente. Alguns, inclusive, estiveram envolvidos em escândalos como o que ficou conhecido como “escândalo das malas”, em que um ex-deputado do partido foi acusado de roubar bagagens no aeroporto de Lisboa. Episódios como esse comprometem severamente o discurso moralista que o Chega tenta sustentar no debate público.

A Europa acompanhou com atenção o desenrolar das eleições portuguesas. Observadores internacionais queriam entender se Portugal seguiria a tendência de outros países europeus, onde a extrema-direita tem avançado com força, ou se conseguiria manter uma barreira institucional sólida. O resultado foi um sinal de alerta: mesmo sem conquistar o poder, o Chega saiu fortalecido, ecoando um padrão que vem preocupando democracias consolidadas do continente.

A esquerda sai nitidamente enfraquecida

Luís Montenegro, líder da AD e atual primeiro-ministro, angariou em números absolutos uma expressiva fatia dos votos, mas não conseguiu maioria parlamentar. Isso o obriga a buscar o apoio de partidos à direita para se manter no cargo. A vitória foi significativa do ponto de vista político e simbólico – após uma campanha centrada em críticas à gestão socialista –, mas o desafio agora é montar uma coalizão viável, sem ceder à pressão do Chega, o que será um teste de habilidade e firmeza.

Do lado dos perdedores, o PS e toda a esquerda saem nitidamente enfraquecidos. O Partido Comunista perdeu terreno até em bastiões históricos, como Setúbal – berço simbólico do comunismo português, onde o Chega obteve uma vitória avassaladora. Mais do que uma mudança de votos, trata-se de uma reconfiguração profunda das sensibilidades políticas. Ventura soube conquistar corações e acolher a insatisfação crescente entre jovens sem perspectivas e aposentados angustiados por pensões esquálidas.

Bolsonaristas entre os imigrantes do Brasil

A pauta da imigração foi central na estratégia do Chega e ajudou a impulsionar o desempenho do partido nas urnas. Num momento em que Portugal vive uma transformação demográfica acelerada, com aumento significativo no número de imigrantes, o partido de Ventura canalizou o medo e a insegurança de parte da população, vinculando a chegada de estrangeiros à sobrecarga dos serviços públicos e ao aumento da criminalidade — mesmo quando os dados não sustentam essa narrativa. O ressentimento social, alimentado pela precariedade habitacional, pelo congestionamento nos serviços de saúde e pela competição no mercado de trabalho, foi convertido em combustível político.

Dentro desse cenário, chama atenção o papel de uma parte dos imigrantes brasileiros, muitos deles apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Em Portugal, esse grupo tem demonstrado forte identificação com o discurso de Ventura, reproduzindo pautas da extrema-direita brasileira e, curiosamente, engrossando o coro contra os próprios imigrantes. Muitos não se enxergam como parte do fluxo migratório que vem mudando o perfil do país e adotam uma postura de distinção em relação a outros grupos — como africanos e asiáticos — reforçando a retórica nacionalista e excludente do Chega. É uma contradição que ajuda a entender a complexidade da nova direita transnacional e o poder de sedução de discursos autoritários mesmo fora do país de origem.

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