Foto: © Marcello Casal jr/Agência Brasil
Coluna do Prando no site do MyNews
Há dias, no Brasil e quiçá no mundo, repete-se a cena de um jovem que, após escalar os altos muros de um zoológico, consegue desce por uma árvore até a jaula da leoa Leona. O desfecho todos já sabem: o jovem foi morto em poucos minutos, diante de visitantes que, atônitos, acompanharam o ataque.
Imagens exibidas por um programa de televisão mostravam o ocorrido e, ao lado, um senhor comentou: “só sendo louco para fazer isso”. Pois bem, é aí que a história ganha outras dimensões. Gerson de Melo Machado, de 19 anos, conhecido como Vaqueirinho, teve uma longa trajetória de transtornos mentais e problemas com a Justiça, marcada por internações e prisões recorrentes. Poucas pessoas da família compareceram ao velório do jovem Gerson – além de alguns agentes do serviço social que, nos últimos anos, acompanharam seu quadro de saúde mental e ações judiciais. A Conselheira Tutelar Verônica Oliveira, que conhecia Gerson há nove anos, afirmou que “ele era muito mais do que o vídeo do parque. Ele era um menino abandonado, adoecido, negligenciado por todo o sistema. O que aconteceu no domingo foi a última etapa de uma tragédia anunciada”. Um outro senhor, que travou contato com Gerson durante sua privação de liberdade, afirmou que seu comportamento era de uma criança de cinco anos – uma mentalidade infantil. Há, inclusive, na família de Gerson, histórico de transtornos mentais – como, por exemplo, o de sua mãe.
Agora, após o ocorrido, as instituições públicas municipais, de João Pessoa buscam, dada a repercussão do fato, apresentar explicações e documentos para indicar que não houve descaso ou abandono. Já ocorrem – e continuarão por algum tempo – debates e discussões na televisão acerca da saúde mental, da segurança do parque (zoológico), da situação da leoa, de seu acompanhamento após o estresse sofrido. Não me esqueço de uma cena, gravada anteriormente: das veterinárias, funcionárias do local, acariciando a leoa para demonstrar que ela é bem tratada – em suas palavras “Leona é muito mimada” – e que o ataque fatal foi reação instintiva da espécie após a invasão de seu espaço.
Thomas Hobbes, autor clássico da Política, asseverou em sua obra “O Leviatã”, que, anteriormente à existência da sociedade e do poder político, os seres humanos viviam no “estado de natureza”, onde todos eram iguais e livres; iguais na força e inteligência e livres para usar esse poder como bem entendessem. Contudo, isso, segundo o autor inglês, gerava uma “guerra de todos contra todos”, já que cada um pode, com ou sem razão, se sentir poderoso, perseguido ou traído. Retomando a ideia de Plauto (“homo homini lúpus” – o homem é o lobo do homem) – Hobbes alude ao fato de que o maior risco aos homens não são as feras na natureza, mas os outros homens.
A morte de Gerson não é uma história de selvageria animal. Não mesmo. É uma triste história de falhas estruturais no bojo de nossa sociedade e, não raro, de omissões coletivas e ausência de políticas públicas de saúde mental capazes chegar eficientemente aos seus destinatários, especialmente, jovens pobres e com histórico de vulnerabilidades sociais. A leoa fez o que um animal faz. A sociedade, porém, não fez o que deveria fazer: acolher, cuidar, tratar e direcionar a tempo para as instituições públicas especializadas.
A leoa Leona, em breve, será visitada e muitas fotos e selfies serão feitas. Gerson só será mais um, esquecido, superado por tantos outros na mesma situação ou até pior.
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