Rodrigo Augusto Prando analisa embate brasileiro com os Estados Unidos
O Brasil – e o mundo – ainda discutem e tentam compreender as motivações e as consequências da atitude de Donald Trump, presidente dos EUA, que, em missiva enviada ao Presidente Lula afirma que taxará as exportações brasileiras em 50%, a partir de 1º agosto, caso não cessem o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ex-presidente, inelegível, Jair Bolsonaro. A carta, bem como como tarifaço, apresenta justificativas no campo econômico e ideológico, portanto, político. Acompanhe, caros leitores, os aspectos econômicos e, ulteriormente, os políticos.
De acordo com dados oficiais do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), disponíveis em 10 de julho de 2025, o Brasil apresenta déficit comercial (F.O.B.), isto significa que, o valor das exportações menos as importações de bens, sem o pagamento de fretes e seguros, é negativo para o Brasil em relação aos Estados Unidos da América (EUA) desde o ano de 2009, ou seja, há dezesseis anos. Neste período, o maior valor negativo foi de, aproximadamente, US$14 bilhões em 2022 e o valor negativo acumulado é de US$90 bilhões.
Além da parte quantitativa ser relevante, a qualitativa, referente a qualidade da pauta de comércio Brasil x EUA também é importante e merece atenção: já que cerca de 93% do total das exportações brasileiras para os EUA é composta pela soma de produtos industrializados (indústria de transformação) 80% mais a indústria extrativa com 13%. As exportações dos EUA para o Brasil também são relevantes para a indústria de transformação: 91% e a indústria extrativa com participação de 9%. Este percentual de comércio entre produtos industrializados mostra elevado grau de complementaridade entre as economias de ambos os países, neste sentido, a aplicação de tarifas, de forma indiscriminada, poderá causar perdas de eficiência nas cadeias de produção de ambos os países, destruindo empregos no Brasil e elevando os preços nos EUA.
O estado de São Paulo – governado por Tarcísio de Freitas, aliado de Bolsonaro, além de ser a maior economia entre as unidades federativas, é o principal estado exportador para os EUA. No ano de 2024, o valor das exportações foi de US$13,6 bilhões representando 19,1% do total das exportações brasileiras para aquele país, principalmente de produtos industrializados e da indústria extrativa, portanto, São Paulo é o que sentirá o maior impacto, tanto no aumento do desemprego quanto na redução da renda.
Economicamente, o tarifaço trumpista parte de argumentação fantasiosa, de que os EUA saem no prejuízo em relação às transações comerciais com o Brasil e, além disso, dos entes federativos, o maior prejudicado será o estado de São Paulo, governando por um bolsonarista. Diplomaticamente, o Brasil asseverou que aplicará a reciprocidade taxando os produtos importados dos EUA em 50% e, ato contínuo, Trump aduz que poderá dobrar a taxação, chegando a 100% o que, obviamente, inviabiliza o comércio com uma nação amiga. A estratégia de Trump em buscar barrar o fortalecimento dos BRICS e a discussão de uma moeda comum que se distancie do dólar poderá, ao contrário, fortalecer o bloco fazendo com que, por exemplo, China e Índia recebam as exportações brasileiras.
Politicamente, a carta e a descabida tentativa de interferir na soberania do Brasil, em suas instituições, dará a Lula, combalido neste terceiro mandato, uma narrativa poderosa para chamar de sua: resistirá aos arreganhos autocráticos de Trump e, ainda, poderá acender a militância de esquerda que encontrará um inimigo a ser combatido, o já famigerado imperialismo norte-americano. Bolsonaro e os bolsonaristas serão responsabilizados por essas ações de Trump e o aumento do custo de exportação e o consequente desemprego e diminuição da atividade econômica serão chamados de “taxa Bolsonaro”. Ademais, o patriotismo que foi, nos últimos anos, monopólio dos bolsonaristas poderá se deslocar para o campo da esquerda e dos progressistas.
Economia e política não são ciências exatas e nem tampouco apresentam neutralidade em seus pressupostos valorativos, ainda que busquem objetividade em suas análises científicas. A vida social – econômica e política – é fruto de decisões humanas e estas nem sempre estão no campo da racionalidade e dos valores democráticos e republicanos. Bolsonaro e Trump dão, de presente, ao governo petista um respiro e munição para uma retórica de enfrentamento, aqui e alhures. As posições no tabuleiro político, para 2026, já se fazem presentes. Cabe-nos acompanhar a movimentação das peças e seu reflexo na – como dizia Nelson Rodrigues – vida como ela é!