A guerra de Trump contra o narcotráfico Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump | Foto: Joyce N. Boghosian/Official White House Photo CRIME ORGANIZADO

A guerra de Trump contra o narcotráfico

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A ótica belicista de Trump e o risco do narcoterrorismo no Brasil.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, inaugurou uma mudança de postura significativa no combate ao narcotráfico. Trump passou a adotar uma ótica belicista que se manifestou inicialmente em uma incursão contra o crime organizado na Venezuela, mas que envia um recado de que tal ação pode ser replicada em outros países da América Latina. Para o Brasil, que faz fronteira com a Venezuela e é um país fortemente assolado pelo crime organizado, essa abordagem suscita grandes preocupações. A nova estratégia dos EUA identifica as organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas como organizações narcoterroristas, abandonando a perspectiva anterior focada apenas em segurança pública e lavagem de capitais. As facções brasileiras, que já demonstram capacidade transnacional, tornam-se, assim, alvos potenciais na mira americana.

As facções criminosas brasileiras mais importantes, notadamente o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho, converteram-se em organizações transnacionais, expandindo sua presença para territórios como Paraguai, Bolívia, Colômbia, Moçambique e Portugal. Essa projeção internacional faz com que os EUA as vejam como entidades que potencialmente ameaçam a segurança nacional. O PCC já está listado “abstratamente” em documentos americanos, como as listas do OFAC (Office of Foreign Assets Control), órgão do Departamento do Tesouro, que objetiva controlar ativos e recursos econômicos desses grupos em território americano. Caso o Comando Vermelho ou o PCC realizem remessas internacionais com destino aos Estados Unidos, um grande mercado consumidor, eles poderiam ser listados como entidades ameaçadoras, abrindo a porta para que os EUA adotem medidas semelhantes às executadas contra organizações venezuelanas ou mexicanas.

A expansão dessas entidades é sustentada por alianças estratégicas com máfias e facções estrangeiras, como a ‘Ndrangheta italiana e máfias dos Balcãs, estabelecendo redes transnacionais com objetivos logísticos e comerciais. O Brasil, embora não seja um produtor de cocaína (cuja produção se concentra na Bolívia, Colômbia e Peru), desempenha o papel crucial de um grande centro distribuidor da droga para outros continentes, graças aos seus portos e aeroportos. A ausência de condições tecnológicas para fiscalizar a totalidade dos contêineres e cargas que partem desses pontos logísticos favorece a conexão dessas facções brasileiras com seus homólogos no exterior e a projeção de sua capacidade distributiva, aumentando a lucratividade e o domínio do processo logístico.

Contudo, a capacidade do Brasil de usar a ferramenta legal do narcoterrorismo para reprimir essas facções é severamente limitada pela própria legislação nacional. A Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/2016) é restritiva quanto à motivação da conduta. O legislador incluiu no Artigo 2º a exigência de que o ato terrorista seja praticado por xenofobia ou por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou religião. Essa exigência impede que certas ações de violência e ataques de facções como o PCC, cujas motivações são primariamente criminosas, visando a obtenção e garantia de mercados, sejam tecnicamente qualificadas como terrorismo no Brasil, mesmo que, sociologicamente, pudessem ser discutidas como narcoterroristas.

Diante da complexidade e da violência do crime organizado transnacional, o Brasil necessita urgentemente de adaptações legislativas e instrumentos de repressão mais eficazes. É fundamental que o país invista em inteligência criminal coordenada e considere a implementação de uma lei antimáfia para lidar com organizações de tipo mafioso. No campo processual, uma medida crucial seria a Ação de Extinção de Domínio, uma ferramenta civil que permite ao Estado buscar e arrecadar o patrimônio ilícito das organizações criminosas, mesmo em casos de prescrição, morte do réu ou paralisação do processo penal, reforçando o princípio de que “o crime não compensa”.

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