Foto: Agência Brasil
Crime organizado
Comentário de Arthur do Val, culpando mulheres pelo crime de seus filhos, causa revolta nas redes sociais.
O debate sobre segurança pública e o sistema prisional frequentemente se concentra na repressão e na punição. O debate deixa de lado um elemento crucial, e por vezes negligenciado, para a (re)integração social: o papel das mães dos presos.
Numa entrevista ao MyNews nas eleições de 2022 quando foi candidato a deputado federal, o delegado de polícia e ex-Secretário de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro, Fernando Veloso, disse que a mãe não é apenas uma figura de afeto, mas um pilar fundamental que precisa ser acolhido por qualquer estratégia séria de segurança pública.
Com uma trajetória de 20 anos como Delegado de Polícia, incluindo passagens como chefe da Polícia Civil e subchefe operacional, além de ter atuado como Secretário de Estado de Administração Penitenciária, Veloso traz uma análise incisiva sobre como o tratamento desumano dado a essas mulheres pode, ironicamente, empurrar o preso para o crime organizado e para a facção.
Sua longa experiência na segurança pública mostra que essas mulheres não são culpadas, ao contrário do que diz de forma brutal o ex-deputado Arthur do Val: “quem sacrificou uma geração inteira de jovens periféricos do Rio foram vocês mães”. O cometário postado nas redes sociais gerou uma repercussão com críticas e indignação a fala de Arthur do Val.
A premissa central de Fernando Veloso é clara e moralmente inegável: A mãe não pode ser condenada. “Mesmo que o preso tenha cometido o crime mais horrível e deva cumprir sua pena, a mãe dele não pode ser condenada”, argumenta Veloso.
Apesar do crime cometido pelo filho, a mãe, que não tem culpa, não pode ser submetida a uma pena acessória de humilhação e sofrimento por parte do Estado. No entanto, o sistema prisional, segundo o delegado, faz exatamente o oposto ao tratá-las de forma desumana.
O Delegado descreve a realidade cruel enfrentada por essas mulheres, muitas delas idosas, ao tentar exercer o direito de visita:
O impacto desse tratamento vai além da crueldade e toca o cerne da segurança pública. Segundo Veloso, o Estado, ao impor tais barreiras e humilhações, afasta o preso de sua conexão positiva, a família, e especialmente a mãe. “Quando o Estado faz isso, ele afasta a família desse indivíduo e está, na prática, dizendo ao preso para se ‘agarrar no cara da facção’ que está lá dentro”, explica.
A desorganização e a burocracia do sistema reforçam esse isolamento. O delegado cita como exemplo o fato de o sistema demorar, por vezes, um ano para fornecer a carteirinha de visita. Durante esse longo período, o indivíduo, isolado da mãe, do cônjuge ou do pai, fica vulnerável à única forma de “acolhimento” disponível: a facção criminosa.
A mãe é, para muitos detentos, o último elo funcional com a sociedade. Ela representa o afeto, a responsabilidade e, em muitos casos, a única voz que ainda consegue influenciar o indivíduo a buscar a ressocialização.
Portanto, a análise de Fernando Veloso aponta para uma falha estratégica do sistema: ao invés de desumanizar e afastar, o Estado deveria acolher, facilitar e dignificar a presença dessas mães.
Uma política de segurança pública eficaz, com foco na redução da reincidência, deveria ver as mães não como um incômodo, mas como aliadas indispensáveis. Isso implicaria em simplificar a logística de visitação, eliminar a burocracia e, acima de tudo, garantir que o tratamento dispensado a elas seja de dignidade e respeito.
Em última análise, o acolhimento da mãe é o acolhimento da possibilidade de reinserção do indivíduo, enfraquecendo o poder da facção e fortalecendo o laço familiar, um investimento social que rende dividendos reais em segurança.
Veja a íntegra da entrevista abaixo.
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