Rio “absolutamente descontrolado” diante da retaliação do CV Foto: Leonardo Cardoso/MyNews Segurança Pública

Rio “absolutamente descontrolado” diante da retaliação do CV

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Estado resolve entrar de vez na guerra contra a maior facção presente

O governo estadual foi surpreendido de maneira “absolutamente descontrolada” pela retaliação do Comando Vermelho (CV). A análise é do professor José Claudio Souza Alves, da Universidade Rural do Rio e pesquisador sobre crime organizado. Segundo ele, o estado “não esperava uma retaliação dessa proporção”. A reação demonstrou que o CV possui uma capacidade de articulação muito mais ampla e fortalecida do que se supunha.

Organização aprimorada e a “alternativa real” do tráfico

O professor Alves enfatiza que o crescimento do Comando Vermelho não se deu apenas em termos de ampliação territorial. Trata0se de uma organização aprimorada. O CV se tornou mais organizado em função da população que convive com ele, passando a interagir de forma mais intensa com esses moradores.

Em uma sociedade marcada pela ausência de salários e oportunidades, a estrutura do tráfico passa a ser vista por essa população como uma “alternativa real”, o que permite ao CV ganhar capilaridade e expressividade.

Essa capacidade organizativa elevada é visível no território: as antigas barricadas em entradas de favelas deram lugar a “verdadeiras rodovias obstruídas”. Desde 2023, a atuação do Comando Vermelho “tem transbordado para a estrutura urbana aberta”, uma informação que a Secretaria de Segurança Pública tem ciência, pois “o tempo todo opera com isso”.

Crise não é “armadilha política”, mas resultado de décadas de erros

O Professor Alves discorda da visão simplista de que a operação seja uma “armadilha política” para o governo Lula ou apenas resultado direto da DPF 635 (a decisão do STF que impõe restrições às operações policiais no Rio).

Para o pesquisador, a crise atual é o resultado de “erros cometidos sucessivamente ao longo de décadas”. O cerne do problema reside em uma estrutura de atuação de grupos armados estatais e não estatais que estabelecem “relações, acordos, negócios”. O alerta é direto: se essa complexidade não for compreendida, “você não vai conseguir operar nada aqui nessa cidade”.

O governo estadual, por sua vez, persiste em um projeto político-eleitoral que utiliza o confronto aberto na cidade como “palco” e, na avaliação do professor, simplesmente “não tem noção do que que ele tá fazendo”.

ADPF 635 e a corrupção estrutural

Sobre a ADPF 635, o pesquisador lembra que essa estrutura criminosa “vem bem antes da ADPF 365” e que, na prática, a ADPF nunca controlou as operações de grande porte, como a recente. Portanto, a decisão do STF não é a raiz do problema.

A força do Comando Vermelho está intimamente ligada à corrupção estrutural e à dinâmica com outros grupos armados:

  • Dependência do “Arrego”: O CV cresce porque depende da propina (“arrego”) paga à estrutura de segurança pública.
  • Crescimento em conjunto com a milícia: A milícia cresce junto com o CV, utilizando a projeção do tráfico para se contrapor e ganhar espaço.
  • Interação e fragmentação: Existe uma interação complexa entre os grupos. Em certas situações, o Comando Vermelho se torna um ator “mais interessante” do que a própria milícia, que muitas vezes se fragmenta e disputa consigo mesma (casos como a Liga da Justiça, Bonde do Eco e Bonde do Zinho).

Milícia e a influência política nacional

No cenário político nacional, o professor Alves vê a milícia com “muito mais influência” no Congresso do que o tráfico. Isso se deve ao fato de a milícia ter se constituído por dentro do estado e se alinhar a um discurso institucional dualista (“do bem contra o mal,” “maior repressão”). Esse discurso encontra ressonância na direita e extrema-direita (Bancada da Bala, Boi, Bíblia), que se relacionam muito mais com a milícia do que com o tráfico.

O abismo da intransigência

Apesar da escalada do problema, o pesquisador lamenta a intransigência do Estado: “Eu vejo o final da estrada e um abismo que eles não estão querendo enxergar”. O governo se beneficia eleitoralmente com o palanque do confronto, mas é incapaz de dar o braço a torcer, dialogar com os pesquisadores da área ou com a população local.

O professor conclui que as autoridades permanecem em uma decisão institucional e corporativa “sem volta”, incapazes de reconhecer que a estrutura de segurança pública não funciona e que seriam necessárias parcerias e alianças muito mais amplas para sanear uma estrutura totalmente comprometida.

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