Setembro Amarelo é uma oportunidade de falar de forma responsável sobre o suicídio e o comportamento suicida e ajudar as pessoas a encontrarem canais de atendimento. O Centro de Valorização da Vida (Ligue 188) é uma opção
por Juliana Cavalcanti em 24/09/21 23:03
Segunda maior causa de mortes entre jovens com idades entre 15 e 29 anos, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o suicídio é um assunto ainda tabu e pouco discutido nas famílias, nas escolas e na sociedade como um todo. O Setembro Amarelo – campanha de prevenção ao suicídio, é uma oportunidade de conversar sobre o tema, na tentativa de ajudar as pessoas a encontrarem canais de serviços de atendimento, como o Centro de Valorização da Vida (CVV), e informar como conseguir apoio nestas situações.
“O Setembro Amarelo é importante para desmistificar o tema, falar de forma responsável e dando informações que vão ajudar. Esse comportamento sempre existiu e nunca foi cuidado. É importante abordar o tema de forma responsável, oferecendo canais de atendimento”, considera a pesquisadora em saúde pública da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Joviana Avanci.
Ela é coordenadora da pesquisa “Violência autoprovocada na infância e na adolescência”, promovida pela Fiocruz, com apoio do CNPq, que identificou 15.702 atendimentos de comportamento suicida entre adolescentes nos serviços de saúde pública no Brasil, no período de 2011 a 2014, através da análise de dados do Sistema de Informação de Saúde. O estudo contou também com entrevistas em profundidade com 18 adolescentes com comportamento suicida das cidades de Porto Alegre (RS) e Dourados (MS), identificados através da indicação de profissionais de serviços de saúde de referência ou pelas delegacias de polícia das cidades.
Os resultados apontam que o comportamento suicida entre adolescentes é predominante entre pessoas com idades entre 15 e 19 anos (76,4%), do sexo feminino (71,6%), e raça/cor da pele branca (58,3%). A residência foi o local mais frequente das ocorrências (88,5% de 10 a 14 anos; e 89,9% na faixa entre 15 e 19 anos) e o meio mais utilizado foi envenenamento/intoxicação (76,6% – de 10 a 14 anos; 78%, de 15 a 19 anos). Ao todo, foram 12.060 registros de internações de tentativas de suicídio entre 2007 e 2016; também com predominância do sexo feminino (58,1%) e maior ocorrência na Região Sudeste (2,7 ocorrências por 100 mil habitantes na faixa entre 10 e 14 anos; e 7 notificações a cada 100 mil habitantes entre 15 e 19 anos).
“A gente fez essa pesquisa com o objetivo de investigar sobre o comportamento suicida, levando em consideração aspectos familiares, individuais e sociais e também o universo dos adolescentes. Tivemos atenção não apenas com os casos dos adolescentes que se suicidaram, mas também os que tentaram, na tentativa de entender o universo familiar e esses adolescentes”, explica Joviana.
As cidades de Porto Alegre e Dourados foram selecionadas por apresentarem índices mais elevados dessas ocorrências no país. Segundo Joviana, a Região Sul tradicionalmente registra taxas bastante elevadas. Entre as hipóteses estão questões relacionadas à imigração, às formas de lidar com os problemas – aspecto que perpassa outras faixas etárias, sendo uma questão intergeracional, e inclusive questões relacionadas ao uso de agrotóxico nas lavouras.
“A gente observa que no universo familiar são famílias reconstituídas, com a presença apenas de um responsável, muitas vezes histórias de rejeição e abandono, às vezes pais que estavam presos ou desaparecidos, e em função de muitas intercorrências, essas situações provocam uma sensação de desamparo para os adolescentes. Há relatos de sentimentos de rejeição, de experiência de abuso sexual na infância, conflito com os responsáveis, muitos residiam circulando entre várias casas da família. Essas situações acabavam afetando características muito próprias dos adolescentes, essa sensação de insegurança, que talvez precisasse de uma rede de apoio mais forte”, considera a pesquisadora da Fiocruz.
Joviana Avanci destaca que o ambiente escolar, que poderia ser um ponto de apoio nestes momentos, tem dificuldade de reconhecer as questões que afetam esses jovens, muitas vezes refletidas em problemas no desempenho escolar, na socialização, com mudanças recorrentes de instituições de ensino, ou mesmo de abandono/falta às aulas.
Entre as questões destacadas pela pesquisa estão histórias pregressas de suicídio de alguém da família, ou de pessoas próximas (amigos, vizinhos, conhecidos). A maioria dos casos estudados apontou histórico de problemas psiquiátricos, especialmente ansiedade e depressão, e metade dos adolescentes pesquisados tem familiares que abusaram do uso de álcool.
“Não é algo que está sempre relacionado, mas muitas vezes o comportamento depressivo pode estar associado ao comportamento suicida. Alguns jovens eram acompanhados por psicólogos e psiquiatras, mas é importantíssimo ressaltar a dificuldade de atendimento na rede saúde no país. Muitos tinham o atendimento de emergência, mas não conseguiam ter o acompanhamento posterior, com psicólogo e psiquiatra. A gente sabe que uma tentativa aumenta muito a chance de conseguir uma próxima vez. A rede de saúde não tem o suporte para atender esses adolescentes do jeito que eles precisariam”, ressalta.
As motivações estão relacionadas questões como sentimento de inadequação, violências, problemas familiares, rompimento de namoros, abuso sexual, bullying e ciberbullying, pressão para rendimento escolar, obesidade, interações em redes sociais, entre outras. Questionada sobre se a cobrança da sociedade para que as pessoas sigam padrões, sejam de um determinado jeito ou tenham famílias num modelo “ideal” pode também influenciar o sentimento de inadequação dos jovens, Joviana Avanci acredita que sim.
“Embora a gente já tenha avançado tanto nesses assuntos, ainda existem tantos rótulos, preconceitos. A escola tem um papel fundamental quando a gente fala de crianças e adolescentes, de poder identificar sinais precoces, pode ajudar a intervir e oferecer ajuda. É importante poder acolher os jovem do jeito que ele é, do jeito que a família pode ser”, destaca.
Ela ressalta que as redes sociais podem ser um gatilho para pensamentos que já existem, especialmente em situações de bullying e ciberbullying. “É importante oferecer ajuda e também que a família procure ajuda, porque pode não dar conta sozinha de lidar com a situação. Existem profissionais de saúde que podem dar esse suporte”, completa, lembrando que durante a pandemia houve a oferta de diversos serviços de atendimento psicológico e psiquiátrico solidários por todo o país.
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