Participantes mais empoderados e pesquisas descentralizadas poderão tornar os estudos clínicos mais ágeis e eficazes
por Otavio Berwanger em 11/01/22 14:22
Todo medicamento, vacina ou novo tratamento de uma doença necessita ser validado por uma pesquisa clínica. Uma vez concluídos os testes pré-clínicos (em laboratório e com animais), além das fases clínicas iniciais 1 e 2, a questão que os pesquisadores devem responder é: a substância é segura e eficaz?
Quando falamos em eficácia, os principais desfechos para o paciente vão da redução da mortalidade e das consequências graves da doença até uma melhora na qualidade de vida, e os testes de eficácia definitivos são os da chamada fase 3. É esta a etapa que abrange os estudos clínicos randomizados, duplos-cego e multicêntricos, com a participação de pesquisadores e voluntários de centros de pesquisa de vários países.
Devido a esses cuidados, esse tipo de pesquisa é considerado padrão-ouro na comunidade científica, pois reduz os riscos de vieses ou de resultados falsos, e aumenta o grau de confiabilidade nos dados. No entanto, nem sempre é possível encontrar rapidamente ou em quantidade/diversidade suficientes os participantes e os estudos para doenças comuns — por exemplo, as cardiovasculares, derrame ou Acidente Vascular Cerebral (AVC), diabetes e mesmo a covid-19 — exigem um número significativo de voluntários.
Pesquisadores responsáveis por liderar esses estudos, como eu, temos notado que as pesquisas levam mais tempo que o necessário, são onerosas e alguns têm dificuldade em recrutar o número mínimo de participantes dentro do prazo estabelecido. Muitos, inclusive, param por baixo recrutamento. O modelo tradicional de realizar a pesquisa clínica tem se mostrado ineficiente, e a capacidade de chamar os participantes de forma rápida se faz necessária.
Outro grave problema que precisa ser corrigido — e isso não acontece apenas em um centro de pesquisa ou país, mas no mundo todo — é a falta de diversidade nos estudos. Além da importância social inequívoca, gera um impacto na epidemiologia da doença. Levantamento recente indica que a maior parte dos voluntários recrutados em pesquisas clínicas são homens caucasianos, ou seja, brancos. Isso não representa a epidemiologia verdadeira de uma série de doenças.
Da mesma forma, vale repensar as pesquisas com critérios extensos de inclusão e exclusão dos participantes (perfil de indivíduos que poderão participar do estudo clínico) ou com uma coleta de dados por vezes muito complexa e nem sempre necessária. É preciso fazer estudos maiores e mais pragmáticos, com critérios mais abrangentes e mais representativos.
Retirando o intermediário
Uma das possibilidades para melhorar esse cenário é adaptando o modelo de recrutamento dos participantes. Atualmente, o modelo tradicional funciona da seguinte forma: centros de pesquisa são selecionados por quem coordena o estudo, são qualificados e os respectivos pesquisadores e suas equipes — mesmo atuando sob a égide do centro coordenador — são responsáveis por recrutar os voluntários.
Mas vemos muita heterogeneidade nesse processo. Há centros que desempenham muito acima do esperado, identificam e recrutam muitas pessoas, enquanto outros ficam na média e há um número não desprezível de centros que recrutam muito pouco ou nenhum, apesar dos treinamentos que tiveram.
Algumas pesquisas sugerem que, na prática, há mais participantes que gostariam de se voluntariar do que pesquisadores que desejam incluir os indivíduos nos estudos. Assim, os centros coordenadores, como a Academic Research Organization (ARO), do Hospital Israelita Albert Einstein, ficam na dependência do intermediário para o acesso aos voluntários.
Autonomia do paciente
Se antigamente era preciso ir fisicamente até uma agência bancária para qualquer transação financeira, e agora apenas um clique no celular é suficiente para boa parte das necessidades do usuário, no âmbito da saúde seguimos por um caminho semelhante. Com indivíduos mais conectados, cresce o movimento dos estudos chamados de descentralizados.
Usamos a tecnologia para que o participante se engaje diretamente à pesquisa clínica e não fique tão dependente do convite de um terceiro para participar. Assim, ele poderá procurar sozinho ou ficar sabendo da pesquisa clínica e, via mecanismos da tecnologia digital, ser incluído.
Caso precise de avaliações ou exames médicos, pode descobrir quais locais, na própria cidade, podem recebê-lo para esses cuidados. Há ainda a possibilidade de usar tecnologias de consentimento digital, como a telemedicina, ou a coleta domiciliar dos exames. Algumas startups, por exemplo, levam a medicação testada de forma segura até o indivíduo. Embora nem tudo possa ser feito de forma descentralizada, muitas das ações que a pesquisa clínica exige, especialmente o recrutamento, podem ser feitas pelo próprio participante.
Colocam-no, assim, como o ator principal da pesquisa, promovendo um maior conforto, facilidade, além do cuidado integral garantido pelos pesquisadores. O Hospital Israelita Albert Einstein é pioneiro no Brasil em fazer esse tipo de pesquisa clínica, pois além do ARO, temos a incubadora de startups Eretz.bio e um grupo de Big Data, que trabalham juntos para conduzir esses estudos.
Pesquisa clínica: vale a pena
Mesmo encontrando os possíveis candidatos às pesquisas clínicas, os pacientes podem se perguntar: vale a pena participar? A resposta é sim, sempre. Uma série de estudos já demonstraram que os pacientes que participam das pesquisas clínicas — mesmo se entrarem no grupo controle (que não recebe a medicação/vacina/tratamento em teste, mas outra substância, às vezes placebo, para fins comparativos) têm uma evolução clínica igual ou, em alguns casos, superior às pessoas que estão em uma mesma condição, mas fora do projeto.
A participação também é vantajosa porque o participante é exaustivamente monitorado e orientado e tem a adesão ao tratamento, ainda que não seja aquele em teste, garantida. Como os indivíduos passam por avaliações clínicas e laboratoriais frequentes e são vistos por vários profissionais, o cuidado é mais intenso que o oferecido na prática clínica diária.
Outra questão que precisa ser destacada é que o recrutamento de participantes só acontece depois que o projeto de pesquisa recebeu todas as aprovações necessárias dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das instituições que desenvolvem o estudo, além da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e das agências regulatórias nacionais que, no caso do Brasil, é a Anvisa. O participante recebe ainda, antes de ser incluído no estudo, todas as informações necessárias sobre os seus direitos, riscos e benefícios, via o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Otavio Berwanger é diretor da Academic Research Organization (ARO) do Hospital Israelita Albert Einstein
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