A farsa, hoje totalmente admitida, foi construída para que parecesse que a guerra era inevitável, mais do que isso, necessária
por Maria Aparecida de Aquino em 21/03/23 11:06
Bandeira dos EUA (Foto: Unsplash)
O título deste artigo é óbvio. Qual das guerras travadas pela humanidade não foi construída sobre uma farsa? Afinal, trata-se de um evento essencialmente elaborado para que homens matem outros homens, seus semelhantes. Qual das guerras não ajudou a instaurar tragédias? Homens são mortos, às vezes em números inimagináveis. Depois delas o processo de tentativa de reconstrução é, quase sempre, tão doloroso quanto o seu desenrolar.
Entretanto, quero me concentrar na conhecida frase do filósofo alemão Karl Marx (1818-1893): “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Esta frase figura em uma de suas mais importantes obras: O 18 de Brumário de Luís Bonaparte (São Paulo, Boitempo, 2011).
Há 20 anos, no dia 20/03/2003, estava em uma entrevista para o excelente jornalista Roberto Cabrini em uma emissora de TV, discutindo exatamente a possibilidade de uma guerra contra o Iraque. Já era noite avançada.
Quando estava saindo Cabrini me perguntou se acontecesse alguma coisa ele poderia me chamar, mesmo que fosse de madrugada. Eu concordei e me retirei. Quando cheguei em casa fui chamada para retornar: a Guerra do Iraque, com a invasão de seu território começara, mesmo sem o apoio da ONU. Assim, principalmente os EUA e a Inglaterra, através de seus próceres, respectivamente George Walker Bush e Tony Blair, deram início à farsa e à tragédia.
A farsa, hoje totalmente admitida, foi construída para que parecesse que a guerra era inevitável, mais do que isso, necessária. O Iraque, através de Saddam Hussein, possuiria armas de destruição em massa e seria, portanto, um perigo que precisava ser contido.
Os que viveram aqueles tempos hão de se lembrar do Secretário de Estado dos EUA, o respeitado – até aquela data – general reformado Colin Powell, em fevereiro de 2003, em um discurso na ONU, segurando um pequeno frasco em suas mãos – seria do tamanho usado para conter antraz – afirmando que o Iraque enganara os inspetores nucleares e as armas de destruição em massa existiriam. Farsa armada, construção do pretexto para a guerra. A guerra se desenrolou e as tais armas nunca foram encontradas. Não existiam, como cansara de afirmar o governo iraquiano.
O general teve tempo para se arrepender. Abandonou o partido republicano de Bush e, depois, apoiou Barak Obama. De nada adiantou, a tragédia já havia se instaurado.
As tropas estadunidenses só se retiraram do país em 2011 deixando um saldo de aproximadamente 200.000 mortos (cerca de 120.000 civis iraquianos) e muitas denúncias de atrocidades. São bastante conhecidas as denúncias de torturas de prisioneiros. As mais notórias foram as do presídio de Abu Ghraib, envolvendo abuso físico e sexual, tortura, estupro e assassinato.
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Tudo isso em nome da defesa da democracia. Além de proteger o mundo contra as armas de destruição em massa, os invasores também estariam livrando o povo do Iraque de um governo sanguinário e devolvendo o país à liberdade, detendo a opressão.
Depois de uma acirrada procura Saddam Hussein foi encontrado, preso, julgado e morto. Em frente às câmeras. A população mundial pode acompanhar sua morte, enforcado do mesmo modo como acompanhara as imagens de soldados americanos, quando da invasão, derrubando sua estátua em Bagdá.
Para acrescentar mais dramas a essa tragédia o país vivenciou, entre 2006 e 2008 uma guerra civil que opôs os três principais grupos do país: muçulmanos xiitas, muçulmanos sunitas e curdos. Além disso, entre 2014 e 2017, uma parte do território iraquiano foi ocupado pelo grupo do Estado Islâmico, com o corolário de violências conhecidas.
Eleições têm acontecido, mas sem que isso represente pacificação, desenvolvimento e, muito menos, melhoria das condições da população.
O riquíssimo país, um dos maiores produtores de petróleo, convive com a miséria e com o caos diário dos cortes de energia e das falhas no abastecimento.
20 anos depois é necessário que o mundo se debruce sobre essa tragédia sem fim. Ao lembrar essa data que nos afastemos, de uma vez por todas, das interferências externas em problemas internos. Se há uma solução para esses problemas somente a população local pode encontrá-la.
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