bicentenário do nascimento de Dom Pedro II, celebrado em 2025, e o MyNews reflete a oportunidade de comentar sobre sua memória
O bicentenário do nascimento de Dom Pedro II, celebrado em 2025, é uma oportunidade para refletirmos sobre a oscilação pendular da memória pública em torno da figura do segundo Imperador do Brasil.
Por um lado, a historiografia oficial o consagrou como um monarca ilustrado, um estadista culto e benevolente, responsável por consolidar o Brasil como uma nação independente e civilizada. Sua dedicação à ciência, à cultura e à estabilidade política do Império sempre foram enfatizadas como traços de um governante excepcional, afastado das turbulências e arbitrariedades típicas do século XIX.
Essa visão, amplamente difundida em livros didáticos e discursos institucionais, reforça a imagem de um soberano idealizado. Desse ponto de vista, a deposição da única cabeça coroada nos trópicos, em 1889, teria sido uma injustiça imposta por militares descontentes.
No entanto, o revisionismo histórico desafia essa narrativa ao expor as contradições do longo reinado de Dom Pedro II. Sob essa ótica, ele não foi apenas um monarca erudito e benevolente, mas também um chefe de Estado que manteve a escravidão até os últimos anos do Império, resistindo a reformas mais profundas que poderiam ter antecipado o fim desse sistema.
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Além disso, as críticas recaem sobre a concentração de poder nas mãos do imperador, sua postura vacilante diante das transformações sociais e sua relutância em modernizar efetivamente as estruturas políticas do país. Para muitos historiadores contemporâneos, a derrocada do Império não foi um golpe fortuito, mas a consequência de um sistema que já não conseguia atender às demandas de uma sociedade em transição.
Essa dicotomia na memória de Dom Pedro II reflete um fenômeno recorrente na construção das figuras históricas: a tendência de simplificá-las em narrativas maniqueístas. Em um momento, o imperador é visto como um exemplo de governante sábio e ponderado; em outro, como um líder omisso e conservador.
Essas interpretações, longe de serem excludentes, revelam as múltiplas facetas de uma trajetória complexa, que não pode ser reduzida a extremos opostos. A história, afinal, não se limita à exaltação ou à condenação de personagens, mas deve buscar compreender as circunstâncias e contradições que moldaram suas ações.
No bicentenário de Dom Pedro II, cabe-nos um olhar crítico e equilibrado sobre seu legado. Reconhecer seus méritos, como o incentivo às artes, à educação e à ciência, não significa ignorar suas falhas, como a demora em abolir a escravidão e a resistência a mudanças estruturais.
A história não deve servir às mitificações ou destruições sistemáticas de personagens, mas sim à construção de uma memória que contemple a complexidade do passado. Dessa forma, evitamos tanto a idolatria cega quanto a crítica anacrônica, permitindo um entendimento mais profundo da trajetória do último imperador do Brasil.
Daniel Carvalho de Paula é Doutor em História e professor do curso de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie.