Estudo aponta que os nossos hábitos digitais estão provocando uma Distorção da Moralidade Humana. TECNOLOGIA

Estudo aponta que os nossos hábitos digitais estão provocando uma Distorção da Moralidade Humana.


Quem se lembrar daquele ruído esquisito provocado pelos modens de conexão discada. Muitos de nós, que levantamos após as 00:00 para utilizar um único pulso de telefonia, acredito que jamais imaginávamos que hoje estaríamos conectados á internet 24horas por dia, usando nossos smartfones, smartwatch, circuito de câmeras etc.

A internet transformou profundamente a maneira como nos conectamos, comunicamos e interagimos com o mundo ao nosso redor. Com quase 6 bilhões de pessoas conectadas, a internet criou um ecossistema inteiramente novo, muitas vezes descompassado com nossas adaptações evolutivas para a vida social em pequenos grupos. Este ambiente digital apresenta desafios únicos para a moralidade humana, distorcendo respostas emocionais como a compaixão e o desejo de punir.

Recentemente, um estudo publicado na PNAS Nexus, que é uma revista científica de gerida pela National Academy of Sciences dos Estados Unidos. explorou como a internet influencia a moralidade humana. Os pesquisadores Claire Robertson e colegas argumentam que a transformação tecnológica resultou em dois principais efeitos adversos no contexto online: a fadiga da compaixão e a vergonha pública exacerbada. Estes efeitos são impulsionados pela exposição constante a conteúdos morais extremos e pela distância física e psicológica entre os atores morais online.

Os algoritmos das redes sociais são projetados para maximizar o engajamento dos usuários, priorizando conteúdos que geram reações emocionais intensas, como indignação e compaixão. Isso significa que notícias sobre injustiças, tragédias e escândalos morais são frequentemente promovidas nos feeds dos usuários. Essa exposição constante a conteúdos extremos pode levar à fadiga da compaixão, onde os indivíduos se sentem sobrecarregados e emocionalmente exaustos, tornando-se menos capazes de responder com empatia a novos casos de sofrimento.

A fadiga da compaixão

A fadiga da compaixão é um fenômeno psicológico que ocorre quando indivíduos são repetidamente expostos a situações de sofrimento, levando a uma diminuição da capacidade de responder com empatia e compaixão genuína. Esse fenômeno é particularmente exacerbado na era da internet, onde a exposição a conteúdos emocionais extremos é constante e incessante.

Segundo os pesquisadores, com o tempo, a exposição repetida a conteúdos de sofrimento pode levar à desensibilização emocional, onde as respostas empáticas se tornam mais automáticas e menos intensas. As pessoas começam a se proteger emocionalmente, reduzindo o impacto emocional que esses conteúdos teriam normalmente.

A constante necessidade de processar e responder a informações emocionalmente carregadas pode levar à sobrecarga cognitiva. Quando o cérebro é continuamente bombardeado com estímulos emocionais, ele pode se tornar incapaz de responder adequadamente a novos eventos, resultando em uma resposta emocional achatada e menos engajada, dando assim um início a desensibilização.

Estudos indicam que a empatia é um recurso finito. Quando usamos repetidamente nossa capacidade de empatia, especialmente em situações de alta carga emocional, nossa eficácia em responder com compaixão verdadeira é diminuída. Isso pode levar a respostas mais automáticas, onde as pessoas “curtem” ou “compartilham” posts sem um envolvimento emocional profundo.

Os Indivíduos que experimentam fadiga da compaixão podem se tornar menos propensos a se envolver ativamente em causas sociais ou humanitárias. Em vez de contribuir de maneira significativa, podem optar por ações superficiais que exigem menos investimento emocional. Com a prevalência de respostas automáticas e menos engajadas pode contribuir para uma cultura de superficialidade nas interações sociais online. As pessoas podem começar a valorizar ações simbólicas (como “curtidas” e “compartilhamentos”) mais do que ações substanciais que exigem um compromisso maior. Os shorts são uma clara evidencia disso.

Essa constante exposição a conteúdos trágicos impacta negativamente a saúde mental dos indivíduos, levando a sintomas de ansiedade, depressão e estresse. A incapacidade de desligar-se emocionalmente dessas informações pode agravar esses sintomas.

A Exacerbação da Vergonha Pública

Outro efeito significativo da era digital é o aumento da vergonha pública. Na internet, punir transgressores se tornou uma atividade quase sem custo, incentivando comportamentos de condenação moral frequentemente desproporcionais. A facilidade de “curtir”, “compartilhar” ou “comentar” sobre comportamentos considerados imorais cria um ambiente onde o desejo evolutivo de punir é facilmente satisfeito, mas sem o contexto e as consequências que essas ações teriam na vida real.

Os pesquisadores compreendem que na vida real, punir alguém por um comportamento imoral envolve um custo emocional e social significativo. As interações face a face permitem que as pessoas vejam as consequências diretas de suas ações, promovendo um senso de empatia e compreensão contextual. No entanto, na internet, essas interações são mediadas por uma tela, o que cria uma distância física e psicológica entre os envolvidos. Essa distância reduz a empatia e a consideração das nuances contextuais, tornando mais fácil para as pessoas se envolverem em atos de vergonha pública sem refletir sobre as consequências.

O fenômeno da sinalização de virtude desempenha um papel central na exacerbação da vergonha pública online. A sinalização de virtude refere-se à prática de exibir publicamente comportamentos moralmente aprovados para ganhar aprovação social e reforçar a própria identidade moral. Nas redes sociais, isso se manifesta através de postagens que condenam comportamentos imorais ou apoiam causas populares, muitas vezes com o objetivo de receber “curtidas” e “compartilhamentos” que validam a postura moral do indivíduo. Aqui cabe lembrar-se de um fator importante que são os algoritmos que aglutinam aqueles que pensam semelhantemente para ter eficiência de engajamento e assim criam-se as bolhas de informação.

Além da facilidade e do baixo custo de punir, a natureza efêmera das interações online contribui para a superficialidade da vergonha pública. Movimentos sociais que surgem nas redes sociais muitas vezes têm raízes superficiais e pouca durabilidade, uma vez que são alimentados por uma onda momentânea de indignação moral que rapidamente se dissipa. Isso pode resultar em uma falta de mudanças substantivas e em uma cultura de

cancelamento onde indivíduos são publicamente envergonhados e punidos sem um devido processo ou oportunidade de redenção.

Para os pesquisadores, os impactos psicológicos da vergonha pública online podem ser profundos tanto para os envergonhados quanto para os participantes da condenação. Para os indivíduos que são alvos de vergonha pública, as consequências podem incluir danos à reputação, isolamento social, ansiedade e depressão. Para aqueles que participam da vergonha pública, a prática constante de condenação pode levar à desumanização dos alvos e a uma diminuição da empatia geral, alimentando um ciclo de negatividade e julgamento moral.

Promovendo Práticas Online Saudáveis

Pesquisas revelam que para criar um ambiente digital que valorize a compaixão e a compreensão, é necessário implementar e promover práticas que incentivem interações mais positivas e informadas. Algumas dessas práticas incluem:

Educação Digital: Aumentar a conscientização sobre como os algoritmos das redes sociais funcionam e seus impactos psicológicos pode ajudar os usuários a navegar melhor no ambiente digital. Programas de alfabetização digital podem ensinar os indivíduos a reconhecer e gerenciar suas respostas emocionais ao conteúdo online.

Desenvolvimento de Algoritmos Éticos: Plataformas de redes sociais devem ser incentivadas a desenvolver algoritmos que não apenas maximizem o engajamento, mas também promovam o bem-estar dos usuários. Isso pode incluir a priorização de conteúdos informativos e equilibrados, além de ferramentas que ajudem a moderar a exposição a conteúdos emocionalmente intensos.

Promoção de Empatia e Compreensão: Campanhas e iniciativas que promovam a empatia e a compreensão nas interações online podem ajudar a criar um ambiente digital mais saudável. Isso pode incluir a promoção de narrativas positivas, histórias de sucesso e exemplos de resolução de conflitos de maneira construtiva.

Moderação e Responsabilidade: As plataformas devem implementar políticas claras de moderação que combatam o assédio e a vergonha pública desproporcional. Além disso, deve haver mecanismos para responsabilizar aqueles que promovem comportamentos nocivos, incentivando um uso mais responsável e consciente das redes sociais.

Ferramentas de Bem-Estar Digital: Oferecer ferramentas que permitam aos usuários gerenciar melhor seu tempo e exposição ao conteúdo online pode ajudar a reduzir a fadiga da compaixão e o impacto psicológico negativo. Isso pode incluir configurações de tempo de tela, filtros de conteúdo e notificações que incentivem pausas regulares.

A era digital trouxe consigo um novo paradigma de interação social que desafia profundamente nossas normas morais e emocionais. A exposição constante a conteúdos extremos na internet alimenta a fadiga da compaixão e a vergonha pública exacerbada, distorcendo nossa capacidade de empatia genuína e promovendo interações superficiais. Para mitigar esses impactos negativos, é crucial promover práticas online que incentivem a educação digital, o desenvolvimento de algoritmos éticos, a promoção da empatia e a moderação responsável. Ao fazê-lo, podemos aspirar a um ambiente digital mais saudável, onde a compaixão e a compreensão sejam valorizadas, fortalecendo assim o tecido social e promovendo uma sociedade mais empática e consciente.

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