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Balaio do Kotscho

Que fizeram de ti, Argentina?

Minha Buenos Aires querida, que saudade...

Em 09/12/23 18:51
por Balaio do Kotscho

Ricardo Kotscho, 75, paulistano e são-paulino, é jornalista desde 1964, tem duas filhas, 5 netos e 19 livros publicados. Já trabalhou em praticamente todos os principais veículos de mídia impressa e eletrônica. Foi Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República (2003-2004). Entre outras premiações, foi um dos cinco jornalistas brasileiros contemplados com o Troféu Especial de Direitos Humanos da ONU, em 2008, ano em que começou a publicar o blog Balaio do Kotscho, onde escreve sobre a cena política, esportes, cultura e histórias do cotidiano

Bandeira da Argentina, terceira maior economia da América Latina. (Foto: Pixabay)

Buenos Aires foi o destino da minha primeira viagem a outro país, em 1968, a serviço do Estadão, onde iniciara a carreira na grande imprensa um ano e meio antes. Era um “foca”, um principiante, como se diz na gíria das redações. Tinha 20 anos, e fiquei deslumbrado com esta cidade, então maravilhosa, principalmente à noite, com sua intensa vida cultural e boêmia.

E para lá voltaria inúmeras outras vezes, a trabalho ou a passeio com a família. A pauta era insólita: comprar o máximo de roupas e bugigangas em Buenos Aires e voltar para o Brasil de navio para denunciar os achaques na alfândega de Santos na hora de liberar as bagagens. Para justificar a viagem, fui fazer a cobertura de um torneio internacional de futebol, do qual participava o Santos, no auge de Pelé.

Registro no meu livro de memórias “Do Golpe ao Planalto – Uma vida de repórter”, lançado pela Companhia das Letras quando completei 40 anos de profissão (ano que vem, já serão 60…):

“Na mesma noite em que cheguei, andei pela cidade sem rumo, até cansar. Queria sentir como era estar fora do Brasil, ouvir as pessoas falando outra língua. Para mim, naquele momento, Buenos Aires era a metrópole do mundo. Era como se eu estivesse na Europa, que só conhecia de filmes. Comércio aberto e famílias inteiras passeando pelas ruas até altas horas, filas enormes nos teatros, casas de shows superlotados, comida maravilhosa”.

Muito tempo depois, nos anos 80 do século passado, voltaria para lá pela “Folha”, numa das muitas crises do governo de Isabelita Peron, em companhia do meu compadre Clóvis Rossi, um dos mais talentosos jornalistas da sua geração, quando o país já deva os primeiros sinais de decadência nos escombros deixados pela ditadura militar argentina, a mais feroz e longeva do continente.

*

“Depois de um dia de cão, encontrei Rossi no saguão do hotel.

_ Ricardinho, quebrou o pau em Córdoba e você tem que ir para lá agora. Não sei como, se vira.

_ Por que não vai você?, cheguei a lhe perguntar, mas ele alegou que tinha uma importante entrevista já marcada, para o dia seguinte, com o presidente do Senado, que lá também é o vice-presidente da República”.

Fui e voltei na noite seguinte, depois de rodar de táxi pela cidade para ver os estragos da rebelião contra o governo promovida na véspera. O motorista era um verdadeiro repórter, sabia tudo o que tinha acontecido e me levou nos lugares certos, quase não desci do carro, nem precisava. Para fazer certas reportagens, basta olhar e ouvir as pessoas certas, a tempo de voltar para Buenos Aires e transmitir a matéria de lá.

Essas lembranças me voltam à mente agora, na véspera da posse de Javier MIlei, o mais improvável presidente que a Argentina já teve, um “anarco-capitalista”, que se autodefine “libertário”. Até outro dia, era um palhaço na TV, onde falava sobre economia e já defendia a implosão do Banco Central.

Na verdade, trata-se de apenas mais um radical de direita da safra dos Trumps e Bolsonaros, um anti-sistema que promete refundar o país, como aconteceu aqui em 2018. Não por acaso, o capitão Jair Bolsonaro acompanhado de uma grande comitiva, é o convidado de honra para a posse, que por isso mesmo não terá a presença de Lula, o atual presidente brasileiro, atacado por Milei durante a campanha.

“Que fizeram de ti, Argentina?”, me pergunto no título, perplexo com a velocidade da decadência do país, em todos os campos político, econômico, social, cultural e, principalmente na autoestima de um povo que se gabava de ter sido um dos mais ricos do mundo, ao final da Segunda Guerra Mundial.

Sim, por muito tempo os argentinos tinham motivos para se orgulhar, considerar-se superiores aos vizinhos, prezar pelo garbo nos trajes, a excelência da sua gastronomia, dos vinhos e dos pulôveres de cashmere.

Eles levavam a sério essa história de ser o país “europeu” mais próximo do Brasil, o que me levou tantas vezes para lá. Não mais. A Argentina de Milei e seu parçaBolsonaro é hoje apenas mais um pobre país latino-americano, que vive de recordações, é motivo de chacota, e não mais de admiração.

Agora, já tem também seu maluco de estimação. Podemos prever, por experiência própria, no que isso vai dar. E não é bonito.

Vida que segue.

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